Dedico esta série de textos à memória de dois amigos meus, António Mateus e Arnaud Lantoine, dois professores para mim de referência, um que trabalhou na Escola Secundária D. Dinis, e o outro foi professor na Alliance Française e tradutor- interprete de conferências, ambos vítimas de doença prolongada. Dois professores que no seu campo de trabalho se bateram pela dignificação do ensino. Bem hajam, é o que posso dizer, em forma de definitiva despedida. A série é constituída por um texto de Introdução e seis textos. Hoje publicamos o texto 3, OA nazificação do ensino americano, de Henry Giroux.
JM |
Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
20 m de leitura
Texto 3. A nazificação do ensino Americano
Publicado por em 22 de Julho de 2022 (original aqui)

“… se tudo isto não é fascismo, reconheçamos que se parece muito com ele” – Eduardo Galeano.
A visão de DeSantis sobre a Educação como Fábrica de Propaganda
A crise da educação nos Estados Unidos apresenta não só um perigo para a democracia americana, mas avança também com as bases ideológicas e estruturais para a emergência de um Estado fascista. O resvalar para a ilegalidade e o autoritarismo é agora auxiliado e estimulado por políticas educativas repressivas e distópicas, ligadas ao controlo social e à morte da imaginação social. Uma catástrofe inimaginável caracteriza agora a forma como a educação americana está a ser moldada por políticos de extrema-direita do Partido Republicano. Em lado nenhum isto é mais evidente do que nas políticas do Governador Republicano [da Flórida] Ron DeSantis, que está na vanguarda da transformação da educação americana num instrumento de propaganda feroz para produzir e legitimar o que é eufemisticamente chamado “educação patriótica”. A coerção, a conformidade e as formas tóxicas de fundamentalismos religiosos, políticos e económicos ameaçam agora destruir a educação como uma esfera pública democrática, por mais fraca que esta seja. As instituições de aprendizagem a todos os níveis nos estados vermelhos (Estados predominantemente republicanos) estão a tornar-se laboratórios para o que eu chamo a nazificação da educação americana, replicando pedagogias de repressão que estavam a funcionar na Alemanha nos anos de 1930.
O mesquinho de extrema-direita DeSantis e os seus aliados republicanos inverteram uma ideia retirada do famoso e falecido educador John Dewey que reconhecia que a política exigia julgamentos informados, diálogo público, direito à discordância, troca de opiniões, discriminação judiciosa, e a capacidade de discernir a verdade a partir de mentiras. Em vez de defender estes elementos democráticos da educação como centrais para criar cidadãos com uma mente aberta e com vontade de se envolverem numa cultura de questionamento a fim de expandir e aprofundar as condições necessárias para uma democracia florescente, DeSantis e o Partido Republicano estão a fazer tudo o que podem para remover tais práticas tanto das escolas como de outros aparelhos culturais que funcionam como máquinas de ensino. Em tais circunstâncias, DeSantis e o Partido Republicano estão a produzir o que Dewey afirmou ser o “eclipse do que é público”, eclipse que Dewey considerava ser a mais grave ameaça ao destino da democracia [1]. DeSantis pôs em prática uma série de políticas educativas reacionárias. Estas incluem a proibição de livros e teoria racial crítica, exige que os educadores assinem juramentos de lealdade, e força-os a publicar o seu programa de estudos online. Também instituiu legislação que restringe a titularização no cargo e permite que os estudantes filmem aulas de professores sem o seu consentimento, e muito mais. [2]
