Assim vai o Covid – “Vacinas ARN: inovação viral”. Por Lise Barnéoud

Seleção e tradução de Francisco Tavares

Vacinas ARN: inovação viral

 Por Lise Barnéoud

Publicado por  em 21/12/2020 (original aqui)

 

Depois do Reino Unido, Canadá e Estados Unidos, a Comissão Europeia acaba de autorizar, na segunda-feira 21 de Dezembro, a distribuição de uma primeira vacina contra a Covid-19, a da BioNTech/Pfizer. Trata-se de um novo tipo de vacina cuja tecnologia, inspirada em vírus, consiste em fazer com que as nossas células trabalhem de graça. Faça uma visita guiada sobre o seu funcionamento. Sem fugir às incógnitas que subsistem.

Conhecer o seu inimigo, mesmo que isso signifique pedir emprestado os seus truques para melhor o derrotar: este poderia ser o lema das novas vacinas conhecidas como vacinas de mensageiro ARN (ácido ribonucleico), as primeiras a obter autorização para utilização no contexto da pandemia do Covid-19. Nos Estados Unidos, duas delas já estão licenciadas: a vacina da BioNTech/Pfizer e a vacina da Moderna. Na Europa, a vacina da BioNTech/Pfizer acaba de receber a aprovação da Agência Europeia de Medicamentos na segunda-feira, 21 de Dezembro, seguida da aprovação da Comissão Europeia. A vacina da Moderna deverá ser aprovada até ao início de Janeiro. As campanhas de vacinação começarão, portanto, com estas novas vacinas. E as probabilidades são de que o seu modo de ação se torne a nova coqueluche da medicina. Mais uma razão para que dê uma vista de olhos aos bastidores destas injeções únicas.

Vamos colocar-nos na pele de um vírus como o vírus SARS-CoV-2 por um momento. Para ele, o que o mundo hoje celebra como um feito tecnológico é realmente apenas uma… rotina primitiva, uma malvada mania que existe desde o início da vida, e que consiste em entrar incógnito no interior de uma célula para se apropriar das suas preciosas fábricas de proteínas, os ribossomas. Para os vírus, é uma questão de vida ou morte, porque sem esta “pirataria celular”, eles são incapazes de fabricar as suas próprias proteínas, que são absolutamente essenciais para sobreviverem.

Como funciona o vírus nas nossas células. Computação gráfica: Julien Tredan-Turini

 

Numa inspecção mais atenta, os paralelos entre este novo vírus e estas primeiras vacinas são espantosos. Ambas as vacinas são feitas de ARN, o ácido ribonucleico. Esta molécula, que também se encontra nas nossas células, foi durante muito tempo eclipsada pelo seu irmão, o ADN, ácido desoxirribonucleico. E com boas razões: a famosa “divisão dos vivos”, ultra-protegida no núcleo das células, é o ADN. A par disto, o ARN foi imaginado como um pequeno copista vulgar e efémero que tornava possível atuar como intermediário entre o ADN e as proteínas que compõem o nosso corpo. O seu trabalho foi reduzido à tradução do ADN para uma linguagem acessível às fábricas de proteínas, para que estas pudessem fabricar os vários componentes que as nossas células necessitam.

O ARN foi durante muito tempo o parente pobre da biologia“, confirma Franck Martin, investigador da Unidade de Arquitectura e Reactividade do ARN no Instituto de Biologia Molecular e Celular em Estrasburgo. Na verdade, não só porque o ADN lhe fazia sombra. Também porque o ARN é particularmente delicado de manusear. “Se fizer mal o trabalho, em dois dias não restará ARN nos nossos tubos de ensaio“, diz este especialista em ARN dos vírus.

Os vírus também tiveram a amarga experiência deste desinteresse, tendo vivido à sombra dos seus primos, as bactérias, que são muito mais fáceis de desmascarar graças ao seu maior tamanho. Ainda hoje, muitos cientistas ainda consideram os vírus não como organismos vivos mas como “entidades biológicas” do mundo inerte. Uma visão que começa, no entanto, a ser contestada por alguns investigadores.

Em suma, desprezámos os vírus tal como desprezámos o ARN. E agora o mundo parou por causa de um vírus ARN! Ainda mais irónico é que agora os adversários mais sérios do SRA-CoV-2, as vacinas da BioNTech/Pfizer e da Moderna, consistem numa cópia de um pedaço de ARN do vírus aprisionado num envelope. Como uma espécie de cópia pálida do próprio vírus.

