Teoria e Política Económica: os grandes confrontos de ontem, hoje e amanhã, também – uma homenagem ao Joaquim Feio — Capítulo 2 — Texto 12. Catástrofe, reversão, retorno. A propósito de um debate entre Olivier Blanchard e Emiliano Brancaccio. Por Massimo Amato

Reflexos de uma trajetória intelectual conjunta ao longo de décadas – uma homenagem ao Joaquim Feio

 

Capítulo 2 – De Sraffa à necessidade de romper com o pensamento económico dominante. As grandes questões da macroeconomia

Seleção e tradução de Júlio Marques Mota

12 min de leitura

Texto 12 – Catástrofe, reversão, retorno. A propósito de um debate entre Olivier Blanchard e Emiliano Brancaccio

  Por Massimo Amato [1]

 2020/2 (nº 78), págs 231 a 242 (original aqui)

 

Tive o privilégio de assistir ao debate que é o tema das páginas seguintes na Fundação Feltrinelli em Dezembro de 2018, e assim viver em primeira mão o que é tão claro desta transcrição, levemente revista pelos protagonistas, a saber: a abertura que animou o seu debate, bem como a sensação de ansiedade que aí se viveu.

Deixo ao leitor a descoberta da riqueza dos temas levantados por Blanchard e Brancaccio nas suas trocas de pontos de vista, tanto