UM PASSADO CENTRADO NUMA BASE REVOLUCIONÁRIA
por José de Almeida Serra
A Revolução de 25 de Abril de 1974 marca o início da vida democrática em Portugal. O golpe militar conduzido pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) põe termo ao anterior Estado Novo, vigente desde 1926, propondo-se democratizar a Sociedade, desenvolver o País e encontrar uma solução para a guerra colonial; contudo, havia várias correntes tanto nas forças armadas como no País e que conduziriam a encontros e desencontros, não se tendo chegado à guerra civil, evitada quase por milagre.
O Processo Revolucionário em Curso (PREC) designa, em sentido lato, esse período de actividades revolucionárias, que teve lugar durante a Revolução dos Cravos, iniciada com o golpe militar de 25 de Abril de 1974 e concluída com a aprovação da Constituição Portuguesa, em Abril de 1976, embora tal designação seja frequentemente usada para aludir ao período crítico do Verão Quente de 1975, que culmina com a Crise de 25 de Novembro de 1975 e a instauração da Democracia.
Comentário: também acompanhei, de bastante longe e nunca pretendendo conhecer pormenores, a preparação do 25 de Abril; e apercebi-me de que algo se iria passar quando mandaram um emissário pedir-me o long play do Zeca Afonso, que emprestei sem nada perguntar. Quando mo devolveram deram-me a explicação: o chefe da área de discos do RCP por vezes fechava-a à chave e vários discos tinham determinadas faixas riscadas e irreproduzíveis. Infelizmente, o disco estava lá, e em condições, e foi esse que passou. Obviamente fiquei algo desapontado.
Logicamente, embora tendo sido sempre da esquerda, mas católica, tornara-me um inimigo de Salazar e do Regime e participara em muitas manifestações e actos anti-regime. Militante da JOC e depois da JUC, fui um dos subscritores dos 101 católicos que tomaram posição anti-regime, quando era aluno dos primeiros anos do ISCEF, dado à estampa, em que aparece um José de Almeida Sena, mas que não enganou a Pide. Transcrevo de uma entrevista
“Fernando Rosas – Penso que está a referir-se ao célebre manifesto dos 101?
Nuno Teotónio Pereira – O 101 é mais tarde.
Fernando Rosas – É mais tarde.
Nuno Teotónio Pereira – Sim, sim. O 101 é mais tarde. No contexto diferente e com outras pessoas.
Fernando Rosas – Com outras pessoas. Mas eu queria falar não do 101. Exactamente tem razão, mas do célebre manifesto em que se denunciam os safanões a tempo.
Nuno Teotónio Pereira – Foram dois. Esse a denunciar os crimes da PIDE e o outro a denunciar o conluio entre a Igreja e o Estado.
Fernando Rosas – Portanto, no rescaldo das eleições de 1958.
Nuno Teotónio Pereira – Exactamente.
Fernando Rosas – O Nuno subscreveu outro.”
Julgo que valeria a pena compilar toda a documentação produzida no período revolucionário, incluindo os comunicados produzidos antes de Abril.
Seguir-se-iam vários governos:
J. Salvação Nacional (1974) – A. Spínola
I Governo Provisório (1974) – A. Palma Carlos
II Governo Provisório (1974) – V. Gonçalves
III Governo Provisório (1974-75) – V. Gonçalves
IV Governo Provisório (1975) – V. Gonçalves
V Governo Provisório (1975) – V. Gonçalves (de facto, tratou-se de uma remodelação)
VI Governo Provisório (1975-76) – J. Pinheiro de Azevedo
Alguns comentários em áreas em que tive alguma intervenção
1 – J. Salvação Nacional (1974) – A. Spínola & I Governo Provisório (1974) – A. Palma Carlos
A 25 de abril de 1974, um golpe de Estado, da responsabilidade de um movimento das Forças Armadas Portuguesas liderado por oficiais de patente baixa – na maioria capitães e majores -, derrubou o regime vigente em Portugal, que se revelara incapaz de encontrar uma solução política para o conflito armado com os movimentos de libertação das colónias portuguesas em África. É natural que fossem os oficiais das patentes inferiores – incluindo os milicianos – quem mais sofria com sucessivas mobilizações para conter as acções de guerrilha.
Seguiu-se um processo revolucionário que pretendia pôr em marcha a efetiva democratização da política, a coletivização da economia e a descolonização. Este projeto de revolução popular (PREC) quase desaparece em 25 de Novembro de 1975, que instituiu a democracia parlamentar.
Sem entrar em precisões tenho algumas recordações de períodos/fases que vivi.
Julgo que as questões do PREC, dos golpes e contragolpes estão suficientemente estudadas para acrescentar algo de útil.
Mas envergonho-me das mudanças de camisola, das cobardias e do apoio a causas que sabia não serem as que determinados agentes haviam defendido – por vezes muito activamente – no passado.
E não posso deixar de recordar o primeiro plenário dos indivíduos com quem trabalhava (Banco de Fomento Nacional) que iriam votar os chamados saneamentos da Administração.
Foi no Grémio dos Lojistas quase em frente ao Hotel Altis, a abarrotar, e na mesa estavam cinco indivíduos, dois dos quais não esqueci: um gabara-se, apenas uns meses antes, de ter estado no Congresso da União Nacional (UN) em Tomar, e outro, viríamos a saber posteriormente, era o 1º responsável da UN num dos concelhos da outra banda do Tejo e sempre fora claramente do regime deposto.
