Fraude fiscal na Alemanha – “Os ficheiros Cumex” (2/3). Por CORRECTIV

Espuma dos dias Fraude financeira

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

Embora tenha sido publicado em 2018, este artigo sobre o escândalo fiscal das operações Cumex mantém a sua atualidade tendo em conta que a Alemanha continua a ser um ponto de surgimento de fraudes financeiras, com ramificações políticas, como é o caso da fraude contabilística na empresa de tecnologia e serviços financeiros Wirecard e de que demos notícia aqui na Viagem dos Argonautas em junho passado (aqui).

Dada e extensão do presente texto, optámos por dividi-lo em três partes.

 

FT

________________________

Os ficheiros Cumex (2/3)

Uma investigação transfronteiriça: Como os contribuintes europeus foram ludibriados em 55 mil milhões de euros

 

Autoria e publicação por , outubro de 2018 (ver aqui)

 

 

Frankfurt, março de 2018: Uma oferta imoral

Há algo escondido no bolso interior do casaco de um intermediário. É uma oferta por escrito para um negócio sobre ações com a finalidade de fuga aos impostos. Schröm foi avisado por uma fonte situada no Dubai. A fonte está mergulhada em transações cum-ex e não queria falar pessoalmente com os jornalistas. Era demasiado perigoso. Mas enviou um intermediário ao aeroporto de Frankfurt.

As transações de ações com finalidades fiscais continuam a fazer-se, com novas variantes de transações cum-ex e cum-cum e outras similares, diz-nos o nosso intermediário. Agora mesmo, neste momento.

“Não acredita em mim?” pergunta o intermediário e mete a mão ao bolso. E tira um papel. “Esta oferta é da semana passada. O fornecedor está à procura de investidores. Eles devem investir entre 150 a 200 milhões. “

Ele não faz nenhum movimento para mostrar a oferta de mercado a Schröm e Salewski. Em vez disso, deita cá para fora mais alguns detalhes.

É um investimento de baixo risco para um prazo entre 100 a 150 dias. E altamente rentável. “Se entrar com 200 milhões pode ganhar um retorno de 12 por cento, tanto quanto com as transações cum-ex quando ainda era possível na Alemanha.”

“Parece que estes negócios são ainda mais rentáveis do que antes”, diz Salewski.

O corretor ri. ” Isso é a ironia da coisa. Os retornos são bons precisamente porque a procura diminuiu. Nenhuma surpresa aqui, os procuradores estão a tentar secar este mercado. Os preços estão a melhorar para aqueles que ainda estão ativos. “

“Podemos ver essa oferta?” pergunta Salewski.

O nosso intermediário abana a cabeça e mete o documento ao bolso. “Pode-se facilmente chegar à sua fonte. Um documento como este só é enviado para um círculo de potenciais compradores. “

“Você conhece o operador de mercado?” pergunta Schröm .

“Não pessoalmente.”

“Mas sabe o seu nome?”

“Sim.” Diz o seu nome. É Amal Ram’.

Chegados a este ponto, os dois jornalistas nunca tinham ouvido falar de ‘Amal Ram’, o homem com quem mais tarde se reunirão no Shangri-La Hotel de Londres.

 

Colónia, 24 de abril de 2018: O informante mascarado

“Eu acabei com a festa para um grande número de pessoas com muito poder, muita influência e muito dinheiro. É por isso que estou a utilizar esta máscara. E é por isso que tenho medo. “

 

Uma esteticista trabalhou durante todo o dia a fazer a maquilhagem do novo rosto de ‘Benjamin Frey’. Fixou tubos ao seu nariz para lhe permitir respirar, enquanto ela acrescentou camada após camada de silício líquido ao seu rosto. Ela pega numa máscara a que acrescenta um novo rosto. Um novo nariz, um novo queixo, um novo par de lábios e bochechas novas. Agora uma segunda pele feita de silício é pegada à pele real de Frey. Ele pestaneja, tira uma selfie com o telefone e manda-a para a esposa. ” Já alguma vez viste rosto?” Ela diz que não. A máscara passou no teste.

Frey decidiu antecipadamente o que vai dizer aos jornalistas durante as duas sessões de 4 horas frente às câmaras. “Eu acabei com a festa para um grande número de pessoas com muito poder, muita influência e muito dinheiro. É por isso que estou a utilizar esta máscara. E é por isso que tenho medo.”

Então ele leva os jornalistas ao seu mundo. Desde baixo até ao topo, do topo até “dentro da nave espacial”, ´que é como ele lhe chama.