Estas leis visam não apenas as minorias de classe e de cor, mas este ataque do partido Republicano à educação faz parte de uma guerra mais vasta contra a própria capacidade de pensar, questionar e envolver-se na política a partir do ponto de vista da crítica, da informação e da vontade de responsabilizar o poder. Mais genericamente, faz parte de um esforço concertado não só para destruir a educação pública, mas as próprias fundações da Instituição Pública [3]. DeSantis representa uma perigosa ameaça ao ensino superior, que ele gostaria de transformar “numa zona morta por matar a imaginação social, um lugar onde as ideias que não têm resultados práticos morram e onde professores e estudantes são punidos através da ameaça da força ou de duras medidas disciplinares por se exprimirem, envolverem-se em discussões e responsabilizarem o poder” [4]. Neste caso, a tentativa de minar a escolaridade como bem público e esfera pública democrática é acompanhada por uma tentativa sistémica de destruir a capacidade de pensamento crítico, compaixão pelos outros, alfabetização crítica, testemunho moral, apoio ao pacto social e à imaginação cívica. DeSantis justifica estes atos de repressão afirmando que “as escolas da Florida tornaram-se fábricas do socialismo” e que os estudantes de todos os níveis de ensino não devem ser sujeitos a material de sala de aula que os deixaria desconfortáveis [5]. Este é o código para uma pedagogia da repressão que se deleita no engano, mata a imaginação social, despolitiza os estudantes e transforma as escolas em máquinas de punição militarizadas, fábricas de propaganda, e componentes do estado de segurança-vigilância. Em muitos aspetos, a abordagem do Partido Republicano e de DeSantis à educação não é diferente do que Putin está a fazer na Rússia. Como um alto funcionário burocrata do Kremlin, Sergei Novikov, disse recentemente, o objetivo de Putin é “transmitir a ideologia do Estado às crianças em idade escolar…. Precisamos de saber como infetá-las com a nossa ideologia. O nosso trabalho ideológico destina-se a mudar a consciência” [6]. De facto! Max Boot, escrevendo no The Washington Post, argumenta que as políticas educacionais de DeSantis representam “um dos ataques mais alarmantes à liberdade de expressão e à liberdade académica [e revelam] um padrão preocupante de autoritarismo e vingança que o tornaria extremamente perigoso na Sala Oval” [7] .
As políticas de DeSantis têm sido particularmente cruéis e repressivas no que respeita a punir os jovens marginalizados pela sua raça, religião e orientação sexual. Ele expandiu o seu ataque contra os negros, forçando políticas que traduzem “discursos de ódio em propostas de leis que fariam dos miúdos transexuais párias da sociedade” e fez da homofobia uma força motriz da sua política [8]. Ele partilha o legado vergonhoso de Trump e de outros políticos republicanos de extrema-direita que acreditam que a ameaça de violência, se não o seu uso real, não só é a melhor forma de resolver questões em nome do oportunismo político, mas também equivale a uma demonstração de patriotismo [9]. As políticas de DeSantis cheiram a medo, intimidação e ameaça de violência contra os seus críticos, especialmente para os educadores, professores, pais, jovens e grupos comunitários que rejeitam os seus ataques à educação pública e à sua legislação anti-gay. As suas políticas estão também em consonância com a violência expressa por fascistas cristãos como Joe Ottman, fundador da Faith, Education, and Commerce United, que, como Paul Rosenberg observou, “declarou no seu programa, Conservative Daily, que os professores estão “a recrutar crianças para serem gays” e que os professores LGBTQ deveriam ser “arrastados atrás de um carro até os seus membros caírem” [10]. “Há poucas dúvidas de que tais medidas ecoam a infame histeria anticomunista que faz lembrar os dias negros do período macarthista nos anos 50, quando milhares de pessoas foram banidas dos seus empregos por terem opiniões de esquerda e, em alguns casos, foram presas. O modelo político e reacionário de DeSantis está intimamente relacionado com os ataques à educação e à história que tiveram lugar na Alemanha nazi, um ponto que é quase completamente esquecido pela imprensa dominante e progressista ao analisar a guerra de DeSantis à educação.
