A Guerra na Ucrânia — “Revelado: Zelensky executou o “ataque” à barragem de Kakhovka. Mas porquê?”, por Martin Jay

Seleção e tradução de Francisco Tavares

5 min de leitura

Revelado: Zelensky executou o “ataque” à barragem de Kakhovka. Mas porquê?

 Por Martin Jay

Publicado por em 22 de Junho de 2023 (original aqui)

 

                   Foto: domínio público

 

A sua recusa em fazer a estenografia normal, como muitos jornalistas americanos, na cobertura da guerra na Ucrânia, fez com que [Tucker] Carlson se destacasse realmente.

Tem sido um período difícil para o magnata dos media Rupert Murdoch. Em Abril, teve de desembolsar quase 800 milhões de dólares numa ação judicial contra a Fox intentada por uma empresa que fabrica máquinas de contagem de votos, que informou erradamente sobre o desempenho destas máquinas nas eleições presidenciais nos Estados Unidos de 2020.

No mesmo mês, poderia ter pensado que, comparado com essa ação judicial, despedir Tucker Carlson na Fox poderia ser uma coisa trivial. As razões dadas na altura eram certamente falsas, aparentemente baseadas num texto inflamatório que ele tinha enviado mostrando a sua consternação pela forma como um miúdo do movimento ANTIFA [vd aqui sobre o ANTIFA] estava a ser espancado por três homens brancos, sendo retratado que ele está a pedir à máfia de Trump que mate a vítima.

A verdadeira razão pela qual Carlson foi despedido deveu-se simplesmente aos seus desabafos no ecrã sobre a guerra na Ucrânia, em que se limita a fazer o que qualquer jornalista americano temente a Deus deve fazer: colocar questões difíceis e ter uma visão muito cínica da narrativa que está a ser apresentada. E uma diatribe em particular, que atacou a BlackRock e os seus investimentos “socialmente responsáveis” [ditos investimentos ESG]. Raramente é referido, mas é do conhecimento geral, que a BlackRock tem um investimento substancial na Fox News. E se isso não fosse uma dor de cabeça já suficientemente grande para Murdoch, a BlackRock também tem um enorme investimento na Ucrânia.

A sua recusa em fazer a estenografia normal de tantos jornalistas americanos na cobertura da guerra na Ucrânia – a recusa estoica de olhar para a história do conflito e examinar as nuances – fez com que Carlson se destacasse realmente. E destacou-se pelas razões erradas para aqueles que investiram milhares de milhões na ideia de uma vitória na Ucrânia – por outras palavras, a Rússia a retirar todas as suas forças e a deixar empresas como a BlackRock a apanhar os pedaços e a reconstruir as infra-estruturas.

Carlson teve de sair por esta razão e se alguma vez se perguntaram quão perigoso e quão poderoso pode ser o seu zelo jornalístico, basta irem ao Twitter e verem o seu monólogo em vídeo de estreia no ecrã, que expõe a razão pela qual não foram os russos que fizeram explodir a barragem de Kakhovka. Aos americanos tem-se mentido durante décadas e têm sido intimidados a aceitar uma doutrina do “bem contra o mal” que, na verdade, os encoraja a fazer perguntas minimamente inteligentes – o mesmo colete de forças orwelliano que fez de Zelensky um Churchill e de Putin o diabo. O monólogo de Carlson é hilariante, pois retrata os americanos como as pessoas menos informadas do mundo – que o são – e simplesmente junta os pontos para nos dar a sua opinião sobre a barragem e quem a fez explodir. O que é notável é que o seu trabalho não é árduo. Tudo o que ele faz é pegar nas provas existentes e juntá-las como qualquer jornalista de meia-tigela poderia fazer. Por exemplo, será que Carlson é o único jornalista na América que vai salientar que foi o próprio Washington Post que citou um funcionário dos EUA a falar, meses antes, sobre como o governo ucraniano tinha efetivamente disparado contra as enormes comportas da barragem com mísseis de fabrico americano? Como é que uma coisa tão elementar como esta é apagada da narrativa que levou a BBC a concluir, em minutos, que os russos tinham feito o trabalho sujo?

E assim, a lei das consequências não intencionais da Fox News é que Carlson é agora a maior dor de cabeça de todo o complexo industrial militar corrupto que está a ganhar biliões com a guerra (e que presumivelmente tem Nicki Haley [política do Partido Republicano] nos seus bolsos sujos). Ele pode ser apenas um homem, com uma câmara e uma conta no Twitter, mas está prestes a mudar a guerra para sempre, dado o sucesso do seu estilo lúcido de comentário. Ele é literalmente senso comum com esteróides – uma fórmula que se vai tornar uma farpa hercúlea para toda a máquina de guerra da Ucrânia, movida com uma ânsia feroz por políticos ocidentais como Lindsey Graham ou James Cleverly, no Reino Unido, que consumiram demasiada da sua própria conversa fiada que lhes foi dada pelos seus jornalistas favoritos para que possam conseguir ver as coisas com clareza.

