Sobre futebol, por António Gomes Marques

Sobre futebol

   por António Gomes Marques

Ao Carlos Loures

Começo por declarar que nada sei sobre futebol, sobre as leis do jogo, a não ser o que me parece evidente, não passando de um espectador de sofá, interessado no futebol enquanto espectáculo lúdico.

Não me lembro de quando assisti a um último jogo de futebol ao vivo, recordando apenas que foi no Estádio da Luz, no novo, a convite do meu filho. Que jogo foi, não sei, mas lembro-me de que o Benfica venceu.

Sou adepto do Benfica desde muito criança, desde o tempo em que vivia na aldeia onde nasci, por as cores do clube serem as que mais me encantam: vermelho e branco. Outra cor de que muito gosto é o preto, que o Benfica também passou a utilizar. Mas hoje, para meu desgosto, as cores já nada dizem, nada identificam, o que é necessário é apresentar novos equipamentos no início da época para que os papalvos vão a correr adquirir as novas camisolas (que me desculpem os coleccionadores).

Já escrevi uma crónica sobre futebol para o blogue, por insistência do Carlos Loures, muito mais apaixonado pelo futebol e pelo Benfica do que eu, e se agora repito a façanha é por o Carlos Loures ter sido hoje sujeito a uma operação cirúrgica, com êxito. E é também uma homenagem ao que foi, enquanto a saúde permitiu, o principal animador do blogue.

É o Carlos Loures que está na origem de eu ir escrevendo umas crónicas de vez em quanto, tal foi a sua persistência!, como também foi ele que comigo insistiu para eu escrever sobre as viagens que ia fazendo. Vou recordar.

A primeira vez que fui à Turquia, foi com Carlos Loures, a sua mulher Helena e a Célia, minha mulher. Da segunda vez, uma viagem muito mais extensa, que incluiu a Anatólia, a Helena e o Carlos, por razões de saúde de uma e do outro, os meus companheiros habituais nessas andanças já não puderam acompanhar-nos. No regresso, contando a viagenm aos meus amigos, logo o Carlos me disse: «Tens de escrever isso para o blogue», o que fiz. Fiquei com o vício.

Agora, triste, mas não amargurado, com o desempenho do Benfica, fiquei danado com a queixa que o clube fez pela presumível utilização ilegal por parte do Sporting de um jogador. Assim, passo a torcer pela vitória dos «leões» no campeonato, caso a queixa do Benfica tenha acolhimento.

Eu bem sei que o futebol profissional hoje é uma indústria, deixando de ser um desporto há já muito tempo. Manuel Vázquez Montalbán, um dos grandes escritores do século XX (faleceu em 2003), no seu livro «Fútbol – Una religión en busca de un Dios», edição póstuma organizada pelo seu filho, o também escritor Daniel Vázquez Sallés, segundo indicações do autor, escreveu assim: «Pertenço à era das duas drogas duras, futebol e álcool, mas assim como o álcool continua sendo o que era, o futebol perdeu a lógica interna inicial que o acompanhava até aos anos setenta e está cada vez mais próximo da condição de droga de marca. Os clubes remodelam-se segundo os cânones de poderosos centros financeiros e mediáticos, o jogo não depende mais do talento coordenado de jogadores capazes de propiciar momentos mágicos memoráveis, mitificáveis, mas de sistemas que levam o nome ou o sobrenome do treinador.» E, um pouco mais à frente, no mesmo texto, continua: «Os campeonatos de 1998 acabaram com a era do futebol de entretenimento e iniciaram a do futebol como religião de uma parte importante do capitalismo multinacional.» (1)

Sei que a razão está com Manolo, o diminutivo com que carinhosamente Manuel Vázquez Montalbán era tratado, mas, mesmo assim, não pode valer tudo. Para mim, é dentro de campo que cada clube tem de demonstrar o seu valor, utilizando as competências dos jogadores do seu plantel, numa disputa leal, repudiando eu quaisquer vitórias de secretaria.

Mas, como observador de sofá deste espectáculo futebolístico, há ainda outros pormenores que não posso deixar de aqui expressar e que têm a ver com jogadas bem desenhadas, com a exploração da perícia técnica dos futebolistas, em velocidade, que se parecem com uma dança, proporcionando aos espectadores momentos estéticos que ficam na retina. São momentos lúdicos que têm de ser experenciados, vividos pelos artistas/jogadores e desfrutados com prazer pelos espectadores, ou seja, têm de ser momentos de gozo, de alegria, maior ainda se a vitória final couber ao nosso clube.

Ora, não é isto que se verifica. As estratégias (ou apenas tácticas?) dos treinadores limitam, na maioria das vezes, a mestria técnica dos jogadores, transformando um encontro de duas equipas que deveria ser de alegria, de vivência de um momento, num espectáculo chatérrimo, embora contenha, apesar de tudo, alguma emoção.

Quando observo os comportamentos dos vários treinadores, retenho as caras sempre zangadas de Jorge Jesus e de Sérgio Conceição e a cara alegre, cara de quem desfruta de um momento lúdico, de Rúben Amorim, o que me leva a uma interrogação: o actual êxito do Sporting não será, em grande parte, devedor do comportamento do seu jovem treinador? Espero bem que sim.

Portela, 2021-02-15

NOTA

  1. Manuel Vázquez Montalbán, Fútbol – Una religión en busca de un Dios, Editorial Debate, Barcelona, 1.ª edição, Março de 2005 (tradução da minha responsabilidade)

1 Comment

  1. Obrigado pela notícia do sucesso da operação do Carlos Loures. É que eu também tenho “dídidas” para
    com ele: os livros que, em conjunto com o Manuel Simões, deram à estampa na Nova Realidade; e a “descoberta” do grande poeta turco Nazim Ikmet.
    Quanto ao futebol, o melhor é esquecer. Agora, até já se consideram encarnados os que em tempos eram VERMELHOS.

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