Obviamente, disseram-se as costumeiras mentiras – e também muitos na assembleia, com a minúsculo – fizeram o mesmo e denunciaram todas as “maldades” dos administradores a quem sempre haviam lambido os sapatos.
Passou-se à votação: quem se opõe ao saneamento? Silêncio geral e a mesa declara que estavam todos saneados.
Eu lembrei que faltavam alternativas e tiveram que perguntar quem se abstinha. Abstive-me e perguntei se podia fazer uma declaração de voto. Relutantemente disseram-me que podia, desde que curta.
Disse-lhes que considerava que qualquer saneamento tinha de ser individual, dar origem a um processo, possibilitar a apresentação de provas e só depois decidido, sendo que, a haver aplicação de pena, não se poderia aplicar uma pena só: atirar pessoas para o desemprego, mas usar os que para isso fossem capazes em outras funções.
Não me atiraram pela janela porque, depois disto, dez outros tiveram coragem para tomarem a mesma posição.
Fui convidado para representar o Ministro Vieira de Almeida (1º Provisório), juntamente num Conselho de cinco elementos (Finanças, Indústria, BDP, banca – ainda privatizada – e Instituto de Comércio Externo), em órgão então criado chamado Comissão de Apoio às pequenas e Médias empresas, abreviadamente CAPME, que provocaria vários risos humorísticos.
Como seria de esperar, as empresas estavam a cair umas atrás de outras e orientações políticas nenhumas (desculpem: mas tal como hoje). A Comissão tinha meios limitados a um sótão no Terreiro do Paço, dispondo de uma sala grande com uma mesa D. José e cinco cadeiras e, numa outra sala pequena, estava uma mesinha. O colega do ICEP levou a secretária, único apoio que tivemos. Ou seja: seis pessoas e cinco cadeiras e quando estávamos todos alguém tinha de ficar de pé, sem contar que a clientela com quem se falava deveria também ter direito a cadeira.
As visitas às vezes faziam fila e os processos empilhavam-se. Sugeri que os mesmos fossem distribuídos por três grupos: os que, quando lhes cheirava a dinheiro, apareciam sempre; os falidos e ultrafalidos, idem; e finalmente os que com alguma ajuda financeira poderiam sobreviver.
Tal como hoje, inventaram-se esquemas múltiplos para “sacar algum”, só que não havia o rio de dinheiro de Bruxelas. Decidimos tentar identificar “a olho” os que poderiam sobreviver com alguma ajuda e não perder tempo com os restantes.
Eu, como bancário, sabia que os bancos, ainda privatizados, não emprestariam a essas empresas dado o elevado risco e, assim, chegou-se à conclusão de que o Estado deveria conceder um determinado montante para avales para essa finalidade.
Os meus colegas estiveram de acordo e encarregaram-me de redigir uma proposta para levar ao Ministro Vieira de Almeida (tinham passado cerca de duas semanas sobre a encomenda), o que fiz, em manuscrito e chamando-lhe a atenção para o facto de haver ilegalidades no projecto, pelo que conviria fazê-lo passar por um jurista. Definiu-se também o conceito de PME.
O Dr. Vieira de Almeida sorriu e disse-me: o Almeida Serra ainda não percebeu que tudo o que estamos fazendo, a começar pela Revolução, é ilegal porque não temos constituição?
E saiu em DR — no dia seguinte — exactamente o que lhe havia deixado (embora fosse evidente — e especificamente assumida — uma confusão de datas).
E eu continuei a dar apoio pro-bono sem diminuição de responsabilidades directivas no Banco de Fomento, que estava sem comando por terem sido saneados os administradores (lembro e com imensa saudade o Prof. Daniel Barbosa, o Dr. Cotta Dias, o Dr. Santos Loureiro e um outro cujo nome já não recordo: competentes, sabedores, leais, dando sempre cobertura às propostas dos Serviços e insensíveis a pressões políticas, mesmo provenientes de Silva Cunha, Spínola ou Bettencourt Rodrigues).
Cumpre-me dizer que fui administrador do Crédito Predial Português (CPP) ainda privado e do Banco de Fomento Nacional (BFN) depois de nacionalizado e, à parte os Administradores, em nenhum destes bancos houve qualquer saneamento de trabalhadores, nem mesmo daqueles profundamente ligados ao regime anterior (quando muito mudaram temporariamente de funções, mas mantendo categoria e salário).
Se o Documento dos 9, conhecido por DOCUMENTO MELO ANTUNES OU DOS «NOVE», datado de 6/8/75, merece ser relido e reinterpretado à luz da situação actual; o mesmo deveria ser feito com o documento denominado PNDES-Plano nacional de desenvolvimento económico e social, elaborado a pedido do Governo, a um conjunto de personalidades (recordo Victor Constâncio e Rui Vilar e julgo que eram mais três), mas foi de facto um nado-morto, embora viesse a ser formalmente aprovado em Conselho de Ministros (seria editado pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda).
