EVA CRUZ – A VISITA DA POESIA

 

A Dra. Cristina, minha querida ex-aluna, mestre e professora de literatura, sentada ao lado do meu irmão, médico cardiologista, autor de dezena e meia de livros de prosa, poesia e pintura, iniciaram a esperada conversa sobre a arte literária, muito em especial sobre a poesia. Uma interlocução muito bem conduzida pela Cristina, com sabedoria e inteligência, e muito bem correspondida, com verdade e convicção por parte do médico.

O meu irmão procurou sintetizar a sua longa vida profissional, rica de experiências vivenciadas na aldeia como João Semana, nos hospitais por onde passou, na guerra colonial da Guiné e nos consultórios como cardiologista, ligando-a profunda e indissociavelmente a toda a sua vida literária e artística, que ele sempre considerou como inevitável emanação de todas as suas vivências profissionais e sociais.

O tempo foi demasiado curto para tão vasto tema, não permitindo a abordagem que se desejava. Conseguiram ainda assim tocar pela rama o conceito de Poesia. Aqui o meu irmão interveio, considerando que a poesia é um sentimento extremamente delicado e subtil, uma espécie de brisa mágica que nos acompanha ao longo da vida, e da qual não nos damos conta. Como exemplo, contou algumas pequeninas histórias cheias de realidade e ternura, iguais a tantas com que nos deparamos no dia-a-dia e que ele considera serem a essência da poesia, sempre tão difícil de traduzir, seja qual for a forma de expressão artística.

Por que razão me senti impulsionada a escrever este pequeno texto?  Apenas por uma interessante e estranha coincidência que veio corroborar, à vista de todos, aquilo que estava a ser dito no pequeno palco. Inesperadamente, surgido do nada, aparece um homem magro, alto, quase esquálido, já com alguma idade, meio mendigo meio peregrino, de calções, sandálias e pés encardidos, ajoelhando-se no chão junto ao palco, numa mística genuflexão meditativa. Todos os olhos se voltaram para aquela aparição imperturbável, de ouvidos atentos ao fluir da conversa. Ali se manteve impávido e sereno, à boca de cena, até ao final. Terminada a conversa, levantou-se com a mochila às costas, apoiado no bordão, disse entre dentes que já fomos todos novos e desandou da forma fugaz como apareceu. Foi tão inesperada aquela aparição, tão carregada de dramática beleza e simbolismo, que me agarrou a alma e me fez sentir que estava ali, de facto, a visita da poesia, do tal sentimento poético cuja essência ambos os oradores procuravam entender. Venha agora, quem souber, fazer deste sentimento um poema.

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