CONTOS & CRÓNICAS – CARLOS REIS – OS ARTIGOS IMPUBLICÁVEIS – A FIBRA

 

A fibra. Do terylene. Daquele do autêntico, do sintético, do poliester.

Não sei se estão a ver, se estão a recordar.

Ainda as há, às fibras, pela Rua dos Fanqueiros. Alguns manequins antigos e razoavelmente decrépitos exibem-na, nas montras, entre um misto de demi-sourire e o ar conformado e triste de um político aposentado. Um número mais restrito deles dá mesmo extensas entrevistas acerca do material por que é constituído, de como foi mal compreendido pelos intelectuais da lã, da seda e do linho, de como foi amado pela popelina, a viscose e o brim da classe média, além de alguns restos de colecção deste país.

Vale a pena ler-se a entrevista de uma destas mais antigas e tridimensionais imagens do nosso tempo, de uma lucidez a toda a prova, um olhar politicamente atento, o conhecimento de facto completo (incluindo camisa e gravata) acerca do país sobre o qual se debruçou durante dez anos de vigência dali, de dentro da discreta montra que sempre ocupou e de onde nunca saíu, ao longo desse tempo, sequer metaforicamente. Os manequins da Rua dos Fanqueiros foram sempre incompreendidos e até muito dados a auto-elogios, já que ninguém ou quase ninguém jamais os elogiou, ao longo das suas vidas.

É quando não é compreendido que se vê a fibra de um manequim.

carlos

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