2 – Governo Provisório II (17 de Julho – 30 de Setembro de 1974) Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves; Composição Independente; Partido Socialista (PS); Partido Popular Democrático (PPD); Partido Comunista Português (PCP); Partido da Democracia Cristã (PDC);
Governo Provisório III (30 de Setembro de 1974 – 26 de Março de 1975) Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves; Composição Independente; Partido Socialista (PS); Partido Popular Democrático (PPD); Partido Comunista Português (PCP)
Spínola tentou um golpe revolucionário (Ralis) em 11 de Março, que não teve sucesso e acelerou o PREC, provocando desde logo a nacionalização da banca e dos seguros, em 14 de Março.
A nacionalização da banca foi uma revolução dentro da revolução. Ao decidir nacionalizar a banca e as companhias de seguros, o Conselho da Revolução colocou frontalmente a necessidade, possibilidade e modo de evolução para uma sociedade socialista. Este acto vinha na sequência do processo de radicalização das lutas nas empresas e a crescente intervenção do Estado na economia em constante evolução desde o 28 de Setembro, que se pretendia que fosse uma grande manifestação de apoio a Spínola, mas que redundara em fracasso.
No II Provisório, o Ministro das Finanças, Dr. Silva Lopes, convidou-me para ir ao Ministério. Apanhei o metro para o Rossio, sabia que ele ia tentar convencer-me a aceitar algo e fui pensando nos argumentos para lhe dizer que não.
E assim foi.
A banca estava em turbilhão, tendo já havido intervenção no BIC-Banco Intercontinental Português, onde pontificava um tal Jorge Brito, mas que obrigara o Governo a reforçar a equipa da Administração (recordo o Dr. Medina Carreira e o Dr. Achando Cabral, mas não me lembro de outros que julgo terem estado em funções); e o CPP-Crédito Predial Português actuava em consonância, sendo que da equipa do CPP faziam parte o Dr. Vieira de Almeida que estava a caminho do Governo de Transição de Angola, um outro administrador Dr. Francisco Veloso (?) estava de saída para a CGD e dos restantes (Dr. Vieira Monteiro, tio do indivíduo com o mesmo nome, primeiro falecido com Covid em Portugal, e um engenheiro, cujo nome não recordo e que mais tarde seria administrador de “O Dia”) e porventura outros que iriam sair, mas saíram pelo seu pé.
Ou seja: em pouco tempo fiquei administrador único e tive de convencer os trabalhadores a aceitar a admissão de pessoal especializado do exterior. Obviamente eram contra, a época era de saneamentos, não de admissão de directores, pelo que lhes disse mais ou menos isto: vim para aqui para salvar a empresa e, como vocês se opõem, só me resta sair.
O líder dos trabalhadores – de nome Sérgio – veio ter uma longa conversa comigo e acertámos no seguinte: eu admitiria – Eng. Mascarenhas de Almeida, Dr. Assunção Fernandes e Dr. Felgueiras (entretanto já havia promovido a director o Dr. Seruca Salgado) – e eles fariam um plenário com todas as críticas que entendessem, mas concluindo que por esse acto seria eu o único responsável e responsabilizado.
E assim se fez. E fui administrador único em parte do II e III governos provisórios.
E deixou de haver aumentos de capital do BIC, facultados por empresas com sede num apartamento de Linda-a-Velha que vinham pedir dinheiro ao CPP com aval do BIC (e houve certamente muitos outros “negócios” de que não tive conhecimento).
De tudo se fez um relatório com os devidos elementos de suporte enviado ao Ministério das Finanças e à Alta Autoridade Contra a Corrupção. Em 1975, sendo eu Secretário de Estado das Finanças e responsável pela IGF, chamei o respectivo director perguntando-lhe pela evolução do processo. Informou-me que o mesmo era desconhecido na IGF, pelo que telefonei ao CPP pedindo um novo exemplar, que me foi levado em mão pelo Presidente do CA e que entreguei, em mão e no meu Gabinete, ao principal responsável pela IGF para lhe dar o encaminhamento devido.
Julgo que o referido dossier nunca chegou a tribunal e o ex-homem-forte do BIC (Jorge Brito) seria condecorado em 1976 com a Ordem da Benemerência. Sagrada revolução!!!
Felizmente tinha conseguido uma boa equipa de directores e conseguia fazer quórum no Conselho Geral, que esteve sempre de acordo com as nossas decisões (um dos membros era o Dr. Pereira Coutinho, desde longa data Secretário Geral da Presidência da República e que foi impecável em tudo; ainda esteve com o Presidente Ramalho Eanes).
Mas regressemos às nacionalizações da banca e dos seguros.
Quais foram os bancos nacionalizados? Alguns – BNU, CGD, BDA, BDP – ficavam mais ou menos de fora, bem como o capital estrangeiro na banca privada.
Mas havia que encontrar gestores para os bancos nacionalizados e logo apareceu uma lista oriunda do meio sindical entregue ao Ministro das Finanças. Como e por quem? Não sei ao certo, mas tenho algumas suspeitas.