Educação na Alemanha nazi
A educação sob o Terceiro Reich oferece uma compreensão significativa de como as formas repressivas de pedagogia se tornam centrais para moldar as identidades, os valores e as visões do mundo dos jovens. As políticas educativas nazis também tornaram visível como, em última análise, a educação é sempre política, na medida em que é uma luta sobre a Instituição Pública, a ideologia, o conhecimento, o poder e igualmente sobre o futuro. Para Hitler, a doutrinação, a educação e a formação da consciência coletiva dos jovens eram elementos integrantes do governo e da política nazis. Em Mein Kampf, Hitler afirmou que “Quem tem a juventude tem o futuro”. De acordo com Lina Buffington e os seus co-autores, Hitler considerava esta batalha para doutrinar a juventude como parte de uma estratégia mais ampla de controlo nazi sobre a educação.
Como Hitler escreveu em Mein Kampf, a Alemanha precisa de um “regime educacional [onde] os jovens não aprenderão mais nada senão como pensar alemão e agir alemão… E nunca mais serão livres, não em toda a sua vida” [11] Sob este regime, a educação foi reduzida a uma forte máquina de propaganda cujo objetivo era doutrinar os jovens com “obediência robótica às ideologias nazis”, enquanto privilegiava a força física, a instrução racial, e o fanatismo nacionalista [12]. Ao mesmo tempo, a forma mais valorizada de conhecimento sob o sistema educacional nazi punha em realce uma pedagogia de pureza racial.
A consciência racial foi um objetivo pedagógico crucial que foi utilizado tanto para unificar os jovens como para obter lealdade política baseada na honra nacional e num “fanatismo nacionalista em ascensão” [13]. Para atingir este objetivo e reduzir a resistência à ideologia fascista, os livros de história foram censurados, proibidos, destruídos e reescritos para se alinharem com a ideologia nazi. Qualquer conhecimento ou informação considerada perigosa foi não só eliminada dos livros e dos currículos, mas também purgada “de bibliotecas e livrarias”[14] .
A educação nazi foi concebida para moldar as crianças em vez de as educar. As raças consideradas “inferiores” e “menos dignas” foram banidas das escolas enquanto qualquer referência positiva a elas e à sua história foi eliminada dos livros de história e de outros materiais curriculares. O sistema educativo nazi era profundamente anti-intelectual e criou modos de pedagogia que minavam a capacidade dos estudantes de pensar por si próprios. Como sublinharam os escritores de O Holocausto explicado, os nazis “tinham como objetivo desintelectualizar a educação: eles não queriam que a educação motivasse as pessoas a fazer perguntas ou a pensar por si próprias. Acreditavam que esta sua abordagem instilaria obediência e crença na visão do mundo nazi, criando a geração futura ideal” [15]. Transformar as escolas nazis em fábricas de propaganda funcionou através de uma maquinaria pedagógica plena de conformidade, censura, repressão e doutrinação. O ataque aos professores também teve lugar através de esforços nazis para encorajar estudantes e professores leais a espiar aqueles considerados politicamente pouco fiáveis. Pior ainda, professores que não apoiavam nem a ideologia nazi nem a reestruturação da educação foram despedidos juntamente com educadores judeus que foram proibidos de ensinar no sistema educativo nazi [16].