É uma vitória e tanto para o ARN. De facto, para os biólogos interessados nesta molécula, “há mais de 20 anos que compreendemos que o ARN desempenha um papel central“, diz Franck Martin. Um papel de tal forma central que o ARN poderia mesmo estar na origem da vida: “Pensa-se que o ARN desempenhava um papel muito mais importante nas fases iniciais da vida na Terra, antes do aparecimento do ADN“, diz Patrick Forterre, um microbiologista conhecido pelo seu trabalho sobre os vírus e a sua evolução. Forterre acredita que o ADN seria uma “invenção” dos primeiros vírus do ARN, que teriam modificado aleatoriamente alguns elementos desta molécula, removendo um átomo de oxigénio aqui e ali e trocando uma das suas quatro bases (uracil) por outra (timina). Duas pequenas modificações que tornam o ADN muito mais estável. É precisamente por esta razão que a evolução a seleccionou como portadora de informação genética.

Para se ter uma ideia das incríveis proezas do ARN, vejamos o SARS-CoV-2. O seu destino começa quando o vírus consegue fixar-se, graças aos seus ganchos chamados Spike, à superfície das nossas células (ver também Covid-19: e se o alvo do vírus não fossem os pulmões?). O vírus pode finalmente esvaziar a sua bolsa, libertando ARN no interior da célula. A sua intrusão não passa despercebida: as células aprenderam a desconfiar do ARN proveniente do exterior, que é sinónimo de vírus. Um exército de enzimas especializou-se em cortá-los pedaços. Mas os vírus encontraram todos os tipos de formas de proteger o seu ARN dentro de uma bainha proteica, chamada nucleocapsídeo.

Não, não é uma cobra bebé no seu ovo. É uma chávena do vírus sarscoV-2. O seu ARN (filamento vermelho) é protegido dentro de uma bainha proteica chamada nucleocapsídeo. DR

 

É aí, no interior das células, que o génio do ARN se vai exprimir. “Estas moléculas inventaram todo o tipo de estratégias para atrair os ribossomas, as fábricas que traduzem o ARN em proteínas“, diz Martin. No caso do SRA-CoV-2, a extremidade da molécula viral de ARN é acessível aos ribossomas e possibilita a produção de uma primeira proteína. O seu papel é formar uma espécie de tampão que irá bloquear imediatamente o ribossoma. Nestas condições, é impossível continuar a tradução dos ARN da célula em proteínas. A engenhosidade da manobra é que os ARN do vírus podem contornar este tampão, graças a uma pequena estrutura tipo “gancho de cabelo“, uma verdadeira chave molecular que desbloqueia o ribossoma. “É um pouco como um ladrão colocar um cadeado na sua bicicleta: já não pode usá-lo, mas o ladrão pode usá-lo porque tem a chave“, diz Franck Martin, co-autor de uma publicação recente sobre este truque.

A pirataria molecular pode agora começar: em vez de fabricar as proteínas da célula, milhares de ribossomas começam a produzir em massa os vários componentes do vírus, que são depois montados para dar à luz, em poucas horas, milhões de novas partículas virais. Estes escapam então da célula em busca de outros pontos de entrada. Uma corrida contra-relógio começa então com o nosso sistema de vigilância: se não for suficientemente rápido e eficiente, estas partículas virais desenrolam o seu trabalho maléfico, destruindo as nossas células em massa.

O objetivo das vacinas, quaisquer que sejam, é imitarem o agente patogénico, a fim de educar o nosso sistema imunitário para interceptar o verdadeiro germe o mais rapidamente possível, caso ele apareça. A complexidade é imitar o patogénico o melhor possível, sem causar os seus danos habituais. Na época de Pasteur, as primeiras vacinas consistiam em micróbios muito próximos dos que nos causavam problemas. “A técnica era muito empírica: isolávamos os micróbios, inactivávamo-los ou atenuávamo-los, depois reinjectávamo-los nos humanos“, diz Jean-Daniel Lelièvre, diretor do departamento de imunologia clínica e doenças infecciosas do Hospital Henri-Mondor.

Para os inactivar ou atenuar, estão disponíveis várias “torturas”, tais como calor, radiação, produtos químicos. Estes micróbios também podem ser passados centenas de vezes sobre fatias de batata embebidas em bílis (é o caso, por exemplo, de uma vacina contra a tuberculose) ou no interior de células embrionárias de galinha (por exemplo, a vacina contra o sarampo). O resultado é o mesmo: os micróbios sofrem então mutações que os enfraquecem e os fazem perder a sua virulência de outrora.