O Ministro das Finanças do III Provisório – Dr. Silva Lopes – reuniu os administradores por parte do Estado em todos os bancos, seríamos cerca de dezena e meia de pessoas (eu era administrador único no CPP, mas por parte do Estado e lá continuei) e explicitou que fora chamado a Belém sem saber para quê, fez-se acompanhar pelo então SE do Tesouro e, à entrada em Belém, cruzou-se com Melo Antunes que saía e que lhe dissera que estava em total desacordo com tudo aquilo que se estava ali a passar. Assim, entra numa reunião de militares, cuja maioria não conhecia, e toma contacto com a decisão já tomada – nacionalização da banca e dos seguros.
Obviamente, havia que dar seguimento a esta decisão e nomear novos gestores (a palavra administrador tornara-se feia) para a banca, tendo chegado uma lista de nomes com candidatos ao Dr. Silva Lopes (repito: Como? De quem? Nunca soube, mas suspeito) que convocou uma reunião dos administradores bancários ainda em funções para o Ministério das Finanças para apreciação dos nomes da lista.
Curiosamente a mesa de apreciação desta reunião de avaliação da lista dos propostos era presidida por Mário Murteira e Silva Lopes, tendo sido explicado que a presença de Mário Murteira se devia ao facto de ele ser nomeado para vice-governador do BDP. E lá começou a ler a lista (afinal o Dr. Mário Murteira seria nomeado para o Governo e não para o BDP).
O primeiro nome – grande azar – era um gerente do CPP numa agência da linha de Cascais e tinha tido recentemente um processo disciplinar que concluíra por situações muito graves, só não tendo sido despedido por pressões muito fortes recebidas de um certo partido. O proposto, depois de alguma discussão, saltou da lista.
A seguir vieram os outros que foram sendo indicados, nome por nome. Curiosamente, ninguém de nenhum banco conhecia ninguém da lista. Percebi e fiquei à espera dos nomes provenientes do Banco de Fomento.
Quando lá chegaram e para aquele nível de responsabilidade eram uma catástrofe, mas eu que tinha pensado, entretanto, em nomes limitei-me a dizer que antes daqueles arranjaria pelo menos uma dezena com bastante mais mérito e comecei a explicitar: JM, MMM…tendo sido interrompido por Mário Murteira que me disse: Almeida Serra, o JM vai para administrador do Banco de Portugal (e iria). Eu nada mais disse, apenas constatei que algum tempo depois MMM viria a ser Secretária de Estado do Tesouro, já num Governo constitucional.
Estes senhores da lista assinaram os balanços dos bancos relativos a 1975: não seria interessante refazer a lista e julgar dos currículos de então e identificar o que fizeram até hoje?
3 – IV Governo (1975) — V. Gonçalves; Governo Provisório IV (26 de Março – 8 de Agosto de 1975) Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves; Composição Independente; Partido Socialista (PS); Partido Comunista Português (PCP); Partido Popular Democrático (PPD); Movimento Democrático Português (MDP)
PROGRAMA DO IV GOVERNO PROVISÓRIO
Não é conhecido Programa do Governo Provisório IV.
Eu sempre detestei lugares de evidência, designadamente ser Presidente de qualquer coisa que desse nas vistas. Logo: não queria ser Governo.
Sucede que o indigitado Ministro das Finanças – José Joaquim Fragoso – falou-me para ser Secretário de Estado do Tesouro. Foi uma longa conversa – julgo que cerca de uma hora – finda a qual (não obstante ter bem presente as matanças do Pinochet no Chile nos meses anteriores), acabei por aceitar.
Eis que passadas umas horas o Eng. Fragoso volta a falar-me para me dizer que o PCP me vetava para SET já que só admitia alguém que tivesse o cartão do Partido. Achei indecente, contrário a todos os princípios apregoados e aí disse-lhe: agora sou eu que quero ir, mas vou para outra pasta. E fui, para SE das Finanças, tendo virtualmente o máximo de poder naquele Ministério: dinheiros públicos, descolonização, intervenção em empresas PME (as grandes empresas industriais eram do âmbito da Indústria que nacionalizaria tudo e algo rapidamente) e representava o Ministro no Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos que reunia às Quartas Feiras, teoricamente às 15 horas, mas não me lembro de alguma vez ter começado antes das 16h00 (eu chegava sempre às 15 mas ausentava-me às 18, salvo situações excepcionais). Depois reportava ao Ministro o que tivesse havido de relevante.
Os bancos e seguros haviam sido nacionalizados como foram e já foi explicado. A seguir a Indústria foi nacionalizando tudo o que houvesse de relevante (vejam-se os DRs).
Os transportes (do Ministro dos Transportes, Veiga de Oliveira, do Comité Central do PCP, então francamente em ascensão no Partido, mas que sairia mais tarde e procuraria progredir no PS) mereceriam um tratamento especial.
De fora ficaram basicamente as PMEs que dispunham de determinado enquadramento legislativo.
Alguns comentários a propósito de determinados assuntos
Todos conhecemos as muitas vicissitudes ocorridas na fase revolucionária. Eu deveria ter tido um Subsecretário que o PC vetou (quando ele era genuinamente de esquerda), mas comprometeu-se a ficar comigo e muito me ajudou. Muito agradeço ao Dr. Daniel Amaral o trabalho feito e a denúncia que me fez dos escandalosos saneamentos da banca feitos por indivíduos idos do BFN (recordo-me ainda dos incríveis saneamentos do Banco da Agricultura (Eng. Jardim Gonçalves, Dr. Almerindo Marques – que já não está entre nós – e outros). Disse-lhe imediatamente que tínhamos que nos organizar e a sério, servindo-nos de várias actividades civis e militares e de uma grande variedade socioprofissional.
