Espuma dos dias — “A inflação que não era inflação acabou”, por Heiner Flassbeck e Friederike Spiecker

Seleção e tradução de Francisco Tavares

2 min de leitura

A inflação que não era inflação acabou

Por Heiner Flassbeck e  Friederike Spiecker

Publicado por eem 16 de Maio de 2023 (original aqui)

 

Os novos dados do Instituto Federal de Estatística alemão deixam claro, mesmo para o último céptico, que a curta fase de elevados aumentos de preços pertence ao passado e que a normalização completa da tendência a nível do consumidor é apenas uma questão de alguns meses.

O Instituto reviu em baixa os preços da produção industrial e publicou os preços por grosso para Abril. Além disso, na semana passada, foram publicados os preços no produtor dos produtos agrícolas relativos a Março. A figura 1 mostra as taxas de crescimento anual destes três índices de preços e dos preços no consumidor. O resultado é óbvio: os elevados aumentos de preços foram um fenómeno temporário, os preços por grosso já estão a cair e os outros seguir-se-ão em breve. Não há qualquer novo impulso a qualquer nível que permita o ressurgimento do que muitos consideraram um processo inflacionista.

Figura 1

 

Analisando a trajectória dos preços no produtor e dos preços por grosso, juntamente com os preços no consumidor durante um longo período (Figura 2), pode ver-se claramente como os preços no consumidor seguem regularmente os preços no produtor e por grosso, de uma forma moderada.

Figura 2

 

Em particular, as flutuações na sequência da crise financeira mundial de 2008/2009 demonstram que os preços no consumidor seguem os outros dois índices com maior ou menor desfasamento. Em 2011, por exemplo, os preços no produtor e os preços por grosso já estavam a recuar, mas os preços no consumidor continuaram a subir ligeiramente durante algum tempo. O declínio destes preços antes da crise do coronavírus também chegou ao nível do consumidor com um certo atraso.

Uma vez que esta evolução, como neste texto se demonstra, também pode ser observada em toda a UEM, só podemos afirmar mais uma vez que a afirmação do BCE de que existe uma pressão inflacionista persistente não tem qualquer fundamento (como aqui se pode ver). Se tivermos em conta que o próprio BCE assume um atraso de 18 a 24 meses nos efeitos da sua política, torna-se cada vez mais urgente questionar a adequação da actual política monetária e, mais ainda, das anunciadas novas subidas das taxas de juro.

Se os responsáveis do BCE estão preocupados com a política salarial de alguns países mais pequenos da UEM, deveriam falar com os parceiros sociais desses países e ajudar a encontrar soluções para os problemas sociais que resultaram dos aumentos extremos de preços (palavra-chave: compressão da estrutura salarial). Prejudicar a UEM no seu conjunto, travando a actividade de investimento, não ajudará em nada os países com políticas salariais não orientadas para a estabilidade. A sua perda de competitividade internacional será tanto mais negativa quanto mais a economia europeia for enfraquecida pela política monetária. Neste contexto, as actuais previsões da Comissão Europeia são como o proverbial apito no meio da floresta.

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Os autores

Heiner Flassbeck [1950 – ], economista alemão (1976 pela Universidade de Saarland), foi assistente do Professor Wolfgang Stützel em questões monetárias. Doutorado em Economia pela Universidade Livre de Berlim em julho de 1987. Em 2005 foi nomeado professor honorário na Universidade de Hamburgo. Foi secretário de estado (vice-ministro) do Ministério Federal de Finanças de outubro de 1998 a abril de 1999 sendo Ministro das Finanças Oskar Lafontaine (primeiro governo Schröeder), e era responsável pelos assuntos internacionais, a UE e o FMI.

Trabalhou na UNCTAD- Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento desde 2000, onde foi Diretor da Divisão de Globalização e Estratégias de Desenvolvimento de 2003 a dezembro de 2012. Desde janeiro de 2013 é Diretor de Flassbeck-Economics, uma consultora de assuntos de macroeconomia mundial (www.flassbeck-economics.com). Colaborador de Makroskop. Autor de numerosas obras e publicações, é co-autor do manifesto mundial sobre política económica ACT NOW! publicado em 2013 na Alemanha, e são conhecidas as suas posições sobre a crise da eurozona e as suas avaliações críticas sobre as políticas prosseguidas pela UE/Troika, nomeadamente defendendo que o fraco crescimento e o desemprego massivo não são resultado do progresso tecnológico, da globalização ou de elevados salários, mas sim da falta de uma política dirigida à procura (vd. The End of Mass Unemployment, 2007, em co-autoria com Frederike Spiecker).

Friederike Spiecker é licenciada em economia e estudou economia na Universidade de Konstanz de 1986 a 1991. Trabalhou no departamento económico do Instituto Alemão de Investigação Económica em Berlim. Hoje trabalha como jornalista económica freelancer em questões de política económica nacional e internacional. Co-autora de The End of Mass Unemployment, 2007.

 

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