Para além dos 60 anos não há nenhum deserto sentimental nem erótico. Entrevista a Pascal Bruckner por Marc Bassets

Seleção e tradução de Francisco Tavares

 

Publicado por , em 30/03/2021 (ver aqui)

 

Pascal Bruckner, na semana passada em sua casa de Paris, diante de um quadro do pintor argentino Antonio Seguí.BRUNO ARBESU / BRUNO ARBESU

 

Pascal Bruckner, (Paris, 72 anos) é visto em França, conforme a quem se pergunte, como um dos últimos resistentes na defesa do Iluminismo face ao obscurantismo do século XXI ou então como um velho dinossauro que, pelas suas posições contra o novo feminismo ou o antiracismo, está a perder o comboio da história e resiste a abandonar o palco.

“Há lugar na Terra para várias gerações, para os mais jovens e para os mais velhos”, avisa Bruckner no seu estreito duplex no centro de Paris, enquanto prepara as malas para passar uns dias a praticar esqui nos Alpes. “Morreremos um dia, estejam tranquilos, embora não vá ser por isso que se sentirão melhor”.

Os membros da sua geração, da chamada geração baby boom – nascidos durante a explosão demográfica posterior à II Guerra Mundial – estão a reformar-se e a instalar-se na terceira idade.

Bruckner, com 72 anos, e nenhuma vontade de deixar de escrever e de polemizar, reflete sobre essa etapa em Un instante eterno, Filosofía de la longevidade, publicado em castelhano por Siruela, tradução de Jenaro Talens. O livro é uma reivindicação da velhice, uma idade que hoje se alongou tanto que até quase parece uma vida extra. E Bruckner defende que esse não deve ser o tempo de renúncias mas antes de uma vida plena e intensa.

Os velhos são sempre os outros, ou antes, o olhar dos outros, segundo o ensaísta. Diz que se deu conta de que estava a ficar velho no dia em que começou a receber publicidade de residências para a terceira idade e folhetos de funerárias. “Até aos 65 anos ainda é possível enganar os outros e ter ilusões”, afirma.

Bruckner recorda que, quando os seus pais fizeram 50 ou 55 anos de idade, começaram a vestir-se como velhos e a parecerem velhos. Hoje, os da sua geração, que é a de 1968, vestem-se como os jovens, tentam falar a linguagem dos adolescentes e deslocam-se pela cidade em patinete. “Tem um lado ridículo”, admite, “mas também significa que não renunciaremos”.

A sua filosofia de envelhecimento consiste em “renunciar à renúncia”, algo que choca com o problema da doença, da saúde, do crepúsculo. “Estamos programados desde a infância”, assinala, “para pensar que a partir dos 60 anos é o abismo, são as trevas. Mas chegamos e estamos em forma, sentimo-nos ainda na pele de alguém de 30 ou 40 anos. Todos somos cegos ao nosso próprio envelhecimento, e não percebemos porque devemos limitar as nossas atividades e ficarmos em casa. Hoje empurrámos a velhice para os últimos meses antes da morte. Antigamente chegava no final do Verão, agora é em Dezembro. O Outono da vida pode ser totalmente extraordinário e feliz”.

Bruckner – pai de dois filhos, com dois netos, e tendo por companheira uma belga-somali 25 anos mais nova que ele – dedica um capítulo do seu livro ao amor na terceira idade. Cita como exemplo o casal Emmanuel e Brigitte Macron, ela 24 anos mais velha que o presidente. “Sacodem os preconceitos”, congratula-se o ensaísta.

“As pessoas vêem que se pode amar alguém mais velho, e que para lá dos 60 não há nenhum deserto sentimental ou erótico”. Se a eternidade existe, está aqui, na Terra, segundo Bruckner. “A imortalidade é agora, nos instantes maravilhosos que vivemos, nos momentos privilegiados com os outros, não vale a pena estar a buscá-la no mais além. Porque, como dizia creio que Kierkegaard, as grandes religiões são umas muito lucrativas agências de transporte para o mais além, mas ninguém regressou para nos dizer se a viagem valeu a pena”.

A pandemia do Covid-19 alterou as suas perspetivas radiantes. Já vacinado, morreram-lhe vários amigos de mais de 80 anos. Ele aproveitou estes meses. Dedicou-lhes o seu último ensaio publicado em francês, Un coupable presque parfait. La construction du bouc émissaire blanc (Um culpado quase perfeito. A construção do bode expiatório branco). É um texto polémico, um discurso contra as novas correntes antiracistas, como o movimento Black Lives Matter e as feministas do Me Too que, na sua opinião, fazem do homem branco o culpado dos males do mundo.

 

Iluminismo e escravidão

Bruckner, como em muitos dos seus ensaios, fala realmente de si mesmo: “Fui apelidado de velho macho branco ocidental. Pois aceito o veredicto. Sou-o. É uma quádrupla discriminação: pela idade, pela cor da pele, pelo género e pela origem geográfica. É outro racismo”, diz. “A indiferença perante a cor da pele foi um avanço do Iluminismo”, continua. Embora a Europa tenha cometido muitos crimes, “como todas as grandes civilizações”, ao menos reconheceu-os, destaca Bruckner. “A Europa não inventou a escravidão, inventou a sua abolição”.

Este velho da geração 1968 não se inquieta por lhe chamarem neoconservador, ou reacionário. “Desde que não me chamem fascista…”, responde. “Não me sinto reacionário. Antes tenho a impressão de pertencer a uma esquerda laica e republicana. Pelo contrário, penso que uma grande parte da esquerda francesa, e tenho a impressão que em Espanha é o mesmo, é uma esquerda beata e, de facto, reacionária”.

Beata e reacionária? “Sim, consideram que o islão é a religião dos oprimidos e que, portanto, há que permitir o véu”, diz. “Consideram que os muçulmanos são os novos proletários: como a revolução fracassou com a classe operária, fá-la-emos com o islão”.

Lendo-o, parece por instantes que Bruckner cai – como homem branco, idoso e europeu – no victimismo que há duas décadas criticava na “La tentación de la inocencia”, sinal de uma época em que toda a gente, nomeadamente os privilegiados, aspiravam ao estatuto de vítima, a inocência do perseguido. Ele nega-o categoricamente. “Eu não digo que o homem branco seja vítima, digo que é um bode expiatório”, responde. Necessitamos isso para nos sentirmos melhor”.

Bruckner reconhece que tão pouco se pode queixar. Continuam a convidá-lo para falar na televisão e escrever nos meios de comunicação. Sente-se um sortudo. E aqui volta à questão da idade. “O verdadeiro receio para um escritor, e vejo-o nas conferências, é que o seu público tenha cabelo branco”, diz. “A felicidade é ter leitores e leitoras jovens”.

 

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