O Ultimato e a queda da Monarquia – por Carlos Loures

 

 

O «Memorando» que, em 11 de Janeiro de 1890, o governo britânico fez chegar ao governo português, constituiu um dos factores preponderantes na queda do regime monárquico, 20 anos depois. Nesse documento, que os portugueses crismaram de «Ultimato», o executivo britânico exigia a imediata retirada das forças militares existentes no território compreendido entre as colónias de Moçambique e Angola, a maior parte nos actuais Zimbabué e Zâmbia), a pretexto de um incidente ocorrido entre portugueses e Macololos. A zona era reclamada por Portugal, que a havia incluído no famoso Mapa Cor-de-Rosa, editado pela Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1881, reivindicando, a partir da Conferência de Berlim de 1884/5, uma faixa de território que ia de Angola a Moçambique.

Lembremos que a Sociedade de Geografia de Lisboa fora criada no ano de 1875 com o objectivo de «promover e auxiliar o estudo e progresso das ciências geográficas e correlativas». Surgira no contexto do movimento europeu de exploração e colonização, focando a sua actividade na exploração do continente africano.

Estas pretensões portuguesas entravam em rota de colisão com o projecto britânico de construir uma linha de caminho-de-ferro ligando o Cairo à Cidade do Cabo, projecto megalómano que nunca se realizaria. Portanto, o governo da rainha Vitória não podia contemporizar com as pretensões de Portugal. Dizia o documento britânico:

«O Governo de Sua Majestade Britânica não pode dar como satisfatórias ou suficientes as garantias dadas pelo Governo Português… O que o Governo de Sua Majestade deseja e no que mais insiste é no seguinte: que se enviem ao Governador de Moçambique instruções telegráficas imediata para que todas e quaisquer forças militares portuguesas no Chire e no País dos Macocolos e Machonas se retirem. O Governo de Sua Majestade entende que, sem isto, são ilusórias todas as garantias dadas pelo Governo Português.

Mr. Petre ver-se-á obrigado, tendo em consideração, as suas instruções, a deixar imediatamente Lisboa com todos os membros da sua legação se uma resposta satisfatória à precedente intimação não for por ele recebida esta tarde; e o navio de Sua Majestade «Encnentress» está em Vigo aguardando as suas ordens. Legação Britânica, 11 de Janeiro de 1890.»

Linguagem clara, sem eufemismos, um ultimato – uma intimação.

Na própria noite de 11 reuniu-se o Conselho de Estado, sob a presidência de D. Carlos. Manifestaram-se diversas posições. Serpa Pimentel opôs-se a uma rendição incondicional. Mas prevaleceu a posição da aceitação das imposições inglesas, talvez a mais sensata, face à reduzida capacidade bélica das nossas forças armadas, mas a menos popular. O comunicado oficial tornado público pelo ministro Barros Gomes, depois de algumas considerações, terminava cedendo e informando que seriam expedidas para o Governo-Geral de Moçambique «as ordens exigidas pela Grã-Bretanha».

O País explodiu em ira. As manifestações de patriotismo e de apelo à guerra sucederam-se e foi neste clima de exaltação popular que Alfredo Keil e Henrique Lopes de Mendonça compuseram o actual hino nacional. O governo caiu e no dia14 foi empossado um novo ministério presidido por António de Serpa Pimentel, o conselheiro que defendera a resistência à imposição britânica. Os republicanos não desperdiçaram a ocasião e aproveitaram o clima quase insurreccional que se estabeleceu. Em 23 de Março, António José de Almeida, estudante em Coimbra e futuro presidente da República, foi preso por ter publicado um artigo com o título «Bragança, o último», ofensivo para com o rei. Em 11 de Abril foi publicado o Finis Patriae de Guerra Junqueiro, ridicularizando também a figura real.

Formalizando a cedência, em 20 de Agosto foi assinado o Tratado de Londres entre os dois «aliados», definindo os limites territoriais de Angola e Moçambique. Publicado no Diário do Governo de 30 de Agosto e apresentado ao parlamento nesse dia, desencadeou nova onda de protestos e, mais uma vez, a queda do governo. Na sequência deste humilhante episódio, foi criada em Lisboa a Liga Liberal, movimento de protesto contra o Tratado de Londres presidido por Augusto Fuschini com a participação de João Crisóstomo, que promoveu uma reunião, no Teatro de São Luiz, em que participaram cerca de 400 oficiais envergando os seus uniformes. Após 28 dias de crise política foi nomeado a 14 de Outubro um governo extra-partidário, presidido por João Crisóstomo, apoiado pela Liga Liberal. A calma foi regressando aos poucos.

Os acontecimentos motivados pelo Ultimato, condicionaram a evolução política nas décadas seguintes, provocando uma cadeia de episódios que culminaram no Regicídio e, depois, no derrube da Monarquia Constitucional. Houve muita demagogia, mas verificou-se também uma reacção transversal  a faixas etárias e a estratos sociais e até a convicções políticas – muitos eram os monárquicos que comungavam com republicanos no sentimento patriótico e no orgulho nacional ferido. 

Os republicanos capitalizaram este descontentamento, iniciando um crescimento e alargamento da sua base social de apoio que levou à implantação da República em 5 de Outubro de 1910. Reconheçamos, porém, que pouco havia a fazer. A Grã-Bretanha era a superpotência da época e entrar em guerra teria sido desastroso para nós. Mas poder-se-ia ter cortado relações diplomáticas, mostrando ao mundo que éramos vencidos, mas não convencidos. Será que um governo republicano teria feito isso? Afinal, para além da sua força militar, a Grã-Bretanha era o nosso principal parceiro comercial, dependendo muito a nossa economia do que exportávamos para o Reino Unido. De uma coisa não há dúvida – o Ultimato de 11 de Janeiro de 1890 constituiu um importante marco na caminhada para a proclamação da República.

1 Comment

  1. Talvez, em 1881, fosse viável a execução do Mapa Cor de Rosa mas, em 1890, depois de firmada a expansão inglesa, só por estupidez ou por provocação. Tenho a convicção de terem sido as potências continentais – incapazes frente à Inglaterra – a terem instigado a acção portuguesa para, assim, avaliarem o poder militar efectivo dos ingleses e ficar a saber como melhor delinear o seu nascente movimento colonialista. Aqui, neste nosso Portugal, havia – como, infelizmente ,há – os idiotas bastantes para esquecer que uma Nação marítima e universalista não deve aliar-se a interesses continentais de quem, de nós, nada mais pretende que não seja assenhorear-se da fachada atlântica.CLV

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