A partir dos anos 1980, com o vírus da hepatite B, compreendeu-se que não era necessário utilizar todo o organismo infeccioso: certas proteínas presentes na sua superfície eram suficientes para desencadear uma resposta imunitária“, continua Jean-Daniel Lelièvre. Esta foi a era das vacinas chamadas proteicas: desta vez apenas foram injetados pedaços de micróbios. Mas é moroso de produzir. Além disso, estes mini pedaços de micróbios acabam por ser demasiado discretos para o nosso corpo, que felizmente não se preocupa com tão pouco (caso contrário, estaríamos sempre em estado de alerta). Daí a necessidade de adicionar adjuvantes, tais como os famosos sais de alumínio, para atrair um pouco mais de atenção do nosso sistema de vigilância.

Nada disto com estas novas vacinas de ARN. Não há necessidade de embriões de galinha ou qualquer outra utilização do animal. “Estas são vacinas veganas“, sublinha Steve Pascolo, um investigador do Hospital Universitário de Zurique que trabalha em vacinas de ARN há 20 anos. Também não precisam de alumínio ou outros adjuvantes. Melhor ainda, nem sequer tem de se dar ao trabalho de fabricar e purificar proteínas. O truque aqui é deixar as nossas células fazerem o trabalho.

Estas vacinas não nos podem tornar OGMs (organismos geneticamente modificados)

Como? Enviando para as células o plano de construção das proteínas identificadas como necessárias para a imunização. Neste caso, para as duas primeiras vacinas ARN contra o Covid (BioNTech/Pfizer e Moderna), trata-se apenas da proteína Spike, o pequeno gancho que permite que o vírus se agarre às nossas células. O plano de construção desta proteína-chave consiste num “dossier” de algumas dezenas de microgramas de ARN, embalados em bolhas lipídicas.

Como funcionam as vacinas de ARN nas nossas células. Computação gráfica: Julien Tredan-Turini

 

Mas estes “ficheiros” ainda tinham de chegar às nossas células e ser lidos lá… Primeiro truque: a sua embalagem. “Precisava de um pacote que fosse suficientemente forte para não ser destruído antes de chegar ao seu destino, mas que ainda pudesse ser aberto sem quaisquer ferramentas especiais uma vez na célula“, diz Steve Pascolo. Esse é o papel destas bolhas lipídicas, que têm o mesmo tamanho que o vírus, apenas uma centena de nanómetros ou assim. Nanopartículas de lípidos biodegradáveis cuja composição exacta ainda não é conhecida. “É provavelmente aqui que se escondem as diferenças entre as vacinas de ARN dos mensageiros, mas há realmente poucos detalhes sobre este ponto“, diz Derek Lowe, um químico americano que trabalhou na indústria farmacêutica e agora escreve um blogue sobre descobertas de medicamentos para a revista Science.

Um segundo truque desenvolvido pelos cientistas para conseguir que as nossas células abram as suas embalagens sem desencadear um alerta de intrusão é modificar ligeiramente a composição do ARN. “A este respeito, imitámos os vírus que já exploraram todas as possibilidades para escapar à vigilância das nossas células“, comenta Franck Martin. Já em 2005, Katalin Kariko (agora Vice-Presidente da BioNTech) e Drew Weissman, então investigadores da Universidade da Pensilvânia, demonstraram que ao modificar uma das quatro bases do ARN (uridina), a célula aceita pacotes de ARN do exterior sem entrar em pânico. Seguir-se-ão outras modificações para optimizar a sobrevivência destes ARN.

Uma vez que o pacote tenha sido aceite pelas células, será ainda necessário que reste ARN suficiente para chegar aos ribossomas. Isto é um grande desafio, uma vez que o ARN é rapidamente degradado pelas enzimas presentes na célula. “É por isso que ninguém acreditou nesta abordagem até aos anos 2010“, diz Steve Pascolo, co-fundador de CureVac em 2000 e cientista chefe da empresa até 2006, que se injetou com uma codificação de ARN mensageiro … luciferase[1], a mesma enzima utilizada pelos pirilampos para ser bioluminescente. “Queria verificar se este ARN seria tratado pelas minhas células cutâneas, e apenas no local da injecção, não além“, diz o investigador francês.

