A Guerra na Ucrânia… e a guerra do Iraque — “Os neoconservadores da era Bush deveriam estar calados sobre o Iraque (e sobre tudo o resto)” . Por Caitlin Johnstone

Seleção e tradução de Francisco Tavares

10 min de leitura

Os neoconservadores da era Bush deveriam estar calados sobre o Iraque (e sobre tudo o resto)

É absolutamente insano que as pessoas que ajudaram a desencadear o horror que foi a Guerra do Iraque não só não estejam na prisão, como sejam activamente enaltecidas e celebradas nas plataformas mais influentes do mundo ocidental.

Por Caitlin Johnstone

Publicado por em 18 de Março de 2023 (original aqui)

Publicação original por   (ver aqui)

 

David Frum e Max Boot, dois neoconservadores que ajudaram a lubrificar as rodas para a invasão do Iraque, têm algumas ideias que gostariam de partilhar connosco à medida que nos aproximamos do 20º aniversário (no domingo) dessa guerra horrível e imperdoável. Ambas estas perspectivas podem ser lidas em publicações amplamente estimadas, porque todos os responsáveis por infligir essa guerra à nossa espécie gozaram até hoje da influência e estima da corrente dominante.

Ambos os homens reconhecem, à sua maneira, que a guerra foi um erro, ao mesmo tempo que aclamam a guerra por procuração dos EUA na Ucrânia, que aproximou a humanidade do armagedão nuclear como nunca tinha estado desde a Crise dos Mísseis Cubanos. Ambos os homens misturam as suas retrospectivas da Guerra do Iraque com a apologia da guerra, revisionismo histórico, e puras e simples mentiras. E ambos os homens deveriam calar a boca. Sobre tudo. Para sempre.

O artigo de Frum é publicado no The Atlantic, onde ele é editor sénior, e intitula-se “The Iraq War Reconsidered“. A Frum é atribuída a autoria do infame discurso de George W. Bush sobre o “Eixo do Mal”, que marcou o início de uma era sem precedentes de expansionismo militar dos EUA e de “intervenções humanitárias” em nações de valor geo-estratégico após o 11 de Setembro.

Logo na segunda frase do seu artigo, Frum abre com uma absoluta mentira, dizendo que “um arsenal de bombas e ogivas de guerra química” foram descobertas no Iraque para sugerir que a narrativa das armas de destruição maciça tinha sido provada como sendo pelo menos um pouco verdadeira. Como Jon Schwartz, do The Intercept, explicou em 2015, as únicas armas químicas no Iraque eram ou (A) munições seladas em bunkers num complexo de armas iraquiano por inspectores da ONU nos anos noventa e deixadas lá porque eram demasiado perigosas para serem movidas, ou (B) algumas munições antigas que tinham sido perdidas e esquecidas após a Guerra Irão-Iraque. Em nenhum destes casos é verdade que Saddam Hussein escondia quaisquer armas de destruição massiva.

Frum alega que “Os Estados Unidos entraram em guerra para construir uma democracia no Iraque”, que é um conto de fadas infantil em que só idiotas e crianças acreditam. O Iraque foi invadido porque era uma nação rica em petróleo, numa região geo-estratégicamente crucial, cujo líder não tinha servido suficientemente os interesses energéticos dos EUA. Provavelmente não ajudou o facto de estar também a avançar para novamente normalizar as relações com o Irão.

Frum afirma hilariantemente que “o que os EUA fizeram no Iraque não foi um acto de agressão não provocado”, e mostra que não aprendeu absolutamente nada sobre nada ao criticar a administração Obama por não ter invadido a Síria para impor “as suas próprias linhas vermelhas declaradas” sobre as alegadas armas químicas.

Frum começa o artigo chamando à guerra “um erro grave e oneroso”, mas no final, ele já voltou completamente atrás, ao falar efusivamente sobre o muito que melhorou a situação dos iraquianos. Diz que “o ISIS foi destruído no Iraque e reduzido a uma pequena base na Síria” e que “o terrorismo jihadista recuou em todo o Médio Oriente árabe”, e que a “estabilidade” subsequente teve “benefícios económicos” para os iraquianos, com o aumento das exportações de petróleo.

Frum afirma de modo fantasista e infalsificável que as coisas teriam sido igualmente más para os iraquianos se os EUA não tivessem invadido o país, dizendo “Parece-me muito duvidoso que o Iraque tivesse um futuro alternativo muito melhor para o país e o seu povo”. [Para começar, centenas de milhares de iraquianos ainda estariam vivos].

“Por imperfeita que seja agora a governação iraquiana, graças à intervenção dos EUA, o país tem pela primeira vez na sua história independente um sistema político que é, em certa medida, responsável perante o seu povo”, escreve Frum.

