Seleção e tradução de Francisco Tavares
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Biden mata a resolução do Senado para acabar com o genocídio no Iémen
Publicado por em 14 de Dezembro de 2022 (ver aqui)
Publicação original por em 14 de Dezembro de 2022 (ver aqui)

O senador Bernie Sanders retirou o seu projecto de lei para acabar com o apoio dos EUA à guerra saudita contra o Iémen, na sequência de relatos de que a administração Biden estava a trabalhar no sentido de chumbar a resolução, tendo os assistentes da Casa Branca alegadamente dito que recomendariam ao presidente que a vetasse.
Dave DeCamp do relata:
“O Senador Bernie Sanders (I-VT) retirou na terça-feira à noite o seu pedido para votar a Resolução de Poderes de Guerra do Iémen que poria fim ao apoio dos EUA à guerra liderada pelos sauditas e ao bloqueio ao Iémen, citando a oposição da Casa Branca ao projecto de lei.
Sanders disse no Senado que foi informado, antes da votação prevista, da oposição da administração à legislação, o que significa que o Presidente Biden vetaria a resolução. O Intercept informou no início do dia que a Casa Branca estava a pressionar os senadores para votarem contra o projecto de lei, e os democratas manifestaram-se no início de 3ª feira contra a resolução de Sanders, incluindo o Senador Alex Padilla (D-CA).
A justificação de Sanders para não realizar a votação foi que a administração alegou que iria trabalhar com o Congresso para pôr fim à guerra no Iémen. Ele disse que a Casa Branca queria “trabalhar connosco na elaboração de uma linguagem que fosse mutuamente aceitável” e insistiu que se isso não acontecesse, ele retomaria os seus esforços para acabar com a guerra através de uma resolução.
Mas mesmo que a Casa Branca queira realmente envolver-se com o Congresso na questão, ou se Sanders optar por reintroduzir a resolução, o plano levará tempo, o que os iemenitas não têm. Tem havido uma cessação da violência no Iémen, sem ataques aéreos sauditas desde Março, mas tem havido um aumento recente dos combates no terreno“.
Provavelmente também vale a pena notar que esta administração tem mentido constantemente sobre as suas intenções de pôr fim a esta guerra, com Biden a fazer campanha sobre a promessa de trazer a paz ao Iémen e fazer um “pária” do Príncipe Herdeiro Mohammed Bin Salman, dando depois a volta e mantendo a guerra, enquanto cumprimentava o príncipe herdeiro com um amigável choque de punhos antes de uma reunião em que os dois líderes coordenavam a intimidade contínua dos seus governos.

“Hoje, retirei da consideração do Senado dos EUA a minha Resolução de Poderes de Guerra após a administração Biden ter concordado em continuar a trabalhar com o meu gabinete para pôr fim à guerra no Iémen”, disse Sanders no Twitter. “Deixem-me ser claro. Se não chegarmos a acordo, eu, juntamente com os meus colegas, trarei esta resolução de volta para uma votação num futuro próximo e farei tudo o que estiver ao meu alcance para pôr fim a este horrível conflito“.

“Nessa altura, a Câmara, sob controlo do Partido Republicano, bloqueará os vossos esforços”, respondeu o antigo congressista Justin Amash. “Mas já sabe isso. Tal como a administração Biden já o sabe, e é por isso que não querem que passe esta resolução conjunta agora, quando toda a pressão está sobre o presidente, porque o seu partido controla actualmente”.
“O que estou a reconhecer é que tanto os Republicanos como os Democratas no governo são viciados na guerra”, acrescentou Amash. “Eles estão a jogar um jogo. Quando Trump era presidente, todos sabiam que ele não assinaria uma resolução conjunta do Iémen, pelo que esta passou no Congresso. Biden tem de fingir que a assinaria, por isso precisa que o Congresso a bloqueie”.
De facto, parece ter sido tomada a determinação de que a guerra no Iémen era demasiado importante para que o seu resultado fosse deixado ao ramo legislativo. Há muito que os peritos reconhecem que as atrocidades em massa naquela nação devastada pela guerra teriam de terminar se os EUA e os seus aliados deixassem de ajudar os militares sauditas a perpetrá-las, e Biden poderia tê-lo feito no primeiro dia da sua presidência, mas, como Alex Ward, do Vox, afirmou no ano passado, “ao fazê-lo, arriscar-se-ia a perder Riade como parceiro regional chave”. A Arábia Saudita desempenha um papel fundamental tanto nos interesses dos combustíveis fósseis americanos como na luta contra o Irão, e isso é claramente um activo geoestratégico que Washington não está disposto a abdicar.
Por isso, agora estamos a enfrentar um cenário em que, no melhor dos casos, ou (A) a pior atrocidade em massa na terra continua por muito mais tempo do que aconteceria se o projeto de lei de Sanders tivesse sido aprovado, ou (B) obtemos uma versão suavizada da resolução. E, claro, há também o cenário em que nenhuma destas coisas acontece e o massacre continua completamente inalterado.

