Espuma dos dias — “A fuga de informação sobre o ex-juiz Sergio Moro expôs as irregularidades do processo Lava Jato”, por Guido Vassallo

Seleção e tradução de Francisco Tavares

4 min de leitura

A fuga de informação sobre o ex-juiz Sergio Moro expôs as irregularidades do processo Lava Jato

O Supremo Tribunal Federal do Brasil anulou todas as provas do processo

 Por Guido Vassallo

Publicado por  em 7 de setembro de 2023 (ver aqui)

 

Em 2019, uma série de chats publicados pelo portal The Intercept demonstrou a parcialidade de Sergio Moro e do promotor Deltan Dallagnol. A guerra judicial foi confirmada pelo Supremo tribunal.

 

 

A fuga de informação conhecida como “Moroleaks” foi fundamental para que o Supremo Tribunal Federal aceitasse um pedido da defesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de anular as provas obtidas a partir de acordos de colaboração com diretores da empresa Odebrecht. O máximo tribunal do Brasil entendeu que essas provas foram obtidas de forma ilegal pelo ex-juiz Sergio Moro e os ex-procuradores da Operação Lava Jato, e considerou a detenção do presidente como “um dos maiores erros judiciais da história do país”.

A decisão do juiz do Supremo Antonio Dias Toffoli foi publicada em resposta a um pedido da defesa de Lula, que deu o acesso aos expedientes da “operação Spoofing”, que investigava o ataque informático aos telemóveis do ex-juiz Moro. Na sua decisão de 135 páginas, Toffoli publicou parte dos diálogos filtrados envolvendo Moro e o promotor Deltan Dallagnol e reconheceu que usaram a alegação de combate à corrupção para “levar às grades um líder político, com parcialidade e conivência, falsificando provas”.

 

“No final teremos um bom dia”

Os diálogos foram objeto de ataque de um pirata informático que entregou parte deles ao The Intercept, o portal brasileiro-americano que publicou os chats sob o rótulo de “Moroleaks”. A autenticidade dos diálogos foi posteriormente confirmada pelas perícias do Supremo Tribunal. “No final teremos um bom dia”, disse Moro numa conversa pelo Telegram com Dallagnol, chefe dos Procuradores do Lava Jato. Dallagnol contou que estava a preparar a denúncia contra Lula sobre o suposto suborno com um apartamento no balneário de Guarujá pela empresa OAS como retribuição dos contratos obtidos pela construtora com a estatal Petrobras.

Por esse caso Lula foi condenado em três instâncias, esteve preso 510 dias e foi inabilitado para participar nas eleições de 2018 que foram ganhas por Jair Bolsonaro, quando segundo as sondagens o ex-metalúrgico era amplamente favorito. Em outros chats filtrados, Moro e os procuradores concordaram com procedimentos sem informar as defesas dos acusados, falaram sobre agir sobre jornalistas e defenderam ter cometido actos ilícitos, pois estavam cobertos pelo “apoio popular e pelos media”.

Nas denúncias reveladas Moro, Dallagnol e outros procuradores revelaram contatos ilegais com a Procuradoria da Suíça e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, sem cumprirem com os devidos procedimentos. Numa das conversas, Livia Tinoco, uma das procuradoras do Lava Jato, confessou que Moro, a câmara de Apelações de Porto Alegre e a TV Globo tinham o sonho de ver Lula preso e qualificou esse momento como um “orgasmo múltiplo”.

As conversas entre Moro e Dallagnol indicam que o atual senador procurava evitar que as tensões entre ele e o Supremo Tribunal Federal (STF) paralisassem as investigações num momento crítico das investigações em 2016. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, a preocupação de Moro veio quando a Polícia Federal anexou aos autos de uma investigação alguns documentos referentes ao caso Odebrecht sem preservar o seu sigilo, o que levou à divulgação do material pela imprensa brasileira.

“Foi um enorme golpe pelas costas o da Polícia Federal. Agora vou ficar exposto”, disse Moro a Dallagnol. Diante dessa situação, Moro, que dias antes havia sido recriminado pelo STF por ter trazido à luz escutas telefónicas de Lula, enviou uma mensagem a Dallagnol reclamando que a polícia não podia “cometer esse tipo de erro agora”.

Dallagnol prometeu-lhe o apoio incondicional da operação ao então juiz. “Que saibas que não só a imensa maioria da sociedade está contigo, e que nós faremos tudo o que for necessário para te defender de injustas acusações”. Também lhe disse que eram apenas momentos de “ânimos exaltados” e que admirava a serenidade com que o então juiz enfrentava “as más notícias e os problemas”.

 

“Consequências muito graves”

De acordo com o juiz do Supremo Antonio Dias Toffoli, além dos relacionamentos diretos com as autoridades dos Estados Unidos e da Suíça, os juízes atuaram sem a necessária colaboração dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Justiça e da Segurança Pública. Para Toffoli, essas negociações resultaram em “consequências muito graves” para o Estado brasileiro e para “centenas de acusados e pessoas jurídicas em processos penais, processos por improbidade administrativa, processos eleitorais e processos civis” no Brasil e no exterior.

O Supremo Tribunal anulou em 2021 as sentenças contra Lula ao considerar que Moro e os procuradores perseguiram politicamente o líder de esquerda para retirá-lo da vida política. O atual presidente brasileiro foi impedido de disputar as eleições presidenciais de 2018 por estar inabilitado pela condenação que foi posteriormente anulada. Moro foi ministro da Justiça de Bolsonaro depois de ter preso Lula e atualmente é senador na oposição.

No passado dia 21 de agosto, a Justiça Federal do Brasil condenou Walter Delgatti e outras seis pessoas a 20 anos de prisão no âmbito da operação Spoofing. Para o juiz do Décimo Tribunal Federal em Brasília, Delgatti e os seus cúmplices tentaram vender a informação obtida de maneira ilegal aos meios de comunicação por 200 mil reais (cerca de 40 mil dólares). Delgatti é o mesmo que confessou que o ultradireitista Bolsonaro lhe pediu para intervir nas máquinas de voto eletrónico.[1]

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[1] N.T. Em 30 de Junho de 2023, o Tribunal Superior Eleitoral condenou Jair Bolsonaro a ficar inelegível por 8 anos devido a abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação (ver aqui).


O autor: Guido Vassallo é um jornalista argentino e licenciado em Ciências da Comunicação pela universidade de Buenos Aires.

 

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