in: pt.wikipedia.org
Carta Aberta
Ferrovia, alavanca de desenvolvimento económico
O Governo apresentou o seu Plano Ferroviário Nacional com o objectivo expresso de obter o maior apoio dos Portugueses e da Assembleia da República. Como a seguir se justifica, não tem e não terá o apoio dos subscritores desta carta aberta, que desde há vários anos se vêm batendo por sensibilizar a União Europeia e o Presidente da República, que então nos recebeu e a quem entregámos o Manifesto “Portugal – Uma Ilha Ferroviária na União Europeia” em que o País estava (e continua) a transformar-se, explicando a gravidade para a economia portuguesa da estratégia em que se baseia o PFN atualmente em discussão pública.
Igualmente, há anos que tentamos sensibilizar o Governo, a Assembleia da República e os partidos para a realidade de que a política ferroviária da última década e o PFN não cumprem, antes se opõem aos objetivos europeus de interoperabilidade ferroviária (está regulamentada a conclusão da rede principal até 2030, com inexistência de obstáculos técnicos à circulação de comboios de todas as nacionalidades em todos os países da UE). Objectivos definidos pela União Europeia e requeridos pelas necessidades da economia portuguesa, nomeadamente dos sectores exportadores, de que destacamos as empresas representadas pela AFIA (Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel) responsáveis por 6% do PIB. Note-se que 70% das nossas exportações são para a Europa e destas 80% (em valor) fazem-se por rodovia, o que é um modelo insustentável por razões ambientais e energéticas, além de condenado pela União Europeia.
Os efeitos negativos destas políticas também são visíveis na capacidade de atração do investimento, enquanto em Espanha é bem visível o crescimento do investimento estrangeiro (mais de 30.000 milhões de euros anunciados recentemente), a captação de investimento estrangeiro na indústria portuguesa tem um ritmo menor e não criamos condições para a permanência em Portugal de centros de produção internacionais geradores de valor acrescentado ligados a setores relevantes da indústria global e cruciais no processo de reindustrialização europeu. São fatores que influenciam negativamente a riqueza produzida e o crescimento da economia, com a consequente não criação de novos postos de trabalho, perda de postos de trabalho existentes, redução do poder de compra dos salários e das pensões e dos impostos disponíveis para financiar o SNS, a escola pública e os serviços públicos em geral, ou seja, empobrece e piora as condições de vida do povo português.
O Plano Ferroviário agora apresentado pelo Governo é um plano caseiro, não interoperável com o resto da Europa, desenhado para impedir a entrada em Portugal da concorrência ferroviária europeia, objectivo já expresso pelos anteriores ministros das infraestruturas ao proteger monopólios ferroviários domésticos e, principalmente, ao condenar as exportações portuguesas à dependência dos centros logísticos que a Espanha tem criado ao longo da nossa fronteira e no País Basco. Trata-se de um plano que mal começou já está atrasado dois anos, e que agora novos avanços da tecnologia ferroviária mundial, nomeadamente o transporte de camiões e semirreboques de mercadorias em plataformas ferroviárias como já há anos se vem fazendo na Europa, um plano que engana os portugueses sobre o conceito de Alta Velocidade e continua a apostar no transporte rodoviário de mercadorias com destino à Europa, que vai ser cada vez menos competitivo.
Acresce que, contrariamente ao que tem sido realizado no país vizinho e nos países do Leste Europeu, no sentido de adequar as suas ferrovias à ligação entre todos os países da União Europeia, conforme apoiado por Bruxelas com centenas de milhares de milhões de euros, o Governo português propõe-se investir na chamada modernização da nossa ferrovia do século XIX, sempre e só em bitola ibérica, com a promessa de no futuro (que agora é 2050) voltar a realizar novos investimentos, com vista, finalmente, à adoção da bitola europeia. Trata-se de uma visão egocêntrica de duplicação de investimentos, que sendo muito elevados se fazem para durarem muitos anos, provavelmente um século e não os vinte anos previstos neste plano governamental.
E, até lá, a nossa economia vai perdendo competitividade e o País vai empobrecendo. Não será preferível antecipar a nossa interoperabilidade, em vez de estar a adiá-la?
A estratégia oficial, apesar de declarações confiantes em isenções de obrigatoriedade da bitola UIC e num bónus de 3 anos para avaliação da viabilidade e elaboração de um plano de migração, conforme previsto na revisão dos regulamentos em curso, corre o risco de fazer Portugal, por falta de projetos credíveis, perder apoios da UE aos investimentos na rede ferroviária de bitola europeia (que podem atingir cerca de 70% do valor a investir).
Tais apoios são concedidos pelo novo programa CEF-2 para o período 2021-2027, que só para a área dos Transportes atinge o valor de € 25,81 bn (mil milhões) em que se inclui €11,29 bn (mil milhões) reservados para os países beneficiários do Fundo de Coesão, como é o caso de Portugal.
Não há ainda confirmação oficial, à data de 22dez2022, da obtenção de fundos comunitários para a linha Lisboa-Porto em bitola ibérica na fase de candidaturas que termina em 18 de janeiro de 2023 (ver CEF pedido info).