Nas vésperas da votação, Daniel Boguslaw e Ryan Grimm, do Intercept, relataram as manobras vindas da Casa Branca para minar a resolução. Uma actualização do seu artigo sobre o projecto de lei diz o seguinte:
“A Casa Branca, de acordo com fontes envolvidas na luta pela resolução, está a pressionar os senadores a votarem contra a resolução. A Casa Branca argumenta que um voto a favor é desnecessário porque, apesar do fim do cessar-fogo, ainda não foram retomadas hostilidades significativas, e a votação complicaria a diplomacia. Argumentam também que Biden fez progressos significativos na redução da violência e na reabertura de portos e aeroportos, pelo que o seu julgamento deve ser respeitado e a resolução rejeitada. E, finalmente, a Casa Branca advertiu que alguns dos argumentos apresentados poderiam complicar o esforço para apoiar a Ucrânia na sua guerra contra a Rússia. Um porta-voz da Casa Branca não respondeu imediatamente a um pedido de comentários”.
Portanto, os esforços para acabar com a guerra no Iémen precisavam de ser sabotados porque poderiam complicar a guerra por procuração dos EUA contra a Rússia? Essa é uma lógica interessante.
Jamal Benomar, um antigo sub-secretário-geral da ONU que serviu como enviado especial para o Iémen até 2015, disse a Ken Klippenstein, do The Intercept, que nem sequer houve diplomacia por parte da administração Biden para que o projecto de lei venha “complicar” o que seja, o que, a ser verdade, significaria que toda a alegação da Casa Branca é falsa. “Não tem havido qualquer progresso diplomático”, disse ele. “Não houve nenhum processo político, nenhuma negociação, ou mesmo a sua perspectiva. Portanto, uma guerra total pode ser retomada a qualquer momento”.
É difícil encontrar numa palavra para descrever tudo isto para além de “maldade”. Se intervir para assegurar a contínua fome em massa de crianças e o massacre militar em massa de civis não é maligno, então nada é maligno. Na verdade, é difícil pensar em algo mais maligno.

A isto poderia chamar-se um crime tripartidário, com os democratas, os republicanos e o independente Sanders a desempenharem, cada um deles, um papel na garantia de que a guerra no Iémen continua. O libertário Scott Horton, um dos mais virulentos críticos do papel dos EUA na guerra, teve palavras duras para os republicanos supostamente anti-intervencionistas por não fazerem mais nesta frente.
“Eu culpo Rand Paul”, tuitou Horton. “É suposto ele ser o jovem Ron no Senado, e com mais vontade de fazer barulho. Ele poderia ter sido sempre o campeão desta resolução. Sabemos que ele sabe sobre a guerra. Por ele tivemos que confiar em Bernie Sanders e nos seus amigos para sequer tentar. Mike Lee também. Não houve um único co-patrocinador do Partido Republicano no Senado. Nem um”.
É seguro dizer que, numa nação que serve como centro de um império que se mantém unido com a violência sem fim e a ameaça dela, qualquer um que ascenda a um certo nível de poder em qualquer partido terá de ser, até certo ponto, um servo de massacres militares em massa.
É por isso que os esforços para salvar o Iémen continuam a ser obstruídos, é por isso que a promessa de Biden de acabar com essa guerra acabou por ser uma mentira, é por isso que a máquina de guerra dos EUA continua a expandir-se, é por isso que as agressões continuam a acelerar contra a Rússia e a China, e pode acabar por ser a razão pela qual a espécie humana seguiu o caminho dos dinossauros.
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A autora: Caitlin Johnstone é uma jornalista independente e rebelde de Melbourne (Austrália), apoiada pelos seus leitores. É a autora do livro de poesia ilustrado “Woke: A Field Guide For Utopia Preppers.”