CARTA DO RIO – 163 por Rachel Gutiérrez

 

              

 

        A obra de Riane Eisler de 2007, “The Real Wealth of Nations: Creating a Caring Economics”, propõe uma nova interpretação sobre a economia que dá visibilidade e valor ao mais essencial para o trabalho humano: o trabalho de importar-se com as pessoas e o planeta.

 

Notícias alvissareiras me desviaram do assunto que desejava abordar: o da mentira na vida pública e na política. Transfiro-o, então, para a próxima semana.

Eis o que tive o prazer de ler no caderno de Economia do Jornal O Globo, em matéria intitulada PIB DA VASSOURA:

A criação de estimativas para medir o peso dos afazeres domésticos no PIB já surte efeitos em países que adotaram a medida. No Uruguai, (- no meu querido e sempre vanguardista Uruguai) as informações reveladas por sua pesquisa de uso do tempo levaram o governo a criar uma secretaria, um sistema e um plano nacional de (e aqui vem uma palavra que muito ressoa e cintila:) cuidados (2016-2020) que contempla assistência gratuita a crianças e idosos, entre outros, para que as mulheres tenham mais tempo livre para se dedicar a suas carreiras.

É com imensa alegria, portanto, que lembro agora minha Carta do Rio 135, do último 24 de janeiro, quando tive a oportunidade de incluir um vídeo da historiadora austro norte-americana Riane Eisler, no qual a brilhante scholar explicava a um repórter do programa Milênio, no canal Globo News, a tese de seu livro sobre A Verdadeira Riqueza das Nações, que nada mais é do que a “economia dos cuidados”. Sim, o que a sociedade produz de forma invisível, oculta, jamais valorizada e muito menos remunerada: o cuidado com as crianças, com os idosos e com os doentes. E que nunca foi considerado digno de observação e estudos pelos economistas do mundo.

O interessante é que dez anos depois da publicação do livro de Eisler, lemos no Globo deste domingo, 6 de agosto que …

O plano uruguaio foi implantado em 2015. Sob o guarda-chuva de um sistema de cuidados, o governo oferece serviços voltados para idosos e crianças. A sobrecarga de trabalho das mulheres – majoritariamente responsáveis pelos cuidados de idosos e crianças – foi um dos indicadores usados para definir as diretrizes. / Entre os serviços oferecidos estão a assistência remota para uruguaios acima de 70 anos e a construção de centros diurnos para cuidado de pessoas mais velhas. (…) já para as crianças, foi aberta uma linha de crédito para que as escolas de educação infantil possam investir em serviços de educação e cuidado voltado a crianças de até 3 anos. 

(…) No México, a conta –satélite do trabalho doméstico é calculada desde 2003.  E, de acordo com estudos recentes, as políticas de avaliação têm funcionado, inclusive para que a participação dos homens no PIB gerado pelo trabalho doméstico tenha crescido.

A Europa, há muito mais tempo do que as Américas, tem demonstrado preocupação em dar assistência e cuidado a idosos. E na França,

… um estudo de 2010, (…) indica que o trabalho doméstico é 36% do PIB daquele país.

Voltemos às notícias que tanto me entusiasmaram. Vejamos o que Ana Carolina Querino, gerente de Programas da ONU Mulheres  respondeu quando lhe perguntaram por que a ONU incentiva países a criarem a conta-satélite do trabalho doméstico não remunerado:

Essas contas estão apoiadas na premissa básica de desigualdade entre homens e mulheres na divisão do trabalho doméstico. Mesmo entre pessoas ocupadas, há uma desigualdade muito grande entre quem executa ou não o trabalho doméstico. No Brasil, entre as mulheres ocupadas, 90% realizam afazeres domésticos, enquanto apenas 53% dos homens. As mulheres têm uma carga global de trabalho maior. Mesmo que dediquem menos horas ao trabalho produtivo, aquele que tem o conceito reconhecido economicamente, elas têm carga global maior porque dedicam muito mais horas aos afazeres domésticos.

E a antropóloga e diretora da Divisão de Gênero da Cepal respondeu à pergunta “Por que é importante medir o trabalho doméstico não remunerado?” assim:

Porque permite obter uma medida mais precisa do que produz a sociedade, dando visibilidade a uma parte da economia, da produção de bens e serviços que até então permaneceria oculta. Além disso, permite incorporar o trabalho doméstico e de cuidado não remunerado às análises macroeconômicas, ao desenvolvimento de políticas públicas e à tomada de decisões. 

E ao ser perguntada sobre se o Brasil está atrasado nesse debate, a antropóloga, entre outras coisas, acrescentou:

Seria muito interessante que um país poderoso em termos de produção estatística como o Brasil conseguisse orçamento e iniciasse uma pesquisa nacional de uso do tempo que fornecesse informações para essa avaliação econômica do trabalho não pago. São dados fundamentais para projetar políticas de mobilidade, programas educacionais e melhorias em serviços de saúde em todas as esferas.

Alegra-me sobremaneira que as ideias de Riane Eisler tenham merecido finalmente o destaque dos jornais. É uma segunda grande vitória, após a consagração de seu primeiro livro extraordinário, o bestseller “The Chalice and The Blade: Our History, Our Future”, (em português”O Cálice e a Espada”) de 1987, que foi considerado pelo antropólogo Ashley Montagu como “o mais importante livro desde ‘A Origem das Espécies’, de Darwin” , e que está  traduzido em 22 línguas, inclusive em chinês, russo, coreano, hebraico, japonês e árabe.

No meu modesto O Feminismo é um Humanismo, de 1985 (!) eu já sonhava com o futuro que talvez agora, finalmente, esteja próximo:

“(… ) Quando a família deixar de ser a prisão da mulher, quando homens e mulheres dividirem, sem tabus nem preconceitos, as tarefas domésticas e o cuidado com as crianças, (…) quando homens e mulheres tiverem as mesmas oportunidades de assumir empregos de acordo com seus méritos pessoais,”… etc.

E tantos anos mais tarde, ao exaltar as teses de A Verdadeira Riqueza das Nações, de Riane Eisler escrevi, naquela Carta 135, do início deste ano de 2017: “Um esclarecimento se faz necessário: as mulheres nunca desejaram o poder para dominar o mundo ou seus parceiros homens. O que as mulheres desejam, em primeiro lugar, é que sua voz seja ouvida. E que diz essa voz? Defende o meio-ambiente e o planeta; defende oportunidades iguais para todos: homens, mulheres, gays e LGBTs; e defende os direitos adquiridos até aqui. Que prega essa voz? Prega o espírito comunitário e o conceito de parceria ao invés do de dominação. Que denuncia essa voz? O abandono das crianças, os maus-tratos aos velhos, aos doentes e aos animais. E que é que as mulheres combatem? O sexismo, a violência doméstica, o feminicídio, a homofobia, o racismo, a intolerância e o desrespeito às diferenças culturais e religiosas.  Em suma, o que as mulheres querem é humanizar a humanidade.”

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