Evidentemente esta necessidade era reconhecida por muitas e variadas pessoas – civis e militares – que pouco a pouco se foram aproximando e consolidando.
Esta matéria mereceria pelo menos umas entrevistas com os ainda sobreviventes e ouviriam narrar coisas inacreditáveis. Querem conhecer os mais activos na preparação do 25 de Novembro?
Seria de todo o interesse ouvir os poucos ainda sobreviventes que têm muitas histórias para contar, algumas deveras interessantes; e não imaginamos o “engrossamento” de “novembristas” ocorrido a partir de 26 de Novembro (raramente tive ocasião de ver tantos liberais e democratas).
O Ministro e o Secretário de Estado da Agricultura – julgo que ambos ex-PC – vinham frequentemente desabafar ao meu Gabinete. Ainda vejo hoje o ar derrotado do SEA que numa vinda do Alentejo onde tivera uma reunião em que lhe fora solicitada a criação de uma espécie de «kolkhose» entre Évora e Beja até Alcácer do Sal.
E disse-me: “Andámos tanto a lutar pela reforma agrária e agora temos isto!”
Aliás, houve um trabalho – muito bem elaborado – feito pela ATKINSON sobre o desenvolvimento do Alentejo (final dos anos 50 ou princípio dos anos 60), onde pela primeira vez se fala de um porto em Sines (já a pensar na Europa) e exploração agrícola em termos capitalistas, sendo Ministro o Prof. Teixeira Pinto que o levou ao Dr. Salazar que, aparentemente, gostara muito. O Professor saiu “inchado” da PCM e no outro dia tinha sobre a secretária uma carta do Primeiro Ministro a agradecer-lhe a colaboração e a dispensá-lo (fonte: o próprio em conversa havida comigo em Bruxelas). Apreciaria poder voltar a ler esse trabalho.
Algures em Junho de 75, na semana do Santo António (Sexta Feira 13, sendo 10 feriado), tive uma reivindicação (normalmente todos os dias tinha várias). A Metalúrgica Duarte Ferreira queria fazer ponte durante virtualmente toda a semana e os administradores, já da nova geração política, foram-me pedir dinheiro para pagar salários. Perguntei-lhes qual era a produção, porque se não sabiam fazer tractores havia muito material campestre que facilmente podiam fabricar. A resposta foi nada e eu, reactivamente, disse-lhes: então não pode haver nada enquanto faltarem neste país produtos como charruas, ancinhos, sachos, ceifeiras e outros semelhantes.
Saíram, mas à tarde tinha cerca de 20 trabalhadores de fato macaco, capacete e peito ostensivamente desnudado, que apareceram a pedirem-me o dinheiro. Saí por uma porta que dava directamente para eles, encostei-me à parede oposta e fiquei a estudar se havia ali um comando ou se se tratava de algo espontâneo, e fui argumentando com Marx, Engels e Lenine.
Às duas por três grita um espontâneo lá detrás: “ou nos dá o cacau ou escolha entre ser enforcado naquele candeeiro” (o lustre do gabinete, cuja porta deixara deliberadamente aberta) “ou saltar por aquela janela” (varanda que ficava em frente da estação Sul e Sueste).
Nessa altura já tinha percebido que não seria enforcado nem defenestrado, mas que se desse um passo em falso levaria uma valente sova. Lá leccionei durante mais uma hora e foram embora – sem cacau.
Havia um diploma do III Provisório que obrigava a uma avaliação das PMEs e pequenos agricultores a terem um estudo avalisado pela IGF para efeitos de eventual nacionalização. Obviamente, o PCP fez tudo para matar esse diploma, e houve que conceder alguma coisa. Até por que a IGF não tinha capacidade para este trabalho, pôde permitir-se-lhe que contratasse pessoas externas para o efeito e alterou-se o diploma; só que não se contratou ninguém.
E os estudos que chegavam iam para um armário – cuja chave só eu possuía – com cópia sempre enviada à Indústria. Mas o meu sucessor, o Eng. Sousa Gomes – infelizmente já falecido – que me herdou o gabinete, a primeira coisa que fez foi colocar tudo em pilha no corredor. Só que era tanta coisa que nunca ninguém viu – não obstante a imprensa se mostrar muito interessada no assunto, designadamente o Tempo – e passados meses os documentos devem ter ido para o lixo por decisão de alguma empregada de limpeza ou de algum servente. Estávamos no Céu.
O PAP – plano de acção política – cujo grande mentor foi Melo Antunes – aparece em vários sites com diferentes datas; mas eu julgo que, pelo menos em esboço, estaria gizado na noite em que MFA e Governo passaram no Alfeite (1º quinzena de Junho de 1975) discutindo o País.
A sala do 1º andar estava cheia, havia uma Mesa recordando-me apenas do Vasco Lourenço, e tudo estava a abarrotar. Eu sabia o que os ministros e outros membros do governo iriam dizer e resolvi preparar um conjunto em dossier para levar, expor e entregar.
