A GUERRA NA UCRÂNIA, A COMUNICAÇÃO SOCIAL E AS CENTRAIS NUCLEARES, por ANTÓNIO REDOL

 

Os jornalistas e muitos comentadores da comunicação social dizem muitos disparates, em especial falando sobre aquilo que não conhecem. Além disso, falam sobre tudo!

Vejamos alguns aspectos do que se passou com as centrais nucleares ucranianas.

1) Quando logo no início da invasão da Ucrânia pela Rússia se verificaram combates junto da central nuclear de Zaporijia a comunicação social assustou o público dizendo que se poderia dar um grande desastre que espalhasse produtos radioactivos por uma área imensa, sugerindo, até, que podia atingir grande parte da Europa.

Em primeiro lugar, se assim fosse, os produtos radioactivos atingiriam primeiro a zona já controlada pela Rússia no Donbass, a Crimeia e a própria Rússia, além da Ucrânia. Os russos fariam tal acção que logo os atingiria?

Depois, os combates estavam a ser realizados com infantaria e carros de combate, os quais não têm poder de fogo para destruir ou furar o contentor de betão pré-esforçado com 1,30-1,50 m de espessura que envolve o reactor nuclear – segundo opinião de um coronel de artilharia com quem falei -, ainda protegido com uma estrutura de aço possuindo uma boa espessura no interior do contentor, como uma pele. E ainda há a cuba com cerca de 20-30 cm de espessura no interior da qual está o núcleo do reactor, constituído por vários milhares de varas de metal com as pastilhas cilíndricas de urânio enriquecido empilhadas no seu interior, em grupos que constituem os chamados elementos de combustível. Estes contentores estão calculados, na maioria das centrais nucleares, para suportarem o embate de um avião comercial.

Para além do núcleo, existe normalmente no interior do contentor uma divisão onde se acumulam os elementos de combustível já utilizado, no interior dos quais existem os produtos resultantes da fissão nuclear: plutónio, o qual, além de altamente radioactivo é altamente tóxico – e que poder servir para produzir bombas atómicas – e outros produtos altamente radioactivos, com um período de semivida – isto é, o tempo que tem de correr para a sua radioactividade se reduza a metade; logo, não a perde completamente – é de 20.000-30.000 anos, e que constitui o problema mais difícil e grave da chamada “utilização pacífica” da energia nuclear (mas não o único). Todavia, a citada divisão também está protegida pelo contentor e pela “pele” de aço. Perante a inexistência de uma solução segura para estes resíduos – o designado armazenamento definitivo de produtos radioactivos -, a qual há décadas se procura, eles são guardados “provisoriamente” nas centrais. A Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), faz periodicamente a fiscalização de todas as centrais do mundo, conferindo os inventários dos produtos nucleares, combustível novo por utilizar e combustível já utilizado, bem com todos os resíduos radioactivos. O combustível utilizado é especialmente visado, pois pode ser desviado para produção de bombas atómicas.

Outra coisa é a utilização de bombas perfuradoras de betão e mísseis de grande potência, os quais, certamente, poderiam provocar uma catástrofe destruindo um grupo nuclear e lançando os produtos radioactivos referidos pelos ares. Mas não é equipamento que tropas de infantaria ou de cavalaria (os tanques) transportem.

Certamente por essa razão, grupos terroristas nunca atacaram centrais nucleares com tais equipamentos, porque não lhes devem ter acesso. Em Dezembro de 1977, um grupo da ETA atacou com armas de guerra a central nuclear de Lemoniz, no País Basco, perto de Bilbao. Apurou-se, posteriormente, que pretendia fazer explodir uma carga explosiva, que destruiria o interior de um dos grupos nucleares da central, mas, certamente, ficaria tudo contido no interior do contentor ou porque não tinham acesso a explosivos com potência suficiente ou porque não quereriam correr o risco político de atingir uma população que a ETA pretendia representar e defender. Não chegou a concretizar-se a acção de sabotagem porque a Guardia Civil conseguiu dominar a situação.

Note-se que uma central nuclear tem, normalmente, vários grupos nucleares e que em cada grupo existe um único reactor, um dos componentes de um grupo. No reactor, a reacção nuclear, ou fissão nuclear, produz vapor de água a alta temperatura. Cada grupo tem acoplado uma turbina clássica, que recebe o vapor, rodando impulsionada por ele e um alternador onde se produz a energia eléctrica.

O funcionamento normal de um grupo nuclear ou o funcionamento já com algum grau classificável como “incidente” produz hidrogénio e já aconteceram várias situações em que esse hidrogénio tem explodido. Mas as explosões e os danos têm ficado confinados ao contentor. Normalmente, o hidrogénio produzido é escoado para o exterior do grupo – juntamente com produtos radioactivos vários de baixa intensidade; também o são alguns efluentes líquidos radioactivos.