Frey creceu em condições modestas nas províncias onde qualquer um se pode tornar “um trabalhador, um agricultor ou um desempregado”. Mas ele era ambicioso, queria deixar tudo isso para trás e em 2001 licenciou-se com um diploma em direito. As suas classificações foram tão boas que ele não precisou candidatar-se a um emprego. As empresas vieram-lhe bater à porta. Tal como no filme de Tom Cruise.

Um gabinete internacional de advogados tinha transportado por avião mais de 2.000 advogados para a sua reunião anual em Londres. Frey era um deles. Ele mal podia pagar o seu primeiro fato.

A firma alugou o Museu Victoria e Albert de Londres. Frey contemplava a cúpula do salão principal; por baixo, foram colocadas mesas redondas entre armaduras e quadros na parede cujos temas foram retirados da história e da literatura.

Numa das mesas, havia um cartão com o nome dele. Dois dos sócios da firma estavam sentados à esquerda e à direita. Durante o jantar, eles perguntaram-lhe sobre a sua vida, os seus objetivos, as suas atitudes e dinheiro. Ele não tinha nenhum, mas queria vir a ter muito. “Nenhuma porta foi aberta e nenhuma escada foi baixada a partir desta nave espacial. Eles simplesmente me arrastaram para dentro dela. E então este navio foi lançado à água.

 

O convertido

“Para essas pessoas, os impostos são custos. E os custos estão lá para serem reduzidos, idealmente a zero.”

Há regras diferentes neste novo universo em que Frey entrou, diferentes do mundo em que ele cresceu. Os jogadores sobre operações Cum-ex tais como Hanno Berger, sempre alegaram que simplesmente exploraram todas as possibilidades da lei. “Se isso é moralmente repreensível ou não, não é um critério de avaliação”, disse Berger uma vez. Mais tarde, vai- se tornar o chefe de Frey, o seu padrinho e mentor.

Numa declaração à CORRECTIV, Berger manteve o seu ponto de vista de que as transações cum-ex são legais. Ele negou ter sido envolvido em transações fora da Alemanha.

O mercado financeiro substitui um código moral pelo seu próprio sistema de crenças alternativas. Neste sistema, o Estado não representa a vontade do povo. O Estado é o inimigo porque procura “roubar” o povo. Ou melhor, os “clientes”. Não importa se esses clientes já têm mais do que o suficiente. “Para essas pessoas, os impostos são custos. E os custos estão lá para serem reduzidos, idealmente a zero. “

O único guia cuja autoridade é aceite, paradoxalmente, é a lei escrita pelo inimigo. Mas Berger e os seus colegas estão a contribuir para a criação da lei. Eles encomendam pareceres jurídicos a professores de renome para interpretarem a lei em seu favor. Os operadores financeiros e os bancos de investimento, por sua vez, dependem destes como se fossem textos sagrados.

Frey ouviu uma vez dizer que na sala dos mercados de um grande banco de investimento americano em Londres estava um espesso volume encadernado que era uma coleção de opiniões fiscais cobrindo todos os países europeus detalhando as transações que podem ser feitas. Os operadores da sala de mercados chamavam-lhe, o que era claramente previsível, “a Bíblia”.

O primeiro mandamento dos banqueiros de investimento, poderia ser dito, é: “Tu aumentarás o teu dinheiro.” O primeiro mandamento dos conselheiros fiscais diz: “Tu explorarás todas as possibilidades legais”. Em nenhum lugar diz: Não roubarás.

Berger, filho de um sacerdote, defendeu as transações cum-ex com uma paixão que faz fronteira com o fanatismo, de um tipo que talvez apenas os convertidos são capazes de assumir. Antes de se tornar o senhor Cum-ex, Berger foi diretor do departamento de impostos de Frankfurt. Frankfurt era considerada uma agência tributária de elite e Berger era “o auditor bancário mais temido da Alemanha”, diz Frey.

Berger fez o seu trabalho tão diligentemente que os bancos, de acordo com a forma como a história é contada no setor, em algum momento desistiram de o tentarem manobrar e, em vez disso, decidiram contratá-lo para trabalhar no privado. Se não os podes vencer, compra-os.

Berger resistiu às ofertas que lhe eram feitas durante bastante tempo. Mas quando um gabinete de advogados lhe ofereceu um salário de milhões, Berger cedeu. Ele saiu da Autoridade Tributária em 1996 – e reinventou-se como o vilão mais famoso da Alemanha em impostos.

A família Quandt, os donos da marca BMW, empresas como a Adidas e o retalhista Karstadt foram todos clientes de Berger. Frey diz que Berger também trabalhou para futebolistas da seleção alemã e para um chefe de estado alemão.

