A AMÉRICA VISTA ATRAVÉS DA CRISE EM GERAL E A DO ENSINO EM PARTICULAR – I – COMO É QUE UMA GERAÇÃO PERDEU A SUA CULTURA COMUM, por PATRICK DENEEN

 

How a Generation Lost Its Common Culture, por Patrick J. Deneen

Minding The Campus, Reforming our Universities, 2 de Fefereiro de 2016

Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

 

Os meus alunos não sabem nada. Eles são extremamente educados, agradáveis, dignos de confiança,  honestos, bem-intencionados e totalmente decentes. Mas  os seus cérebros estão em grande parte vazios, desprovidos de qualquer conhecimento substancial que possa ser fruto de uma educação resultante de uma herança e de uma dádiva de uma geração anterior. Eles são o ponto culminante da civilização ocidental, uma civilização que esqueceu quase tudo sobre si mesma e, como resultado, chegou a uma indiferença quase perfeita para com a sua própria cultura.

É difícil ser-se admitido  nas  escolas onde eu ensinei – Princeton, Georgetown, e agora Notre Dame. Os estudantes dessas instituições fizeram o que lhes foi exigido: são excelentes alunos a responder aos testes, sabem exatamente o que é necessário para obter um A em cada disciplina  (o que significa que raramente se deixam apaixonar e investir em qualquer uma delas); eles constroem currículos excelentes. São respeitadores  e cordiais para com os mais velhos, embora de trato fácil mas cruéis com os seus pares. Eles respeitam a diversidade (sem ter a menor ideia do que é diversidade) e são especialistas nas artes do não-julgamento (pelo menos publicamente). Eles são a nata da sua geração, os mestres do universo, uma geração em espera para governar a América e o mundo.

Mas façam-lhes algumas perguntas básicas sobre a civilização que vão herdar, e estejam preparados para os olhos desviados e para os olhares um tanto assustados. Quem combateu  na Guerra do Peloponeso? Quem é que ensinou Platão, e quem é que Platão ensinou? Como é que Sócrates morreu? Levante a sua mão se  leu a Ilíada e a Odisseia?  E Os Contos da Cantuária? O Paraíso Perdido? O Inferno?

Quem era Paulo  de Tarso? Quais foram as 95 teses, quem as escreveu e qual foi o seu efeito? Porque é que a Magna Carta é importante? Como e onde morreu Thomas Becket? Quem era Guy Fawkes, e porque há um dia com o seu nome? O que é que Lincoln disse no seu Segundo Discurso de tomada de posse ? E no seu primeiro discurso de tomada de posse? Como decorreu a sua terceira tomada de posse?  O que são os Federalist Papers??

Alguns estudantes, devido na maioria das vezes a escolhas fortuitas de disciplinas  ou até a um professor peculiar e antiquado, podem saber algumas dessas respostas. Mas a maioria dos estudantes não foi educada para conhecê-las. Na melhor das hipóteses, eles possuem um conhecimento acidental, mas de outra forma são mestres da ignorância sistemática. Não é  “responsabilidade” deles quanto a esta ignorância generalizada   da história ocidental e americana, da civilização, da política, da arte e da literatura. Aprenderam exatamente o que nós lhes pedimos  – ser como insetos voadores, vivos pelo acaso num presente fugaz.

A ignorância de nossos alunos não é uma falha do sistema educacional – é a sua maior conquista, a sua coroa de glória. Os esforços de várias gerações de filósofos, reformadores e especialistas em políticas públicas – sobre os quais os nossos alunos (e a maioria de nós) não sabem nada – decidiram  produzir uma geração de ignorantes de tudo (know-nothings). A ignorância generalizada de nossos alunos não é um mero acidente ou um resultado infeliz, mas corrigível, se apenas contratarmos melhores professores ou ajustarmos as listas de leitura no ensino médio. É sim a consequência de um compromisso civilizacional com o suicídio civilizacional. O fim da história para os nossos estudantes assinala o fim da história para o Ocidente.

Ao longo da  minha vida, as queixas  sobre a ignorância dos alunos tem sido expressa  por pessoas como E.D. Hirsch, Allan Bloom, Mark Bauerlein e Jay Leno, entre muitos outros. Mas essas queixas  foram fermentadas com a esperança de que com o apelo aos nossos e aos seus melhores anjos  se possa reverter a tendência (essa é uma alusão ao primeiro discurso de tomada de posse de Lincoln, por sinal). E.D. Hirsch chegou mesmo a elaborar um currículo de auto-ajuda, um guia tipo faça  você  mesmo,  sobre como tornar-se culturalmente alfabetizado, imbuído do posso fazer que é uma característica do espírito  americano, de modo a que a defenestração cultural pudesse ser revertida através de  uma boa lista de leitura em  apêndice. Amplamente falta-lhes  aqui uma apreciação suficiente de que esta ignorância é a consequência pretendida de nosso sistema educacional, um sinal de sua saúde robusta e sucesso.