O que os críticos muitas vezes não reconhecem é que a glorificação aberta da raça “ariana” na Alemanha nazi tem os seus homólogos numa série de políticas agora impulsionadas por políticos republicanos como DeSantis. Isto é não apenas visível na teoria da substituição branca e na ascensão da supremacia branca nos Estados Unidos, mas também nas leis de supressão de votos, na eliminação da história dos grupos oprimidos dos currículos escolares, na proibição de livros, e no ataque aos educadores que não concordam com a transformação da educação americana em fábricas de propaganda de direita. Um pouco como temos visto nos Estados Unidos, a educação nazi demonstrou desprezo pelo pensamento crítico, pelo diálogo aberto, por livros capazes de provocar questões críticas, pela capacidade intelectual, e pelos jovens considerados indignos. As comparações são particularmente evidentes sob a liderança de DeSantis com a sua visão profundamente anti-intelectual da escolaridade, com o branquear da história, proibir livros, apoiar a “educação patriótica”, apresentar projetos de lei anti-LGBTQ+ e usar continuamente o medo e a intimidação dirigida a professores, pais e jovens de cor. Um eco particularmente flagrante do passado fascista pode ser visto no atual ataque aos bibliotecários. Cada vez mais, estão a ser assediados, ameaçados e chamados pedófilos por extremistas de extrema-direita, porque têm livros nas prateleiras das suas bibliotecas que tratam dos direitos LGBTQ e da igualdade racial. Alguns censores fascistas de livros chegaram ao ponto de afirmar que os bibliotecários que se recusam a remover livros proibidos estão a “preparar” as crianças para serem exploradas sexualmente e tentaram “procurar acusações criminais contra” os bibliotecários [17].
O modelo do sistema educativo da Alemanha nazi tem muito a ensinar-nos sobre as ideologias que produziram uma sociedade apegada às doutrinas relacionadas da pureza racial, a proibição dos livros, a supressão da memória histórica, o ultranacionalismo e o culto ao homem forte [18]. Sob DeSantis, a supremacia branca, o racismo sistémico e a doutrinação da juventude têm o poder oficial do Estado do seu lado. Os ataques de DeSantis aos jovens considerados indignos (jovens LGBTQ), a sua defesa de padrões académicos mais baixos, sujeitando o corpo docente a testes políticos decisivos através de “pesquisas de diversidade de pontos de vista” destinadas a “recolher provas” sobre o corpo docente não conforme, censurando livros que não seguem as suas tendências ideológicas, racializando o conhecimento, apoiando livros de texto como ferramentas cruciais para a divulgação de propaganda aos estudantes, e controlando as ações dos professores nas salas de aula, todos estes ataques estão intimamente relacionados com o esquema de educação nazi para fazer da educação uma ferramenta de doutrinação e de controlo.
Os horrores do autoritarismo estão de volta apoiados por supremacistas brancos como DeSantis [19]. As longas paixões mobilizadoras do fascismo são evidentes não só numa série de políticas reacionárias do Partido Republicano que se estendem desde a anulação dos direitos reprodutivos das mulheres e do direito de voto, mas também num ataque mais insidioso e menos reconhecido às instituições educacionais da América. Estes ataques equivalem a uma contrarrevolução contra instituições públicas essenciais, contra a ação crítica, a consciência informada, a cidadania empenhada e a capacidade dos indivíduos e de um povo para se governarem a si próprios. No seu cerne, é um ataque tanto à promessa de democracia como à imaginação social.
