CONTOS & CRÓNICAS – CARLOS REIS – NOTICIÁRIOS INVENTADOS – MÚSICA

 

 

Na sequência largamente noticiada nos media (e com o habitual furor das inteligentes e atentas redes sociais) sobre o que se passou naquela importante e internacional urbe e mundialmente conhecida capital da cultura – que aqui entre nós mais não foi afinal do que um pequeno e ridículo incidente, praticamente sem história, algo mesmo de prosaico, perfeitamente normal e aceitável em importantes e internacionais competições futebolísticas como esta (Tio Tinto United Club versus o Canelas Athletic City) – não posso deixar de evocar a necessidade, aliás sempre adiada, de um policiamento efectivo e funcional em alguns antros mal frequentados por uma mais que duvidosa populaça e lúmpen inadequeado, locais onde muitas vezes se pratica extremada violência, essa sim, perigosa e susceptível de causar danos irrecuperáveis, seja em intervenientes, fosse no público.

Por tudo isso e preocupado como sou com o bem estar deste país em particular e com o da humanidade em geral, não posso deixar de divulgar notíciário realmente importante como o exposto em anexo.

A bem da nação

carlos

Noticiários inventados

1. Na perspectiva de uma reposição – aliás por todo um povo ansiosamente esperada e desejada, ou seja, a ópera “Il Trovatore”, no Teatro Nacional de S. Carlos e dado ser considerado um espectáculo de multidões e de alto risco, a polícia municipal mobiliza mais de mil agentes da ordem, em consonância com a GNR, que se propõe coadjuvar aquela força com cerca de oitocentos efectivos, apoiados por catorze viaturas, prontas a actuar em casos de possíveis distúrbios.

É sabida a eterna rivalidade entre contraltos e primeiros tenores, para não falar das perigosas claques, quer seja a favor de  barítonos, quer de baixos, não sendo nunca de desprezar a inquietude dos primeiros violinos, que não vêem nunca com bons olhos a ocupação de proeminentes lugares de orquestra por contrabaixos e até inconsequentes embora inquietantes violoncelos.

Quando interrogado, o subsubsubchefe daquelas forças da ordem, diria apenas confiar no bom senso e civismo dos adeptos, adiantando no entanto que serão revistadas à entrada todas as casacas e smokings das claques, bem como absolutamente proibido o uso de panfletos provocatórios, very-lights ou mesmo partituras falsas de ominosos temas de fado, guitarradas ou foxtrots, com o intuito de baralhar a orquestra e o corpo de arbitragem que presidirá ao espectáculo. O próprio maestro entrará no relvado ladeado por dois agentes especializados e só receberá a respectiva batuta imediatamente antes do apito para o começo do derby.

2. Na perspectiva de um concerto de Jazz – aliás por todo o povo ansiosamente esperado e desejado, ou seja, uma homenagem às grandes big bands, a levar a cabo no Grande Auditório do CCB,  e dado ser considerado um espectáculo de multidões e de alto risco, a polícia municipal mobiliza mais de dois mil agentes da ordem, em consonância com a GNR, que se propõe coadjuvar aquela força com cerca de mil e seiscentos efectivos, apoiados por vinte e quatro viaturas prontas a actuar em casos de possíveis distúrbios ou mesmo inquietantes e prolongados solos.

É conhecida a eterna rivalidade entre saxes altos e flugelhorns, para não falar das perigosas claques, quer seja a favor dos contrabaixos, quer seja de baterias ou percussão simples, não sendo nunca de desprezar a inquietação dos trompetes que não vêem nunca com bons olhos a ocupação de proeminentes lugares de orquestra por trombones de varas e até inconsequentes embora inquietantes saxes tenores.

Quando interrogado, o subsubsubchefe daquelas forças da ordem, diria apenas confiar no bom senso e civismo dos amadores de Jazz, adiantando no entanto que serão revistadas à entrada todas as t-shirts e jeans das claques, bem como absolutamente proibido o uso de panfletos provocatórios, very-lights ou mesmo partituras falsas de ominosos temas de fado, guitarradas ou corridinhos, com o intuito de baralhar os combos e o corpo de arbitragem que presidirá ao espectáculo. O próprio pianista e leader entrará no relvado ladeado por dois agentes especializados e só terá acesso ao teclado imediatamente antes do apito para o começo do derby.

4. Na perspectiva de um concerto de rock no estádio do Vinhais Futebol Club e dado ser considerado um espectáculo normalmente preenchido de respeitosos silêncios e veneração mútua e muda por parte de um interessado, atento, inteligente e sossegado público, a polícia municipal mobiliza uns dois, ou talvez três agentes da ordem, já reformados, em consonância com a GNR, que se propõe coadjuvar aquela força com um cabo iletrado e de licença sem vencimento, apoiado por um carrinho de mão com rebuçados para a tosse e chupa-chupas, pronto a obviar a eventuais, possíveis e infantis desejos.

É sabido o amor pela musicalidade tout-court daquela juventude, para não falar no inusitado e melancólico devaneio que normalmente demonstram por prolongados acordes de guitarra em Mi maior, acordes esses que chegam muitas das vezes a ocupar uma inteira primeira parte do concerto, sendo que a segunda parte roça amiúde pelo Lá maior, quiçá – embora mais raramente – pelo Si, mesmo que sem sétima, coisa que aliás não faz ali falta nenhuma.

Quando interrogado, o subsubsubsubsubchefe daquelas forças da ordem, diria apenas confiar no bom senso e civismo dos adeptos, adiantando no entanto que serão revistadas à entrada todas as mochilas e maços de eventuais charros, os quais serão graciosamente fornecidos a quem deles se tiver esquecido em casa, bem como absolutamente proibido o uso de bom senso, educação e algum gosto musical ou mesmo o uso de ominosas letras e temas de amor ou de intervenção, com o intuito de baralhar os guinchos guitarrais ou desmotivar os berros dos discretos cantores em função.

4. Na perspectiva de um jogo Benfica-Sporting no Domingo à noite, serão fornecidas velas aos recatados adeptos, que as poderão acender sempre que se observe um golo de qualquer uma das duas equipas, bem como letras de hinos ao amor e à fé, a serem cantados por ocasião desses mesmo golos e por ambas as claques, numa perspectiva de amor impetuoso e transversal aos dois clubes.

A naturalmente inexistente e inútil força policial será neste caso substituída pelo coro feminino da Antena Dois, alternando com aves canoras do Exército de Salvação Nacional, cantando ambas em conjunto e em uníssono no final – no caso de um benfazejo e caridoso empate.

 

Carlos Groucho Marx,  Junho 2015

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