
Carlos Alberto Serra de Oliveira nasceu acidentalmente em Belém, Brasil, em 10 de Agosto de 1921, de pais portugueses que, dois anos depois, regressaram a Portugal. O pai, médico, fixou-se com a família em Febres-Cantanhede, e entre esta vila e Coimbra o futuro escritor viria a cumprir a sua formação, licenciando-se em Ciências Histórico-Filosóficas em 1947. A sua estreia literária advém bem cedo, em 1937, aos 16 anos, com três contos e um poema publicados no volume Cabeças de barro, em colaboração com Artur Varela e Fernando Namora. Alguns anos depois verifica-se a sua primeira e autónoma apresentação pública com o volume de poemas, Turismo (1942, 7.º vol. da mítica colecção de poesia Novo Cancioneiro) e com o romance Casa na Duna (1943). Participou na renovação da revista Vértice (1.ª série), de cuja redacção fez parte de 1945 a 1948, e entretanto publica os livros de poemas Mãe Pobre (1945), Colheita Perdida (1948) e Descida aos Infernos (1949).
Transfere-se para Lisboa em 1950 e aqui continua a actividade de crítico, de prosador e de poeta. Publica, em seguida, os seguintes livros de poesia: Terra de Harmonia (1950), Cantata (1960), Sobre o Lado Esquerdo (1968, com o qual revoluciona a poesia portuguesa), Micropaisagem (1968) e Entre Duas Memórias (1971), depois reunidos nos dois volumes de Trabalho Poético (Ed. Sá da Costa). Eis o magnífico texto, em prosa poética, que justifica o título de Sobre o Lado Esquerdo:
«De vez em quando a insónia vibra com a nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas da sua harpa insuportável. No segundo caso, o homem que não dorme pensa: “o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração”».
E como exemplo da magnífica oficina poética de Carlos de Oliveira, transcreve-se também o segmento X (o último) do poema “Descrição da guerra em Guernica” (Entre Duas Memórias), onde, no rigor geométrico do discurso, se observa uma meticulosa e solidária relação dialéctica entre o texto, o terrível episódio da guerra, e o quadro de Picasso, agora numa escrita em que se “visualizam” as imagens da pintura:
O incêndio desce;
do canto superior direito;
sobre os sótãos,
os degraus das escadas
a oscilar;
hélices, vibrações, percutem os alicerces;
e o fogo, veloz agora, fende-os, desmorona
toda a arquitectura;
as paredes áridas desabam
mas o seu desenho
sobrevive no ar; sustém-no
a terceira mulher; a última; com os braços
erguidos; com o suor da estrela
tatuada na testa.