A educação crítica é o flagelo dos supremacistas brancos, porque oferece um contraponto às práticas educativas de direita que seduzem as pessoas a habitarem as ecosferas do ódio, do fanatismo e do racismo. Tais pedagogias anti-racistas são especialmente importantes devido à ameaça que os supremacistas brancos representam para os jovens brancos, que são especialmente vulneráveis, dado o número de jovens alienados e isolados, sem sentido de vida e excluídos, enquanto carecem também de algum sentido de comunidade. O racismo é aprendido e os supremacistas brancos alistaram várias ferramentas educacionais, particularmente jogos de vídeo em linha, grupos de chat, Tik Tok, e outras plataformas sociais, para promover e alistar os jovens brancos. Ibram X Kendi levanta com razão a questão de como “as crianças brancas estão a ser doutrinadas com opiniões supremacistas brancas, o que as leva a odiar, e como se tornaram o alvo principal dos supremacistas brancos” [20] . Ele assinala um relatório da Liga Antidifamação de 2021 que afirma: “Estima-se que 2,3 milhões de adolescentes por ano são expostos à ideologia branco-supremacista em chats para jogos multijogadores [e] que 17% dos jovens de 13 a 17 anos … encontram pontos de vista brancos-supremacistas nas redes sociais “[21]. Em resposta a esta ameaça fascista, há necessidade de reconhecer a importância política da educação antirracista no ensino aos jovens e em reconhecer as ameaças colocadas pela supremacia branca, como resistir ao racismo em todas as suas formas, como afastarem-se do ódio, e como discernir a verdade das falsidades e o certo do errado [22]. Em referência à ameaça contínua da supremacia branca feita às crianças brancas, com o seu amplo alcance cultural e a presença nas redes sociais, Kendi escreve sobre a importância da pedagogia antirracista. Ele escreve:
Mas como podem as crianças brancas – ou qualquer criança – proteger-se contra esta ameaça se não a conseguem reconhecer? Como podem as crianças repelir ideias de hierarquia, se não lhes foram ensinadas ideias de igualdade? Como podem as crianças distinguir o certo do errado, se não lhes foi mostrado o que é certo e errado? Reconhecendo que “um número crescente de adolescentes americanos está a ser ‘radicalizado’ on line por supremacistas brancos ou outros grupos extremistas”, um artigo publicado pela Associação Nacional de Educação concluiu: “O melhor lugar para evitar essa radicalização são as salas de aula americanas”. [23]
Republicanos como DeSantis reproduzem e aceleram a adoção de opiniões supremacistas brancas entre muitos jovens brancos vulneráveis. Fazem-no censurando ideias críticas, eviscerando a história do seu passado genocida e racista, proibindo livros, impondo constrangimentos degradantes aos professores e, ao fazê-lo, minando as capacidades críticas cruciais para o ensino sobre o racismo sistémico e a sua história à Jim Crow. O ataque de DeSantis ao ensino da história nas escolas extrai grande parte da sua energia da nostalgia do passado, quando os brancos podiam orgulhar-se de uma sociedade em que a brancura era uma marca sem desculpas de privilégio, de desigualdade e de violência estatal. Para DeSantis e os seus aliados do Partido Republicano, o passado é agora ameaçado por pessoas de cor, justificando um “programa político que acusa o presente como um crime contra o passado” [24]. Os seus ataques ao ensino público e superior constituem uma forma de pedagogia do apartheid.
As políticas educacionais fascistas de DeSantis prosperam numa mistura mortal de ignorância e ódio racial. As consequências, ainda que indiretas, são mortíferas, como testemunhámos em vários tiroteios em massa, incluindo o massacre de 10 clientes negros numa mercearia Tops em Buffalo por um jovem racista e auto-proclamado fascista cheio de ódio. À medida que a consciência histórica e os conhecimentos e capacidades críticas desaparecem nas escolas sob as políticas de DeSantis, os jovens não estão simplesmente mal informados, estão e são impotentes para reconhecer no reino da cultura popular como é que os supremacistas estão a usar a história para os seus próprios fins tóxicos. Por exemplo, Jeffrey St. Clair escreve sobre até que ponto grupos de direita como os Proud Boys e os Oath Keepers se apropriaram da imagem do falecido ditador fascista chileno Augusto Pinochet, adornando a sua imagem com “camisas, autocolantes e bandeiras”[25]. No mundo educacional que está a ser produzido por DeSantis e os seus zombies do Partido Republicano, Pinochet seria apagado da história, deixando os jovens ignorantes de como a história pode ser usada para fins fascistas. Neste caso, a repressão educativa está diretamente relacionada com a violência do esquecimento organizado.
