CAUSAS DA DECADÊNCIA DOS POVOS PENINSULARES, DE ANTERO DE QUENTAL – POR MANUEL SIMÕES

(1842 – 1891)

A recente publicação, em edição fac-similada, do celebrado texto de Antero de Quental que reproduz o discurso pronunciado na noite de 27 de Maio de 1871 no Casino Lisbonense, por ocasião das “Conferências democráticas”, veio proporcionar a sua releitura, à distância de anos, com a curiosidade de se avaliar até que ponto as causas apontadas tiveram continuidade na sociedade contemporânea.

Como se sabe, a ideia das conferências saiu do “Cenáculo” (projecção do grupo de Coimbra, constituído essencialmente por Antero, Teófilo Braga e Eça de Queiroz) e foram proibidas precisamente quando Salomão Sáragga devia pronunciar a sua sobre Os Historiadores Críticos de Jesus. Mas, entretanto, já Eça de Queiroz tinha feito a sua conferência (O Realismo como nova expressão de arte) e Antero tinha podido desenvolver o tema das Causas da decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos, discurso depois publicado em volume no mesmo ano de 1871.

Antero parte do princípio que nos séculos XVII, XVIII e XIX se produziu um quadro de abatimento e insignificância que contrastava com a originalidade dos povos ibéricos já na época romana; e que, com a dinastia estrangeira (a monarquia anómala), se afunda, segundo ele, a influência ibérica no contexto das nações; e ainda que, nesse espaço de tempo, a Europa cresceu sobretudo pela ciência, enquanto nós descemos pela falta de ciência.

O Autor resume a decadência em três causas principais. A primeira, e a mais importante, porque dela derivam as outras, reside fundamentalmente nos dogmas religiosos saídos do Concílio de Trento, evento que analisa exaustivamente, como «máquina temerosa de compressão» da mentalidade pouco esclarecida, evento que anulou a cultura renascentista do século XVI. Pergunta Antero: «Quem pode hoje negar que é em grande parte à Reforma que os povos reformados devem os progressos morais que os colocaram naturalmente à frente da civilização?» (p.24).

As normas conciliares são, segundo Antero, os fundamentos da Inquisição, «terror invisível» de consequências profundas porque determina: a hipocrisia e a delação; a expulsão dos judeus, paralisando o comércio e a indústria; a perseguição aos “cristãos-novos”; o fanatismo religioso; e a influência nefasta nos métodos de ensino, privilegiando a memória repetitiva, métodos de tal modo enraizados que chegaram até ao fim do século XX (e que ainda continuam em muitos docentes conservadores).

A segunda causa reside no Absolutismo, actuando na vida política e social, com a ruína das instituições locais (os foros populares). E a estas duas causas principais de decadência, uma moral e outra política, junta-se uma terceira, de carácter sobretudo económico: a época das Conquistas, genericamente designadas por Descobertas. Antero não nega o “relâmpago brilhante” das epopeias celebradas, embora o relativize à luz da Economia Política, porque considera que o espírito da idade moderna reside no trabalho e na indústria (actividade produtora). Curiosamente já Gil Vicente (Auto da Índia ou Triunfo do Inverno, por exemplo), Camões e Fernão Mendes Pinto (Peregrinação), no próprio século XVI, tinham criticado a aventura que haveria de produzir o “mal da escravidão” e a exportação do fanatismo religioso. Antero conclui o seu discurso com esta matéria de reflexão: as causas apontadas cessaram em grande parte, embora tenham persistido os efeitos morais, o mal-estar da sociedade contemporânea.

Leave a Reply