Como era previsível, estávamos no Céu e em glória. Eis que chega a minha vez, entreguei o dossier à Mesa – e que pena tenho de não ter cópia, sabendo pela Drª Helena Sanches Osório que só no BDP se fizeram 100 exemplares – e o documento só muito mais tarde apareceu na imprensa.
Tivera, desde o meu segundo ano do ISCEF, a melhor das relações com o Dr. Carlos Carvalhas, que muitas vezes me dera boleia no seu Fiat 850 entre o Quelhas e o Marquês de Pombal, onde eu apanhava o metro. Foi o que eu diria um amigo de peito e era, nessa altura do Alfeite, Secretário de Estado do Trabalho (Ministro, Tomás Rosa): um pouco depois da minha intervenção – que gerara polémicas – desci as escadas para o r/c. Veio atrás de mim para me dizer: “afinal não passas de um reles reaccionário”. Nunca mais nos vimos nem falámos. Até hoje.
Ele deve ter sofrido muito no PC, a mulher suicidou-se atirando-se de um oitavo andar e, do meu curso, suicidou-se o Dr. José Júlio Ferreira Amado e a Carmo, profundamente envolvida na reforma agrária, morreu num estúpido acidente de automóvel na autoestrada quando se dirigia para fazer depoimento num tribunal (Beja ou Évora). Dadas as condições prevalecentes, sempre me interroguei sobre se se suicidou ou foi suicidada
Ponte aérea
Não resisto a transcrever alguns comentários prévios
O comentário é de 26 Agosto de 1975
Um relevo especial tem aqui de ser dado a uma determinada pessoa, que foi o coração e a alma em Angola e da sua Ponte Aérea:
António Gonçalves Ribeiro (tenente-general), militar e político, que ocupou os mais diversos cargos, quer militares quer governativos, quer ainda em determinadas organizações correlacionadas com as actividades que pautaram a sua vida.
Colocado em Angola desde 1972, foi secretário de Estado no governo provisório da (então) colónia e membro da delegação portuguesa às negociações que em Alvor reconhecem no MPLA, FNLA e UNITA «os únicos legítimos representantes do povo angolano», e chegaram a acordo quanto aos termos da independência.
Regressado a Angola, teve de tomar decisões algo difíceis, em múltiplas áreas – geográficas e sociais – já que frequentemente se deparou com pessoas potencialmente em risco de vida ou completamente desesperadas.
Para além de múltiplas acções que desenvolveu em Angola no sentido de manter um mínimo de calma e de alma em portugueses (e também angolanos), que queriam emigrar por simplesmente viverem num ambiente intolerável, veio no Verão de 1975 a Lisboa tentar obter o desenvolvimento de acções que pudessem contribuir para minimizar os insolúveis problemas vividos em Angola.
Infelizmente, como conta em livro de 2002, “a Vertigem da Descolonização”, não conseguiu grandes apoios, nem do então Presidente da República – General Costa Gomes -, nem de outras entidades – governamentais e privadas – com quem contactou (TAP incluída). Vivia-se num mundo de “salve-se quem puder”.
As várias acções desenvolvidas – quer militares, quer políticas – mereceriam reconhecimento, mais do que devido, nas oito condecorações que recebeu ao longo da vida e nos vários louvores dos mais altos responsáveis do País.
Depois da Ponte Aérea – da qual deve ser considerado o principal obreiro – e da vinda dos retornados, seria ainda, entre outras actividades, Alto-Comissário para os Desalojados de 1976 a 79 e termina a carreira, em 2002, como director-geral de Política de Defesa Nacional.
Não obstante a Ponte Aérea – porventura a melhor e maior da história humana – ter sido um sucesso, não tem merecido a devida atenção por parte dos nossos escritores. Mas, recentemente, li um livro “ S.O.S Angola”, que de todo desconhecia, de uma Srª. Rita Garcia, que também não conheço. Que grande trabalho, que grande livro, quanto esforço, que dramas e também que ajudas – e quase por todo o lado se nota a intervenção do hoje tenente-general Gonçalves Ribeiro. A descrição do que se passou, quando e como se passou em Angola é genial. Mas falta a parte daqui, que se limitam às múltiplas intervenções do general. Assim houve parcelas que escaparam e que tiveram que ver com o Governo e Instituições daqui, para quem – à parte excepções – o problema não existia, apesar de todos os dias a imprensa nos trazer situações dramáticas.
Numa Terça-Feira, cerca das 18 horas, vinha eu em frente da estação de Santa Apolónia – era eu que conduzia – e fiz o meu exame de consciência, concluindo: trata-se de um problema de governo do qual tu fazes parte e serás co-responsável por toda aquela mortandade para o resto da vida, se a mesma vier a ocorrer.
No dia seguinte – Quarta Feira – cheguei ao Ministério e fui falar com o Ministro contando-lhe a minha angústia e disse-lhe: o Sr. vai imediatamente falar com o general Vasco Gonçalves (acrescento aqui: que muito apreciei e poderei um dia justificar porquê) e diz-lhe que ou ele resolve o problema imediatamente e tudo bem; se não o fizer, nomeia-o a si como responsável, e o Sr. resolve, óptimo; mas se não resolver passa-mo para mim, para o resolver, e desde já lhe digo que não faço a mínima ideia do que fazer e com quem e como fazer (eu era Secretário de Estado das Finanças, já depois de algumas peripécias).