Sejamos claros sobre o que está em jogo nas formas de educação fascistas e racistas atualmente em vigor em mais de 36 estados impostas pelo Partido Republicano [26]. Este é um ataque à própria possibilidade de pensar de forma crítica juntamente com as pedagogias e instituições que apoiam a capacidade de pensamento analítico e de julgamento informado como base para a criação de indivíduos informados. Constitui também um verdadeiro ataque não só à teoria racial crítica, mas também à pedagogia crítica em geral. Evidentemente, a pedagogia crítica não se limita à educação anti-racista, faz também parte de um projeto muito mais amplo. É uma teoria pedagógica moral e política cujo objetivo é equipar os estudantes com os conhecimentos vitais, aptidões, valores e sentido de responsabilidade social que lhes permitam ser agentes críticos e empenhados. Neste sentido, isto é o fundamento essencial, independentemente do local onde se realiza, para criar como cidadãos conhecedores e socialmente responsáveis cidadãos necessários para combater todos os elementos do fascismo e do autoritarismo, ao mesmo tempo que se poderá vislumbrar uma ordem social que aprofunda e amplia o poder, os valores democráticos, as relações sociais equitativas, a liberdade coletiva, os direitos económicos, e a justiça social para todos. É precisamente por isso que este fundamento essencial é tão perigoso para os supremacistas brancos, fascistas e forças extremistas que agora conduzem a política nos Estados Unidos.
Embora os tempos em que vivemos pareçam tempos terríveis, vale a pena ter em conta Helen Keller que, numa carta dirigida à juventude nazi, declarou: “A história não lhe ensinou nada se pensa que pode matar ideias. Os tiranos tentaram fazê-lo muitas vezes no passado, mas as ideias revoltaram-se contra eles e destruíram-nos” [27]. Para Helen Keller, a história sem esperança perde-se e abre a porta ao fascismo, enquanto as ideias que se baseiam na história e se combinam com movimentos de massas podem servir para oferecer um modelo de luta contra o fascismo. Ellen Willis constrói sobre o sentido de esperança de Keller quando uma vez exortou a esquerda a tornar-se novamente um movimento de massas. Ao fazê-lo, ela apelou a uma nova linguagem, a uma nova compreensão da educação e de uma política cultural que falasse às necessidades das pessoas. Mais importante ainda, apelou a uma “nova visão do tipo de sociedade que queremos”, juntamente com um movimento de massas capaz de “criar instituições… e novas formas de viver para descobrir como a nossa visão poderia funcionar”[28]. Não só os conhecimentos de Willis foram prescientes para a época como são agora mais urgentes ainda, dado o perigo crescente do fascismo que ameaça engolir e destruir os últimos vestígios de uma democracia já enfraquecida nos Estados Unidos.
“Quero agradecer a Robin Goodman pelo seu olhar atento ao fornecer-me recursos para este trabalho e pela sua incrível edição”.
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Notas
[1] John Dewey, The Public and Its Problems (Athens, Ohio: Swallow Press, 1954).
[2] Kathryn Joyce, “The guy who brought us CRT panic offers a new far-right agenda: Destroy public education.” Salon [Abril 8, 2022] Online: https://www.salon.com/2022/04/08/the-guy-brought-us-crt-panic-offers-a-new-far-right-agenda-destroy-public-education/
[3] Sobre este tema, ver a excelente série de artigos de Kathryn Joyce: Kathryn Joyce, “Republicans Don’t Want to Reform Public Education. They Want to End It.,” The New Republic (September 30, 2021). Online: https://newrepublic.com/article/163817/desantis-republicans-end-public-education; Kathryn Joyce, “The guy who brought us CRT panic offers a new far-right agenda: Destroy public education.” Salon [Abril 8, 2022] Online: https://www.salon.com/2022/04/08/the-guy-brought-us-crt-panic-offers-a-new-far-right-agenda-destroy-public-education/; Kathryn Joyce, “Fighting back against CRT panic: Educators organize around the threat to academic freedom,” Salon, [March 7, 2022]. Online: https://www.salon.com/2022/03/07/fighting-back-against-crt-panic-educators-organize-around-the-to-academic-freedom/
[4] Henry A. Giroux, “Reclaiming the Radical Imagination: Challenging Casino Capitalism’s Punishing Factories,” Truthout (Julho 13, 2014). Online: https://truthout.org/articles/disimagination-machines-and-punishing-factories-in-the-age-of-casino-capitalism/
[5] Amiad Horowitz, “Loyalty oaths for teachers in Florida’s new red scare,”People’s World [June 28, 202) Online: www.peoplesworld.org/article/loyalty-oaths-for-teachers-in-floridas-new-red-scare/
[6] Anton Troianovski, “Putin’s Mission to Indoctrinate Schoolchildren,”New York Times (July 17, 2022), pp. 1, 12.