Fazer desaparecer os problemas fiscais dos ricos é um negócio normal para uma empresa de impostos como a de Berger. Mas com as transações cum-ex e cum-cum, o imposto foi enfeitiçado passando de ser um custo a ser uma enorme fonte de lucros.

Pode haver histórias diferentes de como exatamente as transações Cum-ex foram inventadas. Há consenso, porém, que tudo começou com uma falha técnica.

 

A máquina do dinheiro

Crime organizado em fatos de banqueiro.

De acordo com Frey, um negociante em ações de um banco de investimento dos EUA caiu por acaso neste mercado. Ele tinha comprado ações que foram entregues quatro dias depois. Este intervalo cobriu o dia de pagamento de dividendos da empresa cujas ações ele tinha comprado. Este lucro é tributado no domicílio da empresa (digamos, Alemanha). Os acionistas alemães podem pedir que este imposto seja reembolsado porque já pagaram o imposto sobre as sociedades.

O negociante de repente percebeu que tinha esse imposto a receber no seu livro sem realmente possuir as ações. O montante era de $50 milhões. Tratava-se de uma transação muito volumosa.

O negociante queria livrar-se desses fundos que não eram seus. Ele dirigiu-se ao vendedor das ações que também tinha sido reembolsado dos seus impostos. O departamento jurídico do Banco procurou aconselhamento fiscal profissional para descobrir como devolver o dinheiro à Autoridade Tributária. A resposta chegou: “pode guardá-lo.”

Não há nenhuma lei que proíba o reembolso múltiplo de impostos, disseram-lhe. E se algo não está explicitamente proibido, é legal, argumentam os conselheiros fiscais. O operador financeiro guardou o dinheiro. E porque o reembolso do imposto aconteceu automaticamente, o esquema poderia ser repetido vezes sem conta.

Tudo o que é preciso é ter fundos suficientes para negociar as ações por alguns dias apenas em torno da data de pagamento de dividendos. Ou você poderia mesmo contrair um empréstimo não em dinheiro mas em títulos, em ações.

“Isto é como se Fort Knox tivesse sido saqueado, mas melhor. Porquê? Porque o Estado era a fonte destes fundos, e esta fonte não poderia secar. Se há um crime perfeito, é este “, diz Frey.

O esquema rendeu retornos anuais de 60 por cento com risco financeiro zero. Frey insiste que não foi obra de um punhado de vigaristas brilhantes. Ele diz que todo o setor da alta finança estava nisso envolvido, consistindo em centenas de banqueiros, investidores, assessores fiscais e advogados espalhados por diversos continentes.

Os bancos de investimento e os fundos de cobertura estruturariam os veículos da finalidade especial (SPVs), e os os operadores de mercado vendê-los-iam então aos acionistas que colocariam $100 milhões em média. Os bancos forneceram empréstimos, multiplicando o volume das transações até cerca de 20 vezes. Emitiriam também a documentação para o crédito de imposto que os acionistas poderiam utilizar para terem o reembolso dos impostos pagos sobre os dividendos. Os advogados fiscais emitiriam pareceres jurídicos confirmando que tudo está legal. Todos eles fazem dinheiro com a transação.

Frey chama a isto “crime organizado em fato de banqueiro”. É transfronteiriço e só acontece no papel. Não há malas cheias de dinheiro a serem utilizadas para serem fisicamente contrabandeadas através das fronteiras, ou reuniões de estilo mafioso em salas nas traseiras de hotel. Cada elemento da engrenagem da máquina sabe o que tem a fazer. O telefone pré-pago é usado para se acordarem transações. Não há testemunhas e muito pouco papel que poderia servir como prova.

E o Estado alemão? Ele não só estava a observá-lo desde há anos, parece que tinha aprovado o seu próprio empobrecimento.

Em 2002, um total de dez anos depois de um funcionário no Ministério da Economia no estado de Hesse, o estado a que pertence o distrito financeiro de Frankfurt, ter dado o primeiro sinal de alerta sobre estas transações, a associação dos bancos alemães alertou o Ministério das Finanças alemão para o risco de duplo reembolso de impostos e propôs uma solução.

Em 2007, um ano antes da crise financeira global, o governo alemão implementou a proposta escrita pelo lobby bancário alemão sem quaisquer alterações. As comportas foram abertas. As transações cum-ex alcançaram o seu ponto mais alto por volta de 2010, de acordo com Frey.

Frey diz que a lei tributária alemã se tornou tão complexa que aqueles que escreveram as leis são já eles próprios que não as compreendem. Se são necessárias mudanças, os legisladores dependem da indústria da consultoria fiscal.

