CARTA DO RIO – 155 por Rachel Gutiérrez

Hoje presto minha sentida e profunda homenagem a Maria Inez Barros de Almeida, a dramaturga, radialista, pesquisadora e historiadora do Teatro Brasileiro, de quem tive o privilégio de ser amiga por longos anos e que nos deixou na última quinta-feira, 10 de junho.  A internet divulga uma biografia de Maria Inez, no site da Enciclopédia Itaú Cultural, atualizada muito recentemente, (em 22 de fevereiro de 2017).

Ali descobri que ela utilizou o pseudônimo Ângela de Castro quando atuou no Teatro de Câmara, em 1947; e que como Lavínia Soares “redigiu críticas inicialmente lidas pela locutora Arlette Pinheiro” (nome verdadeiro de Fernanda Montenegro), anos mais tarde. No Teatro Glória, interpretou “pela primeira e única vez, uma personagem na peça Para Além da Vida, do escritor e poeta português Alberto Rebelo de Almeida”.

Ouvi-a explicar muitas vezes, com exemplar honestidade, porque cedo desistira de trabalhar como  atriz:  “- Não teria tido a coragem de fazer todos os  sacrifícios que a carreira exige”.   Discreta em relação aos seus próprios talentos, pouco se referia aos livros publicados, às suas peças de sucesso, como O Diabo Cospe Vermelho, que recebeu o prêmio Fabio Prado, de Teatro, da Sociedade Paulista de Escritores, em 1955.  Eis o que revela a Enciclopédia Itaú Cultural:

        No ano seguinte, a Sociedade Teatro do Sul, primeira experiência de estabelecimento de uma companhia de teatro profissional gaúcha, estreia essa peça em Porto Alegre, com direção de Carlos Alberto Murtinho. Em 1957, com o nome de Sociedade Teatro Estúdio, a companhia viaja ao Rio de Janeiro para encenar a peça no Teatro Maison de France, a convite da Sociedade Teatral de Arte. O crítico Henrique Oscar, do Diário de Notícias, comenta: “A peça […] nos transporta para a fronteira gaúcha e nos coloca diante de uma família de contrabandistas, nos primeiros anos do século atual. […]” e conclui que (…) “é inegavelmente uma peça, em que há certa estrutura, com alguma construção: características que, via de regra, faltam de modo impressionante aos textos que os novos autores nacionais escrevem para a cena”. Outros críticos da época, como Gustavo Dória e Brutus Pedreira também louvaram as qualidades da autora que soube tirar partido de situações e tipos, com grande habilidade, construindo cenicamente muito bem todo o trabalho”,  disse o primeiro, e deu-nos mostras de qualidades nem sempre encontradiças em autores de maior tirocínio: senso de desenvolvimento e construção dramática, além de bom e fluente diálogo”, disse o segundo.

Não vamos esquecer que a gaúcha de Porto Alegre, Maria Inez, foi também crítica teatral e redatora, “durante 7 anos do programa Cenas e Bastidores, transmitidos pela Rádio MEC” (Ministério da Educação e Cultura). Mas é possível que ela se tenha tornado mais conhecida como a brilhante pesquisadora que publicou importantes livros sobre a Companhia Tônia-Celi-Autran (CTCA) e O Teatro Cacilda Becker (TCB).

 

E é preciso recordar, além de tudo, o intenso e amoroso trabalho que ela dedicou à publicação de um livro de memórias, de sua mãe, Idalina Garcia de Barros. Da pequena, mas caprichada edição, tenho um exemplar com esta dedicatória:

                                 Rachel, companheira de voos literários. /M.Inez.

 E aqui quero registrar uma experiência quase anedótica sobre um desses “voos literários”, a que se referia a minha amiga, que realizamos, certa tarde em sua casa, ao lermos um conto que sempre me comove, da fase romântica de Eça de Queiroz – Um dia de Chuva. Inez não o conhecia e ouviu, atenta encantada, a minha leitura. Quando cheguei ao final um tanto abrupto daquele belíssimo texto de Eça, ela correu, com ares misteriosos e em silêncio, até uma de suas estantes para trazer o exemplar das Primeiras Estórias, do nosso genial Guimarães Rosa. Procurou o conto Sequência e pediu-me que o lesse em seguida. Pudemos constatar, então, que entre histórias tão distantes e diferentes, embora ambas “românticas”, há um ritmo narrativo que cria uma atmosfera extremamente semelhante entre os dois contos. (Terá sido uma espécie de paráfrase do nosso mineiro sutil ?)  Essa sutileza foi percebida de imediato pela brilhante inteligência e pela aguda sensibilidade de Inez. Eu diria, imitando a expressão de um escritor francês, que lembranças assim são para sempre “inoxidáveis”.  (Se algum de meus raros leitores for suficientemente curioso, aconselho-o a ler e comparar esses dois contos primorosos, verdadeiras joias da nossa língua portuguesa de lá e de cá.)