[7] Max Boot, “DeSantis is smarter than Trump. That may make him ore of a threat,”The Washington Post (July 6, 2022). Online: https://www.washingtonpost.com/opinions/2022/07/06/desantis-starter-disciplined-trump-nixon-danger-democracy/;
[8] Will Bunch, “GOP’s violent, expanding war on LBGTQ kids should make you think about 1930s Germany.” The Philadelphia Inquirer (June 16, 2022). Online: https://www.inquirer.com/opinion/anti-lgbtq-violence-republican-rhetoric-20220616.html
[9] Ruth Ben-Ghiat, “How Trump’s Cultivation of Violence Contributed to Jan. 6,” Lucid (Julho 7, 2022). Online: https://lucid.substack.com/p/how-trumps-cultivation-of-violence?utm_source=substack&utm_medium=email
[10] Paul Rosenberg, “Theocrats are coming for the school board — but parents are starting to fight back,” Salon (Dezembro 19, 2021). Online: https://www.salon.com/2021/12/19/theocrats-are-coming-for-the-school-board–but-parents-are-starting-to-fight-back/
[11] Citado em Lina Buffington, Tamara Martinez, Pat McLaughlin, Jennifer Porter e Nicole Puglia, “The Educational Theory of Adolph Hitler,” New Foundations (Agosto 18. 2011). Online: https://www.newfoundations.com/GALLERY/Hitler.html
[12] Lina Buffington, Tamara Martinez, Pat McLaughlin, Jennifer Porter e Nicole Puglia, “The Educational Theory of Adolph Hitler,” New Foundations (Agosto 18. 2011). Online: https://www.newfoundations.com/GALLERY/Hitler.html
[13] John Simkin, “Education in Nazi Germany,” Spartacus Educational (January 2020 ) Online: https://spartacus-educational.com/GEReducation.htm
[14] Lina Buffington, Tamara Martinez, Pat McLaughlin, Jennifer Porter e Nicole Puglia, “The Educational Theory of Adolph Hitler,” New Foundations (Agosto 18. 2011). Online: https://www.newfoundations.com/GALLERY/Hitler.html
[15] Staff “The Holocaust Explained,” The Wiener Holocaust Library (Março 2020). Online: https://www.theholocaustexplained.org/life-in-nazi-occupied-europe/controlling-everyday-life/controlling-education/
[16] Ver Richard J. Evans, The Third Reich In Power (New York: Penguin 2005), especialmente páginas 263-298
[17] Elizabeth A. Harris e Alexandra Alter, “With Rising Book Bans, Librarians Have Come Under Attack.” New York Times (Julho 8, 2022). Online: https://www.nytimes.com/2022/07/06/books/book-ban-librarians.html
[18] Ver Richard J. Evans, The Third Reich In Power (New York: Penguin 2005); Lisa Pine, Education in Nazi Germany (Oxford, Berg, 2010); Danielle Appleby, “Controlling Information with Propaganda: Indoctrinating the Youth in Nazi Germany,” Dalhousie Journal of Interdisciplinary Management 9: (Spring 2013); Jacob Wilkins, “This Is What Children Learned at School in Nazi Germany,” Lessons from History (February 2022) online: https://medium.com/lessons-from-history/this-is-what-children-learned-at-school-in-nazi-germany-6377a4eabd61
[19] Talia Lavin, “Why Transphobia is at the Heart of the White Power Movement.” The Nation [Agosto 18, 2021]. Online: www.thenation.com/article/society/transphobia-white-supremacy.
