Da crise atual à próxima crise, sinais de alarme – O fim da era da dívida como moeda. Por Jeff Thomas

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Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

O fim da era da dívida como moeda 

Por Jeff Thomas

Publicado por The international man em 17 de abril de 2018

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O ouro é a moeda dos reis, a prata é o dinheiro dos senhores, a troca é o dinheiro dos camponeses, mas a dívida é o dinheiro dos escravos – Norm Franz, Money and Wealth in the New Millennium

 

Estamo-nos a aproximar do fim da era da dívida como moeda.

Esta é uma afirmação bastante ampla e, é claro, uma vez que a dívida é a moeda mais importante dos nossos dias, seria perfeitamente compreensível se o leitor considerasse um tal prognóstico como um absurdo total.

De facto, muitos diriam que, sem dívida, o mundo não poderia funcionar. A dívida sempre existiu e sempre existirá. No entanto, nas épocas passadas, a dívida desempenhava um papel muito menor, e essas eras foram marcadas por maior progresso e produtividade.

Estamos a viver agora na era do maior nível de endividamento que a humanidade jamais criou. Na verdade, passámos a considerá-lo como “normal”. A maioria dos governos estão completamente falidos. E eles não serão salvos por confisco ou tributação, pois os seus funcionários e corporações estão igualmente pesadamente endividados. Por esse motivo, um colapso é inevitável. E, como a gravidade de um colapso é invariavelmente diretamente proporcional à gravidade da dívida, quando o colapso rebentar, será um colapso que eclipsa todos os colapsos anteriores.

O atual nível descontrolado de dívida é possível graças à capacidade dos governos centrais em criarem mais moeda e tanta quanto quiserem. E isso só é possível através da existência de uma moeda que de aceitação pública por natureza – não tem valor intrínseco.

Aristóteles estava certo quando afirmou que para algo ser apropriado como dinheiro, deve ter valor intrínseco – independente de qualquer outro objeto e contido no próprio dinheiro.

A grande maioria do que hoje é dinheiro é dinheiro digital, embora, para uso diário, o papel moeda ainda seja amplamente utilizado. Mas deve dizer-se que o papel moeda é também de aceitação pública, tendo um valor intrínseco muito menor do que a denominação impressa nele.

Em 1971, o dólar americano saiu do padrão-ouro – deixou de ser resgatável em metal precioso. A partir dessa data, existiu apenas como uma promessa – uma promessa de um governo. (As promessas dos governos tendem a ser um pouco menos redimíveis do que as promessas dos, digamos, agiotas ou dos vendedores de carros usados.)

Com o tempo, o resto do mundo acompanhou esta mudança. Hoje, nenhuma moeda nacional é resgatável em qualquer coisa que tenha valor intrínseco.

Doug Casey, com razão, chamou ao dólar (desde que saiu do padrão ouro) o “não lhe devo nada”. Exatamente correto. Ele também descreve o euro como “quem não lhe deve nada?”, já que nenhum país da UE é responsável por resgatar o euro com algo que possua valor intrínseco.

Muitos esperam hoje que as criptomoedas sejam a salvação do sistema monetário em colapso para breve. Infelizmente, as criptomoedas podem ser descritas com precisão como “não tem nenhuma ideia de quem não lhe deve nada”.

As criptomoedas têm vantagens distintas em relação a outras moedas fiduciárias – elas permitem transações rápidas entre partes em qualquer parte do mundo, independentemente de qualquer dependência de bancos ou governos. No entanto, infelizmente, elas possuem um valor ainda menos intrínseco do que a moeda em papel. O seu valor intrínseco é exatamente zero.

Isto não significa que elas não se tornem mais populares, pois as pessoas procuram livrar-se do controle de bancos e governos. No entanto, as criptomoedas só têm um valor enquanto tal lhe atribuamos. Ao longo da história, sempre que o valor atribuído a uma forma de moeda fiduciária entrou em colapso, a moeda voltou instantaneamente ao seu valor intrínseco.

Um excelente exemplo é a mania das tulipas de 1637, quando o valor atribuído a alguns bolbos de tulipas se tornou inflacionado ao ponto de alguns serem vendidos por dez vezes o rendimento anual de um bom artesão.