Frum fecha com um parágrafo que continua o longo e contínuo padrão do The Atlantic de produção de artigos de opinião que utilizam a guerra na Ucrânia para reabilitar a imagem dos neoconservadores:

“A invasão da Ucrânia recordou algo aos povos das democracias ocidentais. Há momentos em que as pessoas livres devem lutar para se defenderem. Essa verdade não deve ser perdida, quaisquer que sejam as lições que retiremos da Guerra do Iraque. E talvez o compromisso de partilhar essa liberdade com o povo do Iraque também ainda não esteja perdido. Eles ganharam uma oportunidade, e a sua história ainda não acabou”.

O artigo de Max Boot intitula-se “What the Neocons Got Wrong“, e está publicado em Foreign Affairs. Boot foi um dos primeiros defensores influentes da invasão do Iraque, escrevendo um ensaio agora inédito para o Weekly Standard neoconservador intitulado “The Case for American Empire“, um mês após o 11 de Setembro. O grito de Boot de 2001 apelava a “uma invasão e ocupação americana” do Iraque, prevendo uma vitória rápida e fácil e dizendo que “uma vez deposto Saddam, podemos impor uma regência internacional, liderada pelos americanos, em Bagdade, para se juntar à de Cabul”.

Os sentimentos de Boot sobre o Iraque são hoje mais contritos do que os de Frum, denunciando inequivocamente a guerra e a ideia de promover a democracia pela força militar, mas ainda há muita treta belicista na sua peça no Foreign Affairs.

“Tanto a Coreia do Sul como o Vietname do Sul mereciam ser defendidos da agressão comunista, mas os coreanos mostraram maior habilidade e vontade de lutar pela sua própria liberdade do que os sul-vietnamitas”, proclama Boot, sem que venha a propósito de nada.

“Já não sou um neoconservador”, declara Boot, antes de deixar claro que passou simplesmente do apoio às guerras do partido Republicano para o apoio às guerras do partido Democrata, como a guerra por procuração na Ucrânia. Boot diz que “a Ucrânia satisfaz facilmente as condições” para justificar o intervencionismo dos EUA, e chama ao Presidente Volodymyr Zelensky “uma figura Churchilliana digna do apoio incondicional dos Estados Unidos”.

Apesar da sua denúncia do neoconservadorismo, Boot tem sido um defensor excepcionalmente falcão da mesma guerra por procuração dos Estados Unidos que todos os seus amigos neoconservadores da era Bush têm vindo a apoiar no último ano. Na sua coluna de opinião regular para o The Washington Post, Boot tem sido uma das vozes mais fortes a pressionar para que os EUA despejem armas mais poderosas na Ucrânia, e até fez uma viagem com o Secretário de Defesa dos EUA Lloyd Austin para escrever propaganda de guerra sobre a necessidade de a aliança dos EUA enviar mais tanques para lá.

Mas de maior significado do que as palavras específicas que David Frum e Max Boot publicaram é o facto de que as suas palavras sejam publicadas. É absolutamente insano que as pessoas que ajudaram a desencadear o horror que foi a Guerra do Iraque não só não estejam na prisão, como sejam activamente enaltecidas e celebradas nas plataformas mais influentes do mundo ocidental. Estas aberrações não deveriam poder conseguir empregos de maior influência do que trabalhar atrás de uma caixa registadora, e deveriam ter mais dificuldade em conseguir esses empregos do que os criminosos condenados. Certamente não lhes deveria ser dada uma plataforma para escreverem sobre o próprio crime que ajudaram a orquestrar.

Mas tal é a civilização em que nos encontramos. O império eleva aqueles que servem o império, e marginaliza aqueles que se pronunciam contra ele. David Frum e Max Boot são celebridades de grande alcance, não apesar dos seus delitos do passado, mas exactamente por causa deles. Provaram ser servidores de confiança do império, e o império recompensou-os em conformidade.

Numa sociedade remotamente sã, isto não seria assim. Numa sociedade remotamente sã, tais criaturas seriam consideradas com a mesma repulsa e rejeição que os pederastas. Estas pessoas são piores do que os assassinos em série, porque têm um número de cadáveres com que Jeffrey Dahmer ou John Wayne Gacy só podiam sonhar.

Espero que um dia vivamos numa sociedade que se tenha tornado tão saudável que já não seja aceitável ser um neoconservador.

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A autora: Caitlin Johnstone é uma jornalista independente e rebelde de Melbourne (Austrália), apoiada pelos seus leitores. É a autora do livro de poesia ilustrado “Woke: A Field Guide For Utopia Preppers.”

O seu trabalho é inteiramente apoiado por leitores e o seu sítio é aqui.

 

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