[20] Ibram X. Kendi, “The Danger More Republicans Should Be Talking About,” The Atlantic (Abril 16, 2022). Online: https://www.theatlantic.com/ideas/archive/2022/04/white-supremacy-grooming-in-republican-party/629585/
[21] Ibid. Kendi, The Danger More Republicans Should Be Talking About.”
[22] Escrevi largamente sobre estes temas. Ver mais recentemente, Henry A. Giroux, On Critical Pedagogy, segunda edição (London: Bloomsbury, 2020); Henry A. Giroux, Race, Politics, and Pandemic Pedagogy (London: Bloomsbury, 2021), e Henry A. Giroux, Pedagogy of Resistance (London: Bloomsbury, 2022).
[23] Ibram X. Kendi, “The Danger More Republicans Should Be Talking About,” The Atlantic (April 16, 2022). Online: https://www.theatlantic.com/ideas/archive/2022/04/white-supremacy-grooming-in-republican-party/629585/
[24] Geoff Mann, “Is fascism the Wave of the future?,” The New Statesman (Fevereiro 11, 2022).
[25] Jeffrey St. Clair, “When History Called on the General,” Counterpunch+ (Julho 10, 2022). Online: https://www.counterpunch.org/2022/07/10/when-history-called-on-the-general/; ver também, Ariel Dorfman, “Stumbling on Chilean Stones—and Chilean History,” The Nation (Janeiro 27, 2022). Online: https://www.thenation.com/article/world/chile-history-pinochet-boric/
[26] Cathryn Stout and Thomas Wilburn, “CRT Map: Efforts to restrict teaching racism and bias have multiplied across the U.S.,” Chalkbeat (Abril 2021). Online: https://www.chalkbeat.org/22525983/map-critical-race-theory-legislation-teaching-racism
[27] Dimitris Kant, “A letter from Hellen Keller to Nazi youth.” Katiousa [May 13, 2022]. Online: http://www.katiousa.gr/istoria/gegonota/mia-epistoli-tis-elen-keler-pros-ti-nazistiki-neolaia/
[28] Ellen Willis, Don’t Think, Smile: Notes on a Decade of Denial (Boston: Beacon Press, 1999), p.45.
O autor: Henry A. Giroux [1943-] é um crítico cultural americano e um dos teóricos fundadores da pedagogia crítica nos Estados Unidos. É bem conhecido pelo seu trabalho pioneiro em pedagogia pública, estudos culturais, estudos da juventude, ensino superior, estudos dos media e teoria crítica. O seu trabalho ilustra várias tradições teóricas que vão desde Marx a Paulo Freire e Zygmunt Bauman. É também um firme defensor da democracia radical e opõe-se às tendências antidemocráticas do neoliberalismo, militarismo, imperialismo, fundamentalismo religioso, e aos ataques que ocorrem sob o estado neoliberal sobre o salário social, a juventude, os pobres, e o ensino público e superior. O seu trabalho mais recente centra-se na pedagogia pública, na natureza do espectáculo e dos novos media, e na força política e educativa da cultura global.
É doutorado pela Universidade de Carnegie Mellon. Detém actualmente a Cátedra de Bolsas de Estudo de Interesse Público da Universidade McMaster no Departamento de Estudos Ingleses e Culturais e é o Distinguido Académico Paulo Freire em Pedagogia Crítica. Os seus livros mais recentes são America’s Education Deficit and the War on Youth (Monthly Review Press, 2013), Neoliberalism’s War on Higher Education (Haymarket Press, 2014), The Public in Peril: Trump and the Menace of American Authoritarianism (Routledge, 2018), e American Nightmare: Facing the Challenge of Fascism (City Lights, 2018), On Critical Pedagogy, 2ª edição (Bloomsbury), e Race, Politics, and Pandemic Pedagogy: Education in a Time of Crisis (Bloomsbury 2021). O seu website é www. henryagiroux.com.