CARTA DE BRAGA – “Belmondo, Godard e Welles” por António Oliveira

Patricia, a estudante norte americana que esconde Michel, o marselhês fugitivo no seu apertamento, no filme ‘À bout de souffle’ (O acossado), de Jean-Luc Godard, diz a um amigo americano, qualquer coisa como isto ‘Não sei se estou triste por não ser livre, ou se não sou livre por estar triste’.

Nem sequer me lembro se serão estas as palavras exactas, mas nunca mais esqueci este momento do filme com Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo, filme com argumento de François Truffaut, que assinalou o princípio da Nouvelle Vague

Não me custa falar disto agora, até por há pouco tempo ter partido Belmondo, já com 88 anos, mas por no filme estarem em questão as relações humanas, mais toda a sua complexidade, a mostrar como uma vida puramente racional seria certamente insonsa, por alguém sem sentimentos ter de ser forçosamente uma pessoa sem conflitos, apática, afastada de toda a realidade, porque a nossa relação com o real ser também, um conflito permanente com o desejo. 

Conflito que assume dimensões variadas e diversas ‘com ritmos e intensidades que variam consoante as conjunturas. Muitas vezes acirram-se para atingir objetivos que permanecem ocultos ou implícitos nos debates que suscitam’, na opinião de Boaventura Sousa Santos.

Conflitos que, no filme, nos são apresentados pelas atitudes corporais e expectantes de cada um deles perante o outro, revelando-se, dando uma dimensão única a cada um e ao conjunto, fazendo da solidão um copo que se pode encher de amarguras ou de atitudes estimulantes, para acabar por transformar completamente as rotinas de uma vida monótona e repetitiva, onde a negatividade e a insatisfação serão companhias constantes. 

E tudo ali é inesperado, desregrado, onde o tempo é destempo, até a morte é tratada com a paródia de uma imitação de Bogart, dando uma dimensão diferente à relação entre os dois, como se a vida fosse um permanente recomeço, onde até é mais importante sentir a tristeza do que vê-la passar ao lado. 

Uma forma de nos afastarmos da temporalidade mediática, profundamente consumista ou virada para o consumismo, para nos obrigar a uma opinião ‘já preparada pelas redes sociais’, como estando numa feira ou num gigantesco centro comercial e, por isso, soltamos opiniões a cada momento, para não termos de ler, de ver e escutar, porque tanto a visão como o ouvido, usados a preceito, implicam um desvio da atenção, por só assim captarmos os detalhes do que nos ‘oferecem’, levando-nos a repensar o mundo. 

E, aproveitando este pormenor, termino com as palavras de outro grande realizador, Orson Welles, ‘É impossível fazer um bom filme, sem uma câmara que seja como um olho no coração de um poeta’-

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

 

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