CARTA DE BRAGA – “pandemias, capital e Sade” por António Oliveira

Mais de 120 milhões de pessoas infectadas e quase 3 milhões de mortos, é o trágico e lúgubre balanço de um mal a que, em 11 de Março de 2020, a OMS deu o nome singular de pandemia, ‘um nome apenas descritivo, que não ia alterar em nada o que já se estava a fazer, nem o que todos os países deveriam fazer’.

Certo é que alguns países, melhor, alguns dos patéticos líderes que nos calharam (a nós mundo!) como os dois boçais, o trumpa em cima e o naro em baixo, por acaso com responsabilidades especiais devidas à demografia e à situação estratégica dos seus países, logo deitaram abaixo qualquer tentativa de uma política sanitária a condizer, pois atrás das suas decisões mais do que equivocadas, foram bem evidentes a ignorância e a falta de atitude política e social.

Para o sociólogo e filósofo basco Daniel Innerarity, tudo nasce por ‘Chamar à crise uma guerra, qualificar o vírus de estrangeiro, assumir como sua uma função que corresponde só a especialistas, para não mencionar a falta de atenção (arrastando a colectiva) para a realidade, quando se tratava apenas de valores latentes, só visíveis a longo prazo’.

E Innerarity, chama também a atenção para um problema global ‘Os nossos sistemas de saúde têm capacidade limitada: não podem tratar se não um número limitado de pessoas de cada vez, até porque uma sobrecarga das UCI pelo covid, provocaria também mortes devidas a mais causas, enfartes, acidentes e outras, tudo o que exigiria uma resposta imediata para garantir a sobrevivência e não poderia ser atendida como merecia, no momento do colapso’.

Por outro lado e, decorrente desta situação, a inépcia de tais governantes (há mais espalhados por esse mundo!), parece consequência da ausência de um sentido ético na economia, que reequilibre o individual com o colectivo, de modo que o seu motor não seja apenas o lucro privado, mas se procure uma sustentabilidade social, porque a desigualdade económica actual entre os diversos sectores da sociedade, qualquer que seja o país, tem níveis escandalosos.

Aliás o filósofo e investigador da história das ideias morais e políticas, Roberto Aramayo, divulgou recentemente um ensaio, onde garante ‘O progresso mortal deve primar sobre quaisquer outros interesses mercantis ou geoestratégicos e convém repeti-lo até à saciedade’ .

Também o Fundo Monetário Internacional resolveu sair do luxo dos seus gabinetes, para botar sentença num relatório ‘As repercussões sociais das pandemias’, onde salienta principalmente, ‘As fracturas já existentes na sociedade: a ausência de protecção social, a desconfiança nas instituições, a percepção de incompetência ou corrupção nos governos’ para avisar que a gestão das pandemias pode vir a aumentar os problemas mais profundos, como a insuficiência das redes de protecção social e a falta de confiança da população nas suas instituições. 

Aliás, tem sido este o campo onde economistas, sociólogos e filósofos mais se têm debruçado e não será necessário apresentar Joseph Stiglitz que, numa entrevista ao ‘El País’ salienta: ‘É muito curioso que nos EUA, as pessoas de topo paguem menos impostos que as pessoas de base’. 

Veja-se como o multimilionário Warren Buffet, confirma que paga uma taxa de imposto mais baixa que a sua secretária afirmando ainda, ‘Investir não é arriscado. Arriscado é trabalhar 35 anos para outra pessoa e viver depois da previdência social’.

E Juan Antonio Molina, aponta no jornal ‘Publico.es’, os problemas ligados à pós-pandemia, ‘A pobreza, a desigualdade, a degradação do mundo do trabalho, o desemprego e os recortes na protecção social não são desarranjos do sistema, mas elementos constitutivos e ideológicos do regime no poder’.

Por tudo isto, não me repugna citar aqui o alemão Max Weber, ao contrapor a ‘ética da intenção ou da convicção’, que se movimenta por princípios incondicionados, por dogmas, independentes das consequências das decisões, ‘à ética da responsabilidade’ que faz um apelo aos políticos com princípios, pois um político deverá prever as consequências dos seus actos, tanto as directas como as colaterais. 

E para não ir muito longe, aqui vai um título do ‘La Vanguardia’ de Barcelona, do passado dia 9 de Março, ‘Luxemburgo y Holanda causan el 10% de las pérdidas fiscales’, tendo como subtítulo, ‘Tax Justice Network señala a los dos países, ante el silencio de la EU’, tendo como fotografia documentativa, a cara de diácono do primeiro ministro holandês. 

Aliás, já em 1791 e na obra ‘Justine ou os Infortúnios da Virtude’, Sade deixou escrito ‘A lei existe só para os pobres; os ricos e os poderosos desobedecem quando querem e fazem-no sem receber castigo, por não haver um juiz no mundo, que não possa comprar-se com dinheiro’.

Não mudou nada, pois não?

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

 

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