Hoje, a evanescência do RNA é apresentada como uma garantia de segurança: ao contrário do ADN, que pode penetrar no núcleo das nossas células e integrar-se permanentemente no nosso próprio genoma, o ARN sobrevive apenas por alguns momentos na célula, sem ser capaz de atravessar a barreira do núcleo. Portanto, estas vacinas não nos podem transformar em OGM (organismos geneticamente modificados), como por vezes ouvimos dizer.

De facto, basta apenas alguns fios milagrosos de ARN na célula para atrair os ribossomas, que depois lêem o plano de construção e fabricam a proteína Spike. Exactamente como teriam feito se o plano fosse transportado por um vírus. Excepto que desta vez, estas máquinas não foram bloqueadas pelo vírus: elas continuarão a ler o ARN da célula, pelo que não há perigo de a célula ser desligada.

Vírus e vacinas de ARN: modos de ação muito semelhantes. Computação gráfica: Julien Tredan-Turini

 

O resto da história? As proteínas Spike escapam então à célula. Aí encontram inevitavelmente as células imunitárias que patrulham os nossos corpos. E a partir deste contacto surgirão dentro de dias os anticorpos circulantes que irão bloquear o verdadeiro micróbio no futuro. A isto chama-se imunidade humoral.

Mas isso não é tudo: algumas proteínas Spike permanecem na célula, onde são tomadas por um mecanismo bem estabelecido que consiste em espalhar uma amostra de todas as proteínas produzidas no seu interior no envelope exterior. É um pouco como uma montra de loja cujo objetivo é atrair compradores, exibindo uma amostra do que está na prateleira. Estas vitrinas são as moléculas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC). Uma célula humana contém cerca de 100.000 moléculas de MHC na sua superfície, o que permite expor um bom pacote de proteínas.

Entre os compradores atraídos por estes milhares de pequenas vitrinas estão células imunitárias chamadas linfócitos T ou células assassinas (ver também: Covid e imunidade: pistas negligenciadas?). Ao contrário dos anticorpos circulantes, estes linfócitos podem atacar vírus escondidos dentro das nossas células. O equivalente a franco-atiradores que verificam que nenhum inimigo está escondido dentro de edifícios. É aquilo que se designa por imunidade celular.

Ao ativar estas duas formas de imunidade, a imunidade humoral e a imunidade celular, estas vacinas podem acabar por se revelar mais eficazes e mais duradouras do que as vacinas que apenas desencadeiam a produção de anticorpos circulantes, tais como as vacinas inativadas ou as que contêm apenas pedaços de proteína do vírus.

Outra vantagem das vacinas ARN é que são rápidas e fáceis de produzir. Requer os elementos químicos básicos do ARN, nucleótidos e enzimas que normalmente provêm de vírus. Requer também lípidos para o fabrico de nanopartículas protetoras. Mas não é necessária a cultura de células. “As vacinas de RNA são muito mais simples de produzir do que as vacinas anteriores“, diz Pascolo, que está a trabalhar em vacinas personalizadas de ARN contra o cancro. Pascolo modifica constantemente a sequência de ARN que insere nas suas vacinas para corresponder exatamente aos tumores identificados nos pacientes. “Esta é a vantagem desta técnica: pode facilmente reorientá-la usando uma sequência de RNA diferente.” Se a SARS-CoV-2 modificasse subtilmente o seu gancho Spike, como foi recentemente anunciado no Reino Unido, poderíamos reagir rapidamente e introduzir a nova sequência para produzir vacinas adequadas. Isto seria ideal para combater doenças emergentes e vírus mutantes.

No entanto, ainda subsistem muitas questões. A começar pela durabilidade da imunidade conferida, a eficácia em pessoas com mais de 75 anos de idade ou o impacto da vacina em pessoas que já tenham tido Covid. Também não é claro se estas vacinas irão impedir a transmissão do vírus: as pessoas vacinadas poderiam ser protegidas contra a doença, mas ainda assim ser portadoras do vírus e transmiti-lo.