E é assim que vou me lembrar de Maria Inez Barros de Almeida: original, vivaz, cultivada, além de altiva e elegante. Não chegou a completar os 92 anos que, certamente, iríamos festejar mais uma vez no seu belo e acolhedor apartamento, situado na antiga Galeria Menescal, no coração de Copacabana, enriquecido por uma respeitável coleção de quadros e esculturas de artistas brasileiros, principalmente. Inesquecíveis serão aquelas reuniões do dia 6 de novembro, data de seu aniversário, que ela fazia questão de celebrar, como boa gourmet e excelente anfitriã.

Entre os convidados, encontrávamos sempre suas grandes amigas, as atrizes Fernanda Montenegro e Jacqueline Laurence, além de seu filho Marcelo, que sempre chegava dos Estados Unidos, onde mora há muitos anos, para juntar-se aos convidados habituais.

 Sobre o marido de Maria Inez e pai de Marcelo, Alfredo Souto de Almeida, “publicitário desde cedo ligado às artes cênicas”, descubro em outra notícia da internet, que ele foi fundador, em 1959, “junto a Sérgio Brito, Fernanda Montenegro, Ítalo Rossi, Gianni Ratto, Luciana Petruccelli e Fernando Torres o Teatro dos Sete.” Alfredo também dirigiu no Tablado a peça de Joaquim Manoel de Macedo, “O Macaco da Vizinha”, que lhe rendeu o prêmio de Diretor Revelação”, em 1956. E dirigiu sua própria mulher, Maria Inez, na peça “Da Mesma Argila”, no Teatro Duse. Foi, além de publicitário de sucesso, professor e um dos apresentadores mais famosos  “do programa Gente do Rio, na TV Record carioca e depois na sua sucessora TV Corcovado, canal 9, entre 1985 e 1990.”

Dava gosto ver a grande cumplicidade que unia o casal. Alfredo e Maria Inez foram intimamente ligados a outro casal famoso dos meios teatrais: o formado pelos atores Fernando Torres e Fernanda Montenegro. Infelizmente, Alfredo morreu cedo, em 1997, e Fernando Torres, em 2008. As viúvas continuaram sempre unidas.

Aproveito, agora, outras valiosas informações sobre a autora teatral Maria Inez Baros de Almeida, colhidas no site da Itaú Cultural:

          Escreve duas peças para a televisão: História do Herói e Crônica de uma Rainha. História do Herói fica em 1º lugar no Grande Concurso de Autores de Teleteatro, promovido pelo programa Grande Teatro Tupi. A comissão julgadora é formada por Raimundo Magalhães Júnior, Accioly Netto, Paulo Francis, Nestor de Hollanda e Sergio Britto. A repercussão do concurso é enorme, pois é a primeira vez que um novo gênero literário e dramático, a telepeça, é premiado.

História do Herói, que vai ao ar em 1961, com direção de Fernando Torres, narra a trajetória de um bicheiro que entra para a política e é eleito vereador. Do elenco fazem parte a cantora Ellen de Lima, os atores Daniel Filho, Odete Lara, Ivy Fernandes e Sergio Britto, entre outros. Em 1965, a peça é adaptada para o cinema por Jece Valadão e Victor Lima com o título História de um Crápula.

E mais adiante:

              Em agosto de 1968, a censura federal comunica a proibição de Os 50 Anos que Abalaram o Mundo, peça de Maria Inez sobre a história e a repercussão da Revolução Russa. A dramaturga participa da fundação da Associação Carioca de Críticos Teatrais (ACCT), em 1975. Forma-se em letras pela Universidade Santa Úrsula em 1976, época em que leciona literatura dramática na Escola de Teatro da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Nas décadas de 1970 a 1990, participa da comissão de críticos de teatro do Prêmio Molière.

 

E há muito mais:

             Maria Inez ganha o Prêmio de Leitura Pública do Concurso de Dramaturgia do SNT, de 1978, com a peça Quem Foi que Disse? Quem Foi que Fez? Em 1982 e 1984 substitui a crítica teatral do jornal O Globo, Barbara Heliodora. Possui as seguintes peças inéditas: Não Me Venhas de Borzeguins ao Leito, Inconstitucionalissimamente ou Farsa Disfarçada, Discursos sobre o Método e Comédia Duvidosa (Lady Gay).

Nos últimos anos, soube que nossa querida amiga Maria Inez Barros de Almeida estava escrevendo memórias. Oxalá possamos lê-las em breve. Uma vida tão rica não há de ser esquecida.

 

1 Comment

  1. Emocionada, enganei-me na data do aniversário de minha amiga. Era 6 de Outubro e não 6 de Novembro. No Tempo eterno da lembrança, espero que isso não faça diferença.

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