Mas já assim não aconteceu na central de Chernobyl (que tinha então 4 reactores, mas prevista para 6) em 26 de Abril de 1986 e na de Fukushima em 2011, pois a quantidade de hidrogénio libertada foi enorme e produziu violentas explosões com as consequências que se conhecem, atingindo vários países europeus no primeiro caso, alguns dos quais a milhares de kms de distância. Quanto a Chernobyl há alguns técnicos que defendem que se deu ali uma explosão nuclear propriamente dita, o que era considerado teoricamente impossível em grupos nucleares. Mas tal é controverso.

2) Quando a Rússia ocupou em Fevereiro deste ano a central de Chernobyl, central que está desactivada desde há anos – apesar de apenas o reactor 4 ter tido o acidente -, também houve o mesmo tipo de desinformação alarmista quanto ao perigo de um novo grande desastre nuclear. É verdade que a central embora desactivada, teria com certeza ainda resíduos radioactivos no seu interior. Todavia, os russos iriam provocar um grande acidente o qual teria como consequência atingir a sua aliada Bielorússia, o Donbass dos seus aliados, a Crimeia e o seu próprio território, além da Ucrânia?

Com a central desactivada não seria possível verificar-se nova explosão de hidrogénio, a menos que fosse reactivada e fossem executadas as manobras necessárias para se produzir o hidrogénio suficiente, o que não é concebível.

Os desastres de Chernobyl e Fukushima vieram mostrar que, quando um grupo nuclear entra em situações anómalas que não são bem conhecidas, nunca se sabe o que vai suceder e, por vezes, a situação descamba, como foi o caso. É uma tecnologia em que não se pode ter confiança total. Muitos acidentes menos graves e pouco divulgados fazem parte do historial da utilização da energia nuclear para produção de energia elétrica. Alguns deles tiveram elevados custos económicos, não só devido à deterioração de equipamentos, mas aos longos períodos de paragem dos grupos nucleares, por vezes alguns anos.

3) Há algum tempo, o “ilustre comentador” da SIC e reputado “especialista em energia nuclear” José Milhazes, disse que a Rússia ocupara a central de Zaporijia, podendo, então, pela sua acção, verificar-se como que uma “explosão nuclear”, com terríveis consequências. Outros disseram que poderia verificar-se uma explosão 10 vezes superior à de Chernobyl!

Referiu, então, que a indisponibilidade do sistema de arrefecimento de um grupo poderia originar tal situação.

É verdade que quando o arrefecimento do núcleo deixa de se fazer, a sua temperatura sobe incontrolavelmente, a água é dissociada dando hidrogénio e, se se verificar a ocorrência de alguma faísca, este gás pode explodir com maior ou menor violência consoante a quantidade acumulada. O que acontecerá, certamente, é dar-se a fusão do núcleo, o qual acaba por mergulhar na terra, podendo logo aí produzir danos ambientais muito graves. Uma fusão parcial do núcleo verificou-se na central estadunidense de Three Mile Island em 1979. O mesmo em Chernobyl e Fukushima.

Primeiro, é muito improvável que os russos, que conhecem bem a exploração de grupos nucleares, quisessem provocar essa situação pois, como já se afirmou, tal acidente iria provocar danos gravíssimos e irreparáveis nas populações das regiões já referidas, além de contaminarem as terras e instalações que certamente pretendem utilizar de futuro, se vierem a dominar a zona que agora já controlam e que parece ser o seu objectivo.

Segundo, alguns grupos ou todos os da central ficariam destruídas como o grupo 4 de Chernobyl e não poderiam utilizá-la futuramente.

Terceiro. é mais provável que os russos queiram controlar a produção de energia eléctrica da Ucrânia, fundamental para a sua economia e para consumo da população. É até estranho como até agora não a desligaram da restante rede eléctrica.

Quarto, a Agência Internacional de Energia Atómica (cujas funções foram atrás explicadas) foi chamada pelos russos para fazer a sua fiscalização, iniciativa que teve a oposição do Governo de Kiev.

A central de Zaporijia tem 6 grupos nucleares de 1.000 MW cada, do tipo VVER (água sob pressão, um dos vários tipos de reactores existentes, mas predominante no mundo), de fabrico soviético, é a maior da Europa, foi construída em tempos da União Soviética, com 5 grupos entrando em funcionamento de 1985 até 1989 e o 6º em 1996. A União Soviética, além dos seus muitos reactores, construiu reactores na Finlândia, Checoslováquia, Hungria, Bulgária, Lituânia, Ucrânia.

 

Em resumo: muita atenção aos comentadores que falam sobre tudo e, afinal, nada sabem.

No entanto, estão  dispostos a alarmar gente crédula, pouco sabedora e mal informada.

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