Outras incógnitas: efeitos secundários raros ou a longo prazo. De momento, os ensaios clínicos são bastante tranquilizadores quanto aos efeitos imediatos, mesmo que estas vacinas causem reações tais como dores de cabeça, fadiga ou dores e dores severas em 5 a 10% dos vacinados. Dois dias após o lançamento da vacinação com o produto BioNTech/Pfizer, os britânicos também relataram dois casos de reações de hipersensibilidade imediatamente após a injeção em prestadores de cuidados com antecedentes de alergia. Estes indivíduos particularmente sensíveis foram excluídos dos ensaios clínicos: estas vacinas são contra-indicadas para eles. Estas reações, relatadas em vários artigos, podem estar relacionadas com a composição de nanopartículas lipídicas mais do que com o seu conteúdo de ARN.

Entre os efeitos indesejáveis graves observados durante os ensaios clínicos de três meses da BioNTech/Pfizer e da Moderna nota-se inflamação grave mas transitória dos gânglios linfáticos em cerca de 0,3% dos vacinados (os peritos da FDA – Food and Drug Administration – acreditam que se trata de uma reação adversa à vacinação) e sete casos de paralisia temporária do nervo facial (quatro em BioNTech e três em Moderna, de um total de 34.000 vacinados), que poderiam corresponder à frequência habitual desta patologia, dizem os peritos. No entanto, é impossível capturar efeitos secundários com uma frequência inferior a 1 por 10.000. Também é impossível fazer uma declaração sobre possíveis efeitos tóxicos para além de três meses. Só a utilização generalizada destas vacinas nos poderá dizer alguma coisa sobre estes dois aspetos.

Mas dois grandes obstáculos permanecem para uma verdadeira democratização destas vacinas. Em primeiro lugar, a sua conservação. A vacina BioNTech requer o congelamento a -70°C. Contudo, este constrangimento poderá evoluir à medida que os testes de estabilidade são efetuados a temperaturas mais frias. A prova: a Moderna anunciou em Novembro que a sua vacina poderia ser armazenada durante 30 dias entre 2°C a 8°C, ou seja, num frigorífico convencional. Este problema de estabilidade parece estar menos relacionado com o ARN, que é muito estável quando nenhuma enzima está presente no seu ambiente, do que com a nanopartícula lipídica, que é muito mais frágil.

Segundo obstáculo, e não o menor: o seu preço. Durante muito tempo mantido em segredo, o Secretário de Estado do Orçamento belga revelou na sexta-feira 18 de Dezembro, num tweet rapidamente apagado, o preço de cada vacina pré-comprada pela Comissão Europeia: 12 euros por dose para BioNTech e 14,70 para Moderna. Ou seja, uma vacinação em duas doses a 24 euros para a primeira e 29,40 euros para a segunda (estes montantes não incluem os pagamentos adiantados feitos pela Comissão para assegurar estas pré-compras, o preço real é portanto mais elevado). Isto é entre duas a oito vezes mais caro do que outras vacinas. Embora se diga que são mais fáceis e mais rápidos de produzir, e que receberam uma ajuda pública considerável para o seu desenvolvimento.

Você paga o preço da novidade“, lamenta Stéphane Korsia-Meffre, um antigo veterinário que acompanha de perto as inovações médicas para várias associações de doentes e editoras médicas. Num aviso publicado em Novembro, o Comité Nacional de Ética destacou estes preços dos chamados tratamentos inovadores, desligados dos custos de fabrico, “como resultado de negociações opacas e desequilibradas entre as autoridades públicas e as empresas do sector“.

Embora inspiradas pelos vírus, estas novas vacinas não são tão generosas como eles são: apenas os países ricos terão o luxo de pagar duas doses para os seus cidadãos. Trata-se de uma grande inovação, mas que pode não ser capaz de travar a pandemia nestas condições.

 

______________________________

A autora: Lise Barnéoud [1980-], licenciada em Biologia, estudou Jornalismo Científico em 2004, trabalha como jornalista independente. Temas favoritos: medicina, biologia e ambiente. Colabora regularmente com vários meios de comunicação social (Science et Vie, Le Monde, La Cité des Sciences, Mediapart…). É também autora de documentários televisivos (último: Devenir il ou elle, France 5, Le Monde en Face, 2017) e de livros (último: Immunisés ? Un nouveau regard sur les vacins, Editions Premier Parallèle, 2017). Recebeu vários prémios (Prix Varenne, prémio de jornalista científico francês, prémio Ecoreportage, Trophée signatures santé…) e beneficiou de diferentes bolsas de estudo (SCAM, EJC…). (consultado em Health Reporting France em 29/12/2020)

 

______________________________

 

NOTA

[1] N.T. Ver Luciferase, wikipedia aqui.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 Comment

Leave a Reply