Daí a duas horas entra-me no gabinete o Ministro, com um sorriso seu muito característico, e diz-me: “Serra, resolva”.
Convoquei uma reunião para as 9 da manhã do dia seguinte, Quinta, em que estava a TAP (Engº. Botequilha e outro jovem revolucionário), a Sacor Marítima (ainda não havia Petrogal; estava o número 1, comandante não sei se da arma da Marinha ou da Marinha Mercante); dois oficiais representando o chefe do Estado-maior das FA, dois representantes do IARN (julgo que deveriam ser majores, mas todas as presenças vestiam à civil), a CVI, o Banco de Angola (representada pelo saudoso e bondoso António de Almeida) e mais uns tantos (julgo que os indivíduos do IARN deverão ter tomado notas das presenças).
Comecei por dizer ao Engº. Botequilha (amigo do General Eanes) que deveria travar todas as saídas de aviões a partir daquele momento e fazer regressar os que andavam pelo mundo porque às 20 horas queria tudo a voar para Angola.
Começou por me dizer que perderia os direitos a voar para os diferentes países (e usou o chavão técnico adequado, que não recordo); disse-lhe que perdesse e depois veríamos como resolver o problema.
Depois disse-me que não tinha combustível para os aviões; perguntei porquê; ele apontou para o comandante da Sacor e disse, aquele senhor não mo dá; o comandante respondeu, ele não me paga. Solução: passava a dar todo o combustível e facturava a TAP; e esta quando não pudesse pagar escrevia isso mesmo nas facturas que devolvia ao emitente que as mandaria para mim e eu à Fazenda Pública (sei de uma tranche, mais tardia da Fazenda de alguns milhões de contos; obviamente, os transportes na TAP e FA seriam gratuitos para os passageiros em retorno).
Mais tarde percebi que grande parte dos que viessem iam ficar alojados de qualquer maneira no aeroporto e pensei como poderia evitar isso. E disse ao António de Almeida para colocar todos os dias da semana e 24 horas/dia uma equipa no aeroporto a trocar 2000 angolares por 2 contos e que a quem não tivesse angolares ele continuaria a dar os 2 contos e a anotar. Obviamente tratava-se de uma ordem absurda em termos de gestão ao responsável de um banco, e ele teve a reação esperada e dura; aliás, usualmente nem sempre media as palavras.
E eu respondi-lhe:
– “António, de todos os que aqui estão és tu quem mais experiência tem de Angola” – porque havia lá vivido muito tempo-, “imagina os nomes que te chamarias a ti se neste momento estivesses no aeroporto de Luanda a assistir a esta cena”. Calou-se e cumpriu religiosa e activamente o preconizado.
Mas, muitos que iam vir e não teriam para onde ir, acampariam no aeroporto, os quais se transformariam num foco contra-revolucionário e desagregador, pelo que teríamos que criar mecanismos de, à saída do avião, entrarem em autocarros e serem distribuídos por diferentes áreas. Quem tivesse um poiso assegurava-se a ida para esse poiso por comboio ou camioneta e os outros seriam, como foram, metidos em hotéis e pensões. Mas no aeroporto – que eu soubesse – nunca ficou nenhum.
Neste ponto da discussão naquela reunião, lembrei-me do seguinte: seria impossível que por qualquer razão um avião não fosse destruído. E aí toda a gente iria averiguar quem fora a besta que montara tudo isto e eu seria não lixado, mas linchado (devo dizer que ao levantar voo do aeroporto de Luanda em pelo menos dois casos havia cinco granadas na vertical sobre a pista; tiveram sorte, conseguiram descolar antes; um pelo menos ainda continua vivo e disposto a contar o que viveu; em Moçambique aconteceram coisas piores).
Não percebo por que determinados jornalistas tão hábeis em “conspiratrices” e idiotias nunca se lembraram de falar com estes heróis, porque de heróis se trata e felizmente alguns ainda estão vivos, a viver a vergonha da TAP.
Estávamos em cima do meio dia de uma Quinta-Feira, dia de CM, e só havia pequenos pormenores a acertar. Disse-lhes que iria sair para reportar ao CM e o meu chefe de gabinete – que infelizmente já não está cá– resolveria pormenores.
E lá fui a CM explicando o que e como se iria fazer (não sei o que consta de acta, se alguma coisa consta) e disse tratar-se de uma decisão de CM e PR e que tínhamos até às 20 horas para alterar, anular, ajustar. Ninguém reagiu. Perguntei ao Ministro responsável pelas Forças Armadas se estava em condições de assegurar um mínimo de ordem em Angola. Disse-me que sim (e depois desapareceu da política; entretanto, já estava em curso a preparação do 25 de Novembro e eu nunca mais ouvi falar dele).
Há elementos muito importantes que carecem de ser explicitados: trata-se das negociações para a independência de Cabo verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Moçambique. De Angola nada tenho a dizer por me ter passado completamente ao lado.
Também as Pescas (com Espanha e CEE) e a Siderurgia Nacional e empresas rodoviárias (do Ministro dos Transportes) merecerão que determinados pormenores sejam divulgados; mas isso ficará para uma próxima oportunidade.
