SINAIS DE FOGO – MORANDI CALA ASSUNÇÃO – por Soares Novais

 

Maria da Luz aproximou-se da mãe e sussurou-lhe:

– Olhe, mãe, caiu uma ponte…

Assunção, que se preparava para dar o primeiro mergulho do dia no mar algarvio, saltou como uma mola.

Tanto que a cueca do biquini azul acinzentado quase a desprotegia dos olhares curiosos dos outros banhistas.

– Caiu uma ponte, Maria da Luz?

– Sim, mãe, caiu.

-Onde?

– Não sei mãe.  Foi o que um senhor disse ao pai.

Assunção voltou a saltar como uma mola e encaminhou-se para o areal. Em passo decidido, mas sempre a dar beijinhos a quem lhe aparecia pela frente. (Como muito bem sabem, ela é o nosso bem amado prof. Marcelo em versão feminina…)

Quando chegou ao pé do marido, que como sempre descansava o seu peludo corpanzil numa cadeira de praia, foi lesta a perguntar:

– Caiu uma ponte?…

Tiago sem levantar os olhos do telemóvel:

– Sim, caiu.

– Onde?

– Não sei.

– Não sabes?!

– Não, não sei.

O marido de Assunção ajeitou o chapéuzinho de palha, e sempre sem tirar os olhos do jogo do telemóvel, atirou para o ar:

– Mas, ao que parece, há mortos e feridos.

– Mortos e feridos?!

– Sim, foi o que me disseram.

Assunção foi ao saco de praia, colocou os óculos escuros, empinou ainda mais o nariz e ordenou:

– Dê-me as chaves do carro se faz favor, Tiago.

O marido de Assunção, endireitou a cadeira e com o ar mais cândido deste mundo, “atirou-lhe”:

– Já não se lembra: emprestamos o carro à Gui e viemos no “mehari”…

– Sim, pois, é verdade. Mas eu tenho de ir já para Lisboa…

Tiago interrompeu o joguinho do telemóvel e anunciou:

– Daqui a 15 minutos, o motorista da UBER vai buscá-la a casa.

Assunção nem respondeu. Caminhou praia acima e apenas teve tempo para acenar à Maria da Luz, à Maria do Mar e ao José Maria, os seus três filhos, que já tinham ficado aos cuidados do pai por via do incêndio na Serra de Monchique e dos problemas com os comboios da CP.

Um duche rápido, um vestido glamoroso, um olhar ao espelho para confirmar se a máscara de sexta-feira santa estava bem colocada, e ala para Lisboa que se faz tarde.

– Vamos pela A22, senhora?

Perguntou o motorista.

– Sim, claro. E o mais rápido possível.

Respondeu Assunção para logo de seguida começar a anotar o que diria aos jornalistas à sua chegada ao “Caldas”.

O caminho foi feito em profundo silêncio. Mas à passagem por Salvaterra de Magos, Assunção pediu ao motorista:

– Por favor sintonize a “Renascença”.

O motorista cumpriu a ordem de imediato e tal bastou para se ouvir o locutor de serviço anunciar, em voz grave:

– A queda da Ponte Morandi provocou dezenas de mortos.

Assunção não escondeu a surpresa:

– Ponte Morandi?!

– Sim, minha senhora. Segundo ouvi, fica em Génova.

– Em Itália?

– Sim, em Itália.

– Volte para trás. Rapidinho, sff.

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