Note-se que no período 2014-2020 o governo português previa angariar 1.250 milhões de euros do CEF-Geral (fundos atribuídos com base na qualidade dos projetos) e nem conseguiu um oitavo desse valor. Mas o PFN confirma a estratégia anterior evidenciando a fragilidade dos projetos por serem de vias únicas de bitola ibérica nas duas linhas de tráfego internacional da rede “core”, dificultando a interoperabilidade e as exportações de mercadorias e consequentemente afetando o crescimento da economia. Quanto aos projetos para passageiros, o PFN remete para depois de 2050 a bitola UIC. Não é o que os regulamentos vinculativos dizem (2030) nem a previsível orientação de proibir voos de menos de 500km. Será que o governo português vai conseguir contornar as “guidelines” europeias e obter financiamentos para a linha Lisboa-Porto?
Em resumo, este Plano Ferroviário Nacional, na sua visão retrógrada e nacionalista é um plano fora do seu tempo, não cumpre nenhum dos objetivos definidos pela União Europeia, que são afinal objetivos globais, da Europa à China, de redução do consumo de energias fósseis, da substituição do transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros pela ferrovia, da eliminação do transporte aéreo para distâncias inferiores a mil quilómetros e a limitação em curso do transporte individual a favor do transporte colectivo, não apenas no plano nacional mas global.
Na vida raramente há duas oportunidades para fazer o que está certo. Infelizmente, os governos de Portugal insistem em fazer o que está errado, razão para a estagnação da economia portuguesa ao longo dos últimos vinte anos e do empobrecimento dos nossos concidadãos que, por alguma razão, não veem alternativas para as suas vidas em Portugal. Há anos que muitos de nós disso vimos avisando os governos e as instituições, sem que as opiniões de empresas e empresários, quem gera riqueza, tenham sido consideradas.
Terminamos com um apelo ao Senhor Presidente da República e à Assembleia da República, a quem em tempo já demos a conhecer os erros e limitações das ideias do Governo, para que promovam um debate nacional sobre o plano, um verdadeiro debate livre e consequente, em vez das habituais sessões organizadas pelo Governo e pela empresa IP destinadas aos oradores habituais, alguns dos quais defendiam no tempo de anteriores governos o uso da bitola UIC e agora defendem a manutenção da bitola ibérica.
Com os melhores cumprimentos a V. Exas
Lisboa, 23 de janeiro de 2023
Os signatários
Amaro Reis |
Presidente da APIP (Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos) |
António Andrade Tavares |
Eng. Eletrotécnico, Administrador da Renova-Fábrica de papel do Almonda |
António Poças da Rosa |
Empresário, Presidente da NERLEI (Associação Empresarial da Região de Leiria) |
Carlos Cardoso |
Presidente da ANIMEE (Associação Portuguesa das Empresas do Setor Elétrico e Eletrónico) |
Fernando Castro |
Presidente da AIDA (Associação Industrial do Distrito de Aveiro) |
Jorge Pais |
Presidente da NERPOR-AE (Associação Empresarial da Região de Portalegre) |
Jorge Santos |
Empresário, CEO da Vipex |
José António Barros |
Engenheiro, presidente da Assembleia Geral da AEP |
José Couto |
Presidente da AFIA (Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel) |
José Ribau Esteves |
Presidente da Câmara Municipal de Aveiro |
Luís Miguel Ribeiro |
Presidente da AEP (Associação Empresarial de Portugal) |
Luís Mira Amaral |
Engenheiro e economista, Presidente do Conselho da Indústria da CIP |
Orlando Santos Faísca |
Presidente do NERGA-AE (Núcleo Empresarial da Região da Guarda) |
Rogério Hilário |
Vice-Presidente da CEC/CCIC (Conselho Empresarial do Centro/Câmara de Comércio e Indústria do Centro) |
Rui Espada |
Presidente do NERE (Núcleo Empresarial da Região de Évora) |
Tomás A. Moreira |
Presidente honorário da AFIA |
Vítor Poças |
Presidente da AIMMP (Associação das Indústrias de Madeira e Mobiliário de Portugal) |
António Gomes Marques |
Ex diretor bancário |
Arménio Matias |
Eng. Eletrotécnico, Ex-presidente da ADFER, Ex administrador da CP |
Carlos Sousa Oliveira |
Professor catedrático jubilado do IST |
Fernando Santos e Silva |
Eng. Eletrotécnico |
Fernando Teixeira Mendes |
Eng. Eletrotécnico, Empresário, Ex Administrador Delegado da Sorefame |
Francisco Batel Marques |
Doutorado em Farmácia, professor universitário |
Henrique Neto |
Empresário |
João Correia |
Eng. Civil, empresário |
João Luís Mota Campos |
Ex-Secretário de Estado da Justiça |
Joaquim Polido |
Ex Presidente da Fernave , Ex Presidente da ADFERSIT, Ex quadro superior da CP |
José Almeida Serra |
Economista |
José Augusto Felício |
Professor no Instituto Superior de Economia e Gestão |
José Coutinho |
Gestor de transporte aéreo |
Luís Cabral da Silva |
Eng. Eletrotécnico, especialista da Ordem dos Engenheiros em Transportes e Vias de Comunicação |
Manuel Cidade Moura |
1º Presidente da RAVE |
Manuel Ferreira dos Santos |
Engenheiro Físico e dos Materiais |
Mário Lopes |
Eng. Civil, Professor no TST |
Mário Ribeiro |
Eng. Mecânico |
Pedro Albuquerque |
Engº Aeronáutico |
Pedro Caetano |
Diretor global de multinacional Farmacêutica e Bio-Tecnológica |
Rui Carrilho Gomes |
Professor no IST |
Rui Martins |
Dirigente associativo |
Rui Rodrigues |
Consultor de transportes |
Silvino Pompeu dos Santos |
Eng. Civil, Membro Conselheiro da Ordem dos Engenheiros |
Ventura Leite |
Economista |