Frey oferece uma outra imagem como comparação: o Estado pergunta à raposa como deve fortificar o galinheiro para impedir que a raposa entre.

 

Ganância

“Nós somos os mais espertos! nós somos geniais! E todos vocês dão estúpidos!”

A ideia básica da ganância é: nunca é suficiente. “Durante um voo de longa distância compra-se um bilhete de primeira classe e pensamos: Consegui! Depois, chegados ao destino, deixamos o avião e descobrimos que o negociante de títulos com quem nos vamos encontrar chegou num avião privado”.

Mas a ganância foi apenas o começo, diz Frey, porque em algum momento o dinheiro transforma-se numa figura abstrata. A partir de então, já não se trata mais sobre o próximo milhão. É sobre desafios, sobre a emoção. Também se poderia dizer: arrogância e sonhos de um poder omnipresente vivem ao lado da ganância.

Imagine-se que estamos num arranha-céus em Frankfurt. Quando olhamos para baixo, vemos apenas pequenos seres humanos como formigas. Estávamos olhando lá de cima e pensamos: “Nós somos os mais espertos! Somos geniais! E todos vocês são estúpidos!”

Frey recorda reuniões durante as quais terá sido dito: “qualquer um dos presentes que ache que há menos jardins de infância na Alemanha por causa das práticas dos mercados financeiros, por causa do que nós fazemos, está no lugar errado.” Ninguém saiu da sala.

Frey diz que os investidores raramente tinham quaisquer escrúpulos. “Dificilmente sou capaz de me lembrar de alguém que tenha recusado a nossa oferta.” As poucas exceções foram aqueles que temiam danos à reputação se o seu envolvimento nas transações saísse mal. E Frey diz que os investidores sabiam de onde vinha o dinheiro. “Os retornos vêm do Estado. E o Estado não pode ir à falência”, é o que os banqueiros diziam aos investidores.

E se você tivesse a sensação, por vezes, de que as transações cum-ex eram moralmente censuráveis? “Bom, se alguém for apanhado por este pensamento, tem de sair da equipa,” diz Frey. “Neste caso é-se expulso da nave espacial.”

 

A deserção

“Sabe, já ouvimos tudo isso. Mas faremos tudo de modo diferente. “

Quando Frey não só permitiu que este pensamento ganhasse raízes mas foi tão longe que o expressou na Primavera de 2016, os seus colegas da época organizaram uma reunião no aeroporto de Zurique. Ou melhor, um tribunal.

Com o seu advogado ao lado, todos tentaram convencer Frey a não saltar do navio. Tentaram convencê-lo de que tudo era legal. Que o estado é um inimigo que precisa ser combatido. Nesse ponto, Hanno Berger, mentor de Frey, já tinha apresentado uma queixa crime contra os procuradores que estavam a investigar as transações cum-ex..

Em seguida, o advogado de Frey disse na reunião: “Sabem, nós já ouvimos tudo isso. Mas faremos tudo de modo diferente. “

Com isso, o advogado quis dizer que Frey cooperaria com os procuradores. A sala ficou em silêncio. Frey deu sinais de se levantar da cadeira – mas o mundo não ficou de pernas para o ar. Primeiro, havia gotas de suor nas faces das pessoas ao redor da mesa. Em seguida, o pânico espalhou-se pela sala, pelo menos de acordo com o que Frey diz.

Ao longo dos meses seguintes, vários operadores de mercado em transações cum-ex seguiram o seu exemplo e passaram-se para o inimigo.

Mas não Hanno Berger, o mentor cum-ex, que continua a travar a sua batalha legal desde a sua casa nos Alpes suíços. Ele também já apresentou queixa crime contra o jornalista Schröm e os seus colegas. Ele insulta juízes e o Estado em telefonemas escutados pelos procuradores.

Um de seus advogados é Wolfgang Kubicki, um homem muito influente. É vice-presidente do FDP, partido dos liberais livres alemães, e vice-presidente do Parlamento alemão. Ele teria sido o ministro alemão das Finanças se as conversações do seu partido com a CDU de Angela Merkel e o Partido alemão dos Verdes não tivessem sido interrompidas inesperadamente após a última eleição geral no outono 2017.

Os jornalistas puseram uma última pergunta a Frey: “agora que as transações cum-ex e cum-cum deixaram definitivamente de ser possíveis na Alemanha, há algum mercado na Europa onde ainda seja possível fazê-las?”

A resposta: “como é que sabem que deixou de ser possível fazê-las na Alemanha?”

The masterminds are currently out of reach, he says, but their knowledge has survived in the minds of their disciples. “It will happen again. I’m certain that the new generation is already preparing the next assault.”