4 – V Governo Provisório (1975) – V. Gonçalves; Governo Provisório V (8 de Agosto – 19 de Setembro de 1975) Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves, Composição Independente; Movimento Democrático Português (MDP)
Pouco tenho a dizer.
No que segue devo dizer que o V Provisório não existiu, foi uma ampla, mas simples remodelação, não tendo tomado posse nem o Primeiro-Ministro, nem os Ministros que transitaram (e que foram muitos). Como o meu ministro (das Finanças) não tomou posse, os secretários de Estado transitaram automaticamente. Ora, nessa altura eu era Secretário de Estado das Finanças e, como tal, transitei automaticamente, o que me obrigou a apresentar a demissão (estava em franco desacordo com uma série de extremismos), que não me foi concedida. Assim, comuniquei ao Ministro que ficaria uma semana em plenitude de funções e uma segunda em que prepararia tudo e lhe levaria para assinar se assim o entendesse e deixaria de aparecer na semana seguinte (a terceira), por abandono de lugar, o que previa pena de prisão.
Assim foi na primeira semana e na segunda; mas quando na Sexta-Feira da segunda semana me fui despedir do ministro – pessoa por quem tive e tenho a máxima consideração e respeito pessoal e profissional e uma grande amizade – ele abriu a gaveta e retirou uma carta dirigida ao Banco de Fomento Nacional (meu emprego de base) comunicando que eu aí me apresentaria na Segunda-Feira seguinte. Tratou-se de uma espécie de guia de marcha.
5 – VI Governo (1975-76) – J. Pinheiro de Azevedo; Governo Provisório VI (19 de Setembro de 1975 – 23 de Julho 1976) Primeiro-Ministro José Pinheiro de Azevedo, Composição Independente; Partido Socialista (PS); Partido Popular Democrático (PPD); Partido Comunista Português (PCP)
No Sexto Provisório foi Secretário de Estado das Finanças o Dr. Santos Silva, grande democrata e dinamizador nesse tempo.
Entre muitas outras coisas fez alterações na Administração de bancos e nomeou uma nova administração para o Banco de Fomento Nacional, de que fiz parte (Presidente, Dr. João Salgueiro, recentemente falecido). Evidentemente, os problemas eram muitos e iam cair quase sempre no BFN, designadamente o escoamento de várias linhas de crédito externo e o Fundo EFTA.
Mas lá íamos desenrascando.
Eu tinha as grandes empresas e dava todo o apoio a uma instituição criada no VI Provisório para negociar a descolonização (salvo Angola), o ICE-Instituto para a Cooperação Externa (mais tarde mudaria de nome trocando o Externo por Económico).
Publicação: Diário do Governo n.º 26/1976, 1º Suplemento, Série I de 1976-01-31, páginas 2 – 4Emissor: Ministério das Finanças e da CooperaçãoData de Publicação: 1976-01-31Cria o Instituto para a Cooperação Económica |
A criação do Instituto – cujo CA era composto por gente toda ela de primeira linha – visava negociar com os novos Estados independentes, com excepção de Angola, e não me libertava em nada das responsabilidades do BFN.
No fundo fazia dois meios-dias bastante prolongados, obrigando-me a várias deslocações em particular a Moçambique, país pelo qual me apaixonei.
Não posso dizer que a prestação fosse pro-bono já que nada recebendo, e não tendo caído por milagre um avião em que voava entre Joanesburgo e Maputo (a velha Lourenço Marques), interroguei-me sobre o que aconteceria à mulher e filhas em caso de uma fatalidade, pelo que passei a fazer um seguro de vida para essas eventualidades, pago do meu bolso. Foram 28 contos que nunca me seriam reembolsados.
Um dia o Dr. Santos Silva chamou-me e disse-me: “estando excluída a criação de novos bancos há que encontrar uma solução para indemnizar os espoliados” e convidou-me a pensar nisso, matéria para mim inteiramente nova.
Ajustámos nova reunião para a Quarta-Feira seguinte, data em que lhe levei a lista com vários dados sobre os nacionalizados, designadamente capital e evolução de cotações em bolsa e capitais próprios. Para além de um projecto de Decreto-Lei, fiz-lhe um quadro global de síntese para uma valorização baseada naqueles dois factores para diferentes valores (10% capital e 90% bolsa; 20%-80%, etc. até 90%-10%) e mais lhe disse que a solução era política pelo que havia deixado em branco no projecto entregue aqueles valores; mas acrescentei que se fosse eu a decidir optaria por 30% bolsa e 70% capitais próprios. O Senhor agradeceu-me imenso e a opção publicada vinha com o acrescento dele: opção 30% em bolsa e 70% em capitais próprios.
Passado algum tempo voltou a chamar-me e encarregou-me de pensar em alternativas à criação de bancos (matéria impensável), mas que pudessem constituir uma base de suporte às empresas. Outro problema novo, que levei para o BFN (evidentemente que me aconselhava com indivíduos que eu muito estimava e em que confiava).
Escolhi dois técnicos e enviei-os para ver como funcionavam em França e Reino Unido bancos com quem tínhamos boas relações e obter informação (publicidade, contratos, etc.).
Passados cerca de 15 dias tinha três relatórios em meu poder:
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Sobre sociedades de investimento;
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Sobre «leasing»;
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E sobre «factoring»