Embora nós, hoje, possamos achar isso risível, na época tudo o que importava era o consenso geral de que os bolbos de tulipas continuariam a aumentar de preço. Como resultado, todos saltaram para o comboio em andamento … e, inevitavelmente, saltaram depois na falésia.

Em todos os casos históricos, sejam os bolbos de tulipas, o Reichsmark de 1923, o dólar de 2008 do Zimbábue ou o Bolívar venezuelano mais recentemente, quando o colapso rebenta, ninguém mais quererá a moeda fiduciária falida para coisa nenhuma.

O que isto significa é que estamos a viver numa época em que existem mais formas de moeda fiduciária em utilização do que em qualquer outro momento da história … e mais estão a ser formadas enquanto falamos. Assim, muitas cripto estão a ser criadas no presente, que em breve começaremos a falar de “junk cryptos”, como já falamos de “junk bonds” para separar esperançosamente as cryptos mais fiáveis dos seus primos. Podemos até chegar a falar de “criptos de grau de investimento”.

Voltando ao assunto da dívida, o investidor sensato, ao considerar entrar numa relação de dívida, deve sempre perguntar-se: “Quem emitiu a dívida? O que é que realmente vale? Qual é a probabilidade de ser pago?”

Se a resposta a essas três perguntas for “Não faço ideia”, isso não significa que o investidor não se deva envolver, mas sim que deve reconhecer que passou da posição de especulador para a posição de puro jogador. Alguns jogos valem o risco envolvido, mas é um jogo, nada mais que isso.

As moedas de papel provaram ser muito arriscadas, particularmente porque os bancos centrais as imprimiram de forma tão imprudente nos últimos tempos. E, caso a deflação ocorra (como parece provável), eles comprometem-se a imprimir tanta quanto for preciso para compensar a deflação … desvalorizando a moeda indefinidamente e possivelmente levando à hiperinflação (novamente, como na Alemanha de Weimar em 1923, no Zimbabué em 2008 e na Venezuela nos dias de hoje).

Da mesma forma, o bitcoin, independentemente do facto de que é sempre retratado como uma moeda de ouro, é na verdade um algoritmo, nada mais que isso. Foi prometido ser “finita” – com limite de 21 milhões. No entanto, isso é mais uma vez uma “promessa” – e uma promessa de um criador anónimo.

Garantia Tangível Versus Promissória

Atualmente, estamos no ponto mais profundo da dívida como moeda que o mundo já alguma vez viu. No entanto, é agora evidente que o fim desta era está prestes a começar, e pode começar no campo da energia. A Rússia, um dos principais fornecedores de energia do mundo, concordou em vender energia para a China, uma das maiores compradoras de energia do mundo. No entanto, pelo acordo assinado vai ser paga não em petrodólares dos EUA, mas em yuans, resgatáveis em ouro. Este é o primeiro grande passo para um retorno ao mundo de garantias tangíveis versus promissórias.

A partir desse momento em diante, a tendência expandir-se-á inquestionavelmente para outras formas de comércio e, eu preveria, expandir-se-á para as próprias moedas.

Mas, supondo que isso seja verdade, porque é que isso deveria significar o fim da era da dívida como moeda? Com certeza, a dívida sempre existiu e continuará a existir. Completamente. No entanto, noutras épocas, a dívida era comumente tratada como perigosa e era evitada o máximo possível.

A aceitação de uma moeda como moeda real só existe enquanto a confiança assim o permitir. Uma vez que a confiança falte, é muito difícil vender a alguém a ideia de a aceitar novamente. (Depois de a mania das tulipas ter colapsado, ninguém mais confiou na especulação dos bolbos de tulipa.)

A dívida nacional é fraude. Não cria riqueza. A dívida é o equivalente monetário das novas roupas do imperador. O truque só se mantém enquanto as pessoas tiverem fé nele.

Aqueles que sobreviverem ao próximo colapso serão aqueles que criaram uma apólice de seguro económico para si mesmos, na forma de ativos tangíveis.

Texto em https://internationalman.com/articles/the-end-of-the-debt-as-currency-era/

Republicado por Gonzalo Raffo News THE END OF THE DEBT-AS-CURRENCY ERA / CASEY RESEARCH

O autor: economista e historiador.

 

 

 

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