CARLOS DE OLIVEIRA (1921-1981): ITINERÁRIO DE UM GRANDE ESCRITOR. NO 1.º CENTENÁRIO DO NASCIMENTO – por MANUEL SIMÕES

(1921 – 1981)

 

Carlos Alberto Serra de Oliveira nasceu acidentalmente em Belém, Brasil, em 10 de Agosto de 1921, de pais portugueses que, dois anos depois, regressaram a Portugal. O pai, médico, fixou-se com a família em Febres-Cantanhede, e entre esta vila e Coimbra o futuro escritor viria a cumprir a sua formação, licenciando-se em Ciências Histórico-Filosóficas em 1947. A sua estreia literária advém bem cedo, em 1937, aos 16 anos, com três contos e um poema publicados no volume Cabeças de barro, em colaboração com Artur Varela e Fernando Namora. Alguns anos depois verifica-se a sua primeira e autónoma apresentação pública com o volume de poemas, Turismo (1942, 7.º vol. da mítica colecção de poesia Novo Cancioneiro) e com o romance Casa na Duna (1943). Participou na renovação da revista Vértice (1.ª série), de cuja redacção fez parte de 1945 a 1948, e entretanto publica os livros de poemas Mãe Pobre  (1945), Colheita Perdida (1948) e Descida aos Infernos (1949).

Transfere-se para Lisboa em 1950 e aqui continua a actividade de crítico, de prosador e de poeta. Publica, em seguida, os seguintes livros de poesia: Terra de Harmonia (1950), Cantata (1960), Sobre o Lado Esquerdo (1968, com o qual revoluciona a poesia portuguesa), Micropaisagem (1968) e Entre Duas Memórias (1971), depois reunidos nos dois volumes de Trabalho Poético (Ed. Sá da Costa). Eis o magnífico texto, em prosa poética,  que justifica o título de Sobre o Lado Esquerdo:

«De vez em quando a insónia vibra com a nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas da sua harpa insuportável. No segundo caso, o homem que não dorme pensa: “o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração”».

E como exemplo da magnífica oficina poética de Carlos de Oliveira, transcreve-se também o segmento X (o último) do poema “Descrição da guerra em Guernica” (Entre Duas Memórias), onde, no rigor geométrico do discurso, se observa uma meticulosa e solidária relação dialéctica entre o texto, o terrível episódio da guerra, e o quadro de Picasso, agora numa escrita em que se “visualizam” as imagens da pintura:

                        O incêndio desce;

                        do canto superior direito;

                        sobre os sótãos,

                        os degraus das escadas

                        a oscilar;

                        hélices, vibrações, percutem os alicerces;

                        e o fogo, veloz agora, fende-os, desmorona

                        toda a arquitectura;

                        as paredes áridas desabam

                        mas o seu desenho

                        sobrevive no ar; sustém-no

                        a terceira mulher; a última; com os braços

                        erguidos; com o suor da estrela

                        tatuada na testa.

 

Como romancista, depois de Casa na Duna, há que referir Alcateia (1944), Pequenos Burgueses (1948), Uma Abelha na Chuva (1953), texto que está na base do filme com o mesmo título, realizado por Fernando Lopes. E ainda Finisterra (1978), já fora da tetralogia que se ocupou da evolução das classes sociais em confronto, numa sociedade marcada ainda por resquícios de uma organização senhorial já obsoleta.

E como prosador, Carlos de Oliveira legou-nos ainda o extraordinário livro, misto de crónicas, memórias, críticas literárias, teoria literária, que tem como título O Aprendiz de Feiticeiro (1971), obra imprescindível para descodificar a sua excepcional produção literária.

A obra de Carlos de Oliveira (prosa e poesia), entre outras edições esgotadas e que talvez se encontrem em alfarrabistas, foi há anos publicada num só volume pela Ed. Caminho, provavelmente também esgotada. Creio que está hoje disponível integralmente apenas em edição da Assírio & Alvim.

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