CARTA ABERTA AO SENHOR PRIMEIRO-MINISTRO NO DIA MUNDIAL DO TEATRO DE 2023, por JORGE CASTRO GUEDES, DIRECTOR ARTÍSTICO da SEIVA TRUPE

 

Senhor Primeiro-Ministro,

Não quero crer, nem, estou certo, que o queira V. Exª., que na História do Teatro Português, uma das suas mais importantes estruturas, cuja actividade começa num quadro de luta pela Liberdade e pela Democracia ainda antes do 25 de Abril, a Seiva Trupe, apareça liquidada no ano de 2023, quando completa 50 anos da sua fundação. Uma estrutura que, passado o período do pós-25 de Abril (em que foi sempre apoiada: de Palma Carlos a Vasco Gonçalves e deste a Pinheiro de Azevedo), atravessou, sem discussão sobre o apoio a conceder-lhe, os Governos de Mário Soares, com e sem o apoio do  CDS e até no período de intervenção do FMI, os Governos de iniciativa presidencial, fosse com Mota Pinto ou com Lourdes Pintasilgo, os da AD, fosse liderado por Francisco Sá-Carneiro ou por Freitas do Amaral, os de Cavaco Silva, com ou sem maioria absoluta, os de António Guterres, os de Durão Barroso e Santana Lopes, os de José Sócrates, o de Passos Coelho com intervenção da Troika e o de V. Exª, constituído pela chamada “Geringonça”, tivesse de esperar meio-século por um Governo de maioria absoluta socialista, liderado por V. Exª., para ser morta por garrote financeiro.

Acho-o tão absurdo, tão paradoxal e tão improvável, que prefiro acreditar que se tratou de um acto administrativo, sim, mas que, em política – como disse Mário Soares e muitos outros– tem de, em determinados casos, de ser corrigido por novo acto administrativo que o corrija. E muito embora, ache que em política a obstinação, num Governo não totalitário, se confunde com teimosia, até à data, mesmo quando truculentamente crítico, tive sempre o cuidado de dizer que essa ‘teimosia’ do Ministro da Cultura em nada fazer para o corrigir, me espantava justamente por o ter por um homem esclarecido, inteligente e culto. Prefiro imaginar que é o desconhecimento do que é, de facto, este ícone da cidade do Porto, projectado e reconhecido nacional e internacionalmente.  Faço fé de que se trata de uma infelicidade de quem se precipitou nas palavras e disse a única que nunca se diz em política, como V. Exª. muito melhor do que eu sabe, que é justamente ‘nunca’. E como disse que “nunca mudaria o resultado dos Concursos da DGArtes” está hoje preso à armadilha que a si mesmo montou. Porém, tem ao seu alcance outros instrumentos, sem ter sequer de recuar. Entre muitos procedimentos, tem na mão soluções, a começar pelo Fundo de Fomento Cultural (mas sem neste se esgotar) passíveis de adoptar já, uma vez que nada terão a ver com o procedimento concursal em si e muito menos estão dependentes do desenvolvimento do recurso ao Poder Judicial, a que a Seiva Trupe se negou e também só tem a ver com os referidos concursos.

Situações flagrantemente graves – e abrangentemente assim reconhecidas, até junto do Sr. Ministro, pelas mais diversas personalidades e por petições de milhares e milhares de portugueses, principalmente portuenses – podem ser, assim, prontamente resolvidas. Como no caso histórico da Seiva Trupe e ou de A Barraca, e de outras estruturas, como por exemplo, no campo da coesão territorial, a Filandorra ou A Acta. Aceitemos que a decisão, precipitada ou mal avaliada foi apenas uma falha. E não caiamos na tentação, de terríveis consequências no Mundo, de em nome de um igualitarismo primário esquecer o princípio de que o que é diferente, diferentemente deve ser tratado.

De resto, de coração na mão, reconheço que a Seiva Trupe, e eu também na minha vida, muitas e muitas vezes errámos; e como tal o corrigimos, quando disso nos apercebemos e/ou nos deram a perceber. São flagrantes as alterações dinâmicas e reformistas nos últimos 5 anos, que a Direcção Artística empreendeu, a culminar na reconquista de um espaço próprio de residência, que a estrutura não tinha há quase 9 anos, e onde logo em pouco mais de meio-ano, logrou alcançar, em 16 sessões, uma mediana de 140 a 150 espectadores. E se erros – e muitas dificuldades – houve num passado recente, estes factos mostram à saciedade que se está no bom caminho com a “Política dos 3R: Respeitar o passado, Renovar no presente, Rumar ao futuro”, divisa e praxis adoptadas com toda a determinação, evidência e reconhecimento público.  Por isso, esperamos, com a mesma singeleza, que o Sr. Ministro compreenda que se errar é humano, corrigir o erro é sinal de elevação e – sobretudo em política, mais do que humildade democrática, que o é também – significa uma sublime prova de sagacidade cívica e ética cidadã.

Com todo o respeito que V. Exª e o Sr. Ministro da Cultura me merecem, aguardo, expectante, uma resposta, que, em termos práticos, salve a Seiva Trupe. Seja através do Ministro da Cultura, seja de V. Exª., que sabe ser quem é o responsável último pelas marcas que, na própria cultura também, deixará fica na História.

À disponibilidade, de quem seja, para um esclarecimento completo das minhas próprias afirmações, que não cabem numa carta destas, para elas me ofereço e aguardo com serenidade, mas imensa urgência.

Atentamente,

Castro Guedes

Director Artístico da Seiva Trupe

 

Este artigo de Jorge Castro Guedes foi publicado, como artigo de opinião, no jornal Público, no dia 7 de Dezembro de 2022. Clique abaixo:

Carta aberta ao sr. primeiro-ministro no Dia Mundial do Teatro de 2023 | Opinião | PÚBLICO (publico.pt)

Leave a Reply