Para o Ocidente o único caminho a seguir é a escalada. Mas, para que isso aconteça, é preciso que um pedaço enorme e gigantesco de notícias falsas seja servido e consumido por americanos humildes que não conseguem entender por que razão 130 mil milhões de dólares não podem ser gastos na América com a pobreza, ou por britânicos que se esforçam por entender por que razão a economia do Reino Unido é uma das que tem pior desempenho em todo o circo do G20. Em breve, o Reino Unido deixará de ser considerado uma economia de primeiro mundo, se o seu governo continuar a apoiar e a promover o esquema de guerra da Ucrânia, enquanto a Grã-Bretanha se torna sinónimo de bancos alimentares, de aumento da criminalidade e de bandos albaneses que tomam conta do crime organizado, enquanto os agentes da polícia falham no seu trabalho de fazer cumprir a lei. A Grã-Bretanha está a tornar-se uma anedota internacional devido ao seu fraco desempenho económico e à sua patética governação.

E parte do engano necessário para subir a parada na Ucrânia é enganar os eleitores ocidentais de que a Rússia é uma ameaça maior do que pensávamos anteriormente. O ataque de falsa bandeira dos capangas de Zelensky para fazer explodir a barragem tem o mesmo objetivo que todos os seus truques têm. Pelo menos ele é coerente, pode dizer-se. É tudo para aterrorizar milhões de pessoas no Ocidente. Foi literalmente um ato de terrorismo [fazer explodir a barragem] concebido não para o benefício de ninguém no terreno, mas para uma audiência internacional. O único objetivo não é muito difícil de ver, se estivermos preparados para olhar e ouvir. Basta observar não só a rapidez com que os gigantes da comunicação social ocidental se apressam a concluir que foi a Rússia que o fez, com as suas “reportagens” a apoiarem-se fortemente no que o “Sr. Zelensky diz” como base do jornalismo erudito. Mas reparem também como uma segunda narrativa é habilmente tecida nas apressadas reportagens de vídeo, segundo as quais a Rússia se prepara para fazer explodir um reator nuclear [central de Zaporizhia]. É uma tática diretamente retirada de “O Poder dos Pesadelos” de Adam Curtis – um brilhante documentário de longa duração que examina e expõe a forma como a América tem usado o medo nos últimos 70 anos como tática para orientar a opinião pública. Em suma, os documentários revelam como a desinformação do governo dos EUA tem sido uma ferramenta tão eficaz na preparação do público para intervenções militares que têm beneficiado os fabricantes de armas dos EUA e os políticos corruptos que recebem os seus envelopes castanhos durante décadas. Zelensky está a fazer exatamente o mesmo com o seu próprio estilo de desinformação e provocação (ataques de drones do Kremlin).

A única questão real é saber se ele vai ficar por aqui com o estratagema do medo ou se vai passar ao nível seguinte e fazer explodir um reator nuclear em jeito de final.

O problema é que, embora ele veja o alarmismo como uma fórmula vencedora no passado, pode ser tentado a ir mais longe e bombardear um reator, simplesmente porque há um crescente sentido de cinismo, agora até palatável nas conferências de imprensa organizadas pelo estúpido John Kirby [Secretário de Imprensa do Ministério de Defesa dos EUA].

Mas, acima de tudo, ninguém poderia imaginar que Tucker Carlson fosse para o Twitter e lançasse a sua bomba. O antigo apresentador da Fox é agora o inimigo número um de todas as elites ocidentais. Esperemos que tenha uma vida longa e que não seja vítima de um acidente de viação misterioso e hediondo ou de um assalto que correu mal num parque de estacionamento do Wal-Mart.

 

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O autor: Martin Jay é um premiado jornalista britânico baseado em Marrocos, onde é correspondente do The Daily Mail (Reino Unido), que anteriormente relatou a Primavera Árabe para a CNN, bem como para a Euronews. De 2012 a 2019 esteve baseado em Beirute onde trabalhou para uma série de títulos internacionais de media, incluindo BBC, Al Jazeera, RT, DW, bem como reportagens numa base freelance para o britânico Daily Mail, The Sunday Times mais TRT World. A sua carreira levou-o a trabalhar em quase 50 países em África, no Médio Oriente e na Europa para uma série de importantes títulos mediáticos. Viveu e trabalhou em Marrocos, Bélgica, Quénia e Líbano.

 

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