Os grandes cérebros estão atualmente fora de alcance, diz ele, mas o conhecimento deles sobreviveu nas mentes dos seus discípulos. “Vai acontecer de novo. Estou certo de que a nova geração já está a preparar o próximo assalto

 

Hamburgo e Berlim, maio de 2018: O Shah do Dubai

Poderia ‘Amal RAM’, o homem com a oferta de mercado, fazer parte desta nova geração?

Basta apenas alguns cliques para o encontrar: ‘Amal RAM’, estudou em Londres. Depois entrou numa carreira de operador em transações cum-ex em bancos e fundos de cobertura que nos deixam perante uma só conclusão: ‘Ram’ é um seguidor de Sanjay Shah, o homem que é procurado pela Dinamarca por ter embolsado 1,3 milhares de milhões de euros.

Shah é certamente a figura mais colorida do mundo cum-ex, que é geralmente vestido de bons fatos. Até mesmo Berger o considera uma personagem desonesta e, de acordo com Frey, não fez nenhum negócio com ele. Frey considera Shah “um cowboy” e entoações em torno da palavra “louco”. Um advogado de Shah recusou-se a responder a perguntas enviadas antes da publicação deste texto.

Frey reconhece que Shah se tornou bilionário cum-ex num período muito curto de tempo, possivelmente até um multimilionário. E gostava de gastar. Durante a Fórmula 1 de Abu Dhabi, ele luxuosamente entreteve os seus convidados no seu iate de luxo atracado fora da costa dos Emiratos. O iate é chamado, talvez já tenham adivinhado: ‘ Cum-ex ‘. As festas são tão lendárias quanto os concertos do falecido Príncipe e Lenny Kravitz entre outros que Shah organizou em Londres e no deserto de Dubai através da sua obra caritativa, Autism Rocks.

O seu escritório, tão grande como um ginásio de uma escola, está situado numa das torres da zona financeira de Dubai. Quando Frey o visitou uma vez, já estava vazio. Shah estava a ser investigado e os empregados já tinham saído. Mas alguém se tinha esquecido de levar com eles as espécies raras de peixes tropicais, a nadarem num aquário gigante no centro do átrio. Frey acha que este mede pelo menos dez metros por cinco.

 

Porquê a Dinamarca?

Nesta investigação é um mero cálculo de risco se devemos ou não ir atrás da Dinamarca. O país possui poucas grandes empresas cotadas em bolsa, o que significa que os pedidos de reembolso de impostos elevados se destacam. É também um desafio direto para o Estado, em particular quando as investigações sobre os reembolsos já estão em curso no país ao lado, na Alemanha.

Frey lembra-se de um operador deste mercado lhe dizer: “Shah vai levar-nos, a todos nós, para a sepultura. Ele está a exagerar.” Todos os operadores financeiros sabiam que havia limites, diz Frey. Mas não o Shah.

Shah também era mais engenhoso do que muitos outros. Ele não só trabalhou bem como meter as suas mãos nas receitas fiscais dos Estados-nação, mas também soube como contornar os bancos de investimento no processo. Os bancos financiam as operações cum-ex, fornecendo empréstimos, às vezes aos milhares de milhões . Sobretudo, eles emitem os documentos de crédito fiscal que são usados para ‘ recuperar ‘ o imposto sobre as sociedades. Por tudo isso, eles têm uma parte dos despojos. Shah simplesmente comprou um pequeno banco em Hamburgo.

Neste ramo das operações cum-ex Shah fez o seguinte: comprou a sua própria impressora. Porque isto era tudo o que foi preciso para imprimir os créditos fiscais. Shah transformou as transações cum-ex complexas num círculo fechado. Ele poderia faturar as mesmas ações 20 vezes. Esta variante cum-ex altamente refinado é chamado de “looping”.

 

(continua)

___________________________

Gestão do projeto:  Anne-Lise Bouyer (tecnologia),  Frederik Richter,  Christian Salewski,  Oliver Schröm

Investigação:  Manuel Daubenberger,  Karsten Polke-Majewski,  Felix Rohrbeck, Christian Salewski, Oliver Schröm

Texto: Frederik Richter,  Ruth Fend

Desenho:  Benjamin Schubert

Videos: Benjamin Schubert,  Marta Orosz

Fotografia:  Ivo Mayr,  Willem Konrad,  Greg Tockner

Desenvolvimento:  Simon Wörpel,  Steffen Kühne,  Lisa Quatmann (contribuição)

Editor: Frederik Richter

 

 

 

 

 

 

 

 

Leave a Reply