Caímos no mau e inquestionável hábito de pensar que  o nosso sistema educacional está falido, rebentado,  mas está  a funcionar  com todos os seus motores,  com todos os seus  cilindros. O que o nosso sistema educacional pretende produzir é amnésia cultural, uma falta de curiosidade generalizada, agentes livres sem história e metas educacionais compostas de processos  sem conteúdo e palavras-chave que não fazem parte  do glossário do “pensamento crítico”, “diversidade”, “formas de saber”, “justiça social” e “competência cultural”.

Os nossos alunos são a realização de um empenhamento  sistémico em produzir indivíduos sem um passado para quem o futuro é um país estrangeiro, em  criar pessoas  despidas de qualquer  cultura que podem viver em qualquer lugar e realizar qualquer tipo de trabalho sem se questionar sobre os seus objetivos, as suas finalidades, em produzir pessoas  que sejam  ferramentas aperfeiçoadas para um sistema económico que defende a “flexibilidade” (geográfica, interpessoal, ética).

Num  tal mundo, possuir uma cultura, uma história, uma herança, um compromisso  para com um lugar e um povo particular, praticar formas específicas de gratidão e de endividamento (em vez de um compromisso generalizado e desregrado com a “justiça social”), um forte conjunto de normas éticas e morais que afirmam limites definidos ao que se deve e não deve fazer (além de ser “julgador”) são obstáculos e deficiências.

Independentemente do domínio e da extensão dos estudos , o principal objetivo da educação moderna é eliminar  os restos de qualquer especificidade e identidade cultural ou histórica que pode ainda marcar os nossos alunos, para torná-los homens e mulheres perfeitas para uma política e economia moderna que penaliza compromissos profundos. Esforços primeiro para promover a apreciação de “multi-culturalismo” sinaliza  um empenho em  eviscerar qualquer herança cultural particular, enquanto a moda atual de “diversidade” sinaliza um compromisso profundo com a implacável desculturalização e homogeneização. .

Precisamos de saber … O quê?

Acima de tudo, a única lição abrangente que os estudantes recebem é o verdadeiro objetivo da educação: o único conhecimento essencial é que sabemos que somos radicalmente autónomos dentro de um sistema global abrangente com um compromisso comum com a indiferença mútua. O nosso compromisso com a indiferença mútua é o que nos une como um povo global. Qualquer vestígio de uma cultura comum interferiria com esta primeira diretiva: uma cultura comum implicaria que partilhássemos algo mais espesso, uma herança que não criámos e um conjunto de compromissos que implicam limites e empenhamentos próprios.

A filosofia e a prática antigas eram elogiadas como uma excelente forma de governo, uma res publica – uma devoção às coisas públicas, coisas que partilhamos em conjunto. Em vez disso, criámos a primeira Res Idiotica do mundo – a partir da palavra grega idiotes, que significa “particular, privado”. O nosso sistema educacional produz  solipsistas, autocontidos, cujo único compromisso público é uma ausência de compromisso para com o que é  público, para com uma cultura comum, para com uma história partilhada. São vasos perfeitamente ocos, recetivos e obedientes, sem quaisquer obrigações ou devoções reais.

Eles não vão lutar contra ninguém, porque isso não é conveniente, mas eles também não vão lutar por ninguém nem por nada. Eles estão a viver num  perpétuo Truman Show, um mundo construído ontem que nada mais é do que um puro cenário, a base para o seu solipsismo, sem qualquer história ou trajetória.

Eu gosto dos meus alunos – como qualquer ser humano, cada um tem um enorme potencial e grandes dons para dar ao mundo. Mas  choro por eles, pelo que é seu por direito  mas que  não lhes foi  dado. Nos nossos melhores dias, percebo o seu anseio e angústia e sei que o seu desejo humano inato de saber quem são, de onde vêm, para onde devem ir e como devem viver sempre se reafirmará. Mas mesmo naqueles dias melhores, não posso deixar de ter a esperança de que o mundo que eles herdaram – um mundo sem herança, sem passado, futuro ou preocupações mais profundas – está prestes a desabar, e que este colapso seja o verdadeiro começo de uma verdadeira educação.

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Patrick Deneen is David A. Potenziani Memorial Associate Professor of Constitutional Studies at Notre Dame.

Para ler este artigo no original clique em:

https://www.patrickjdeneen.com/articles

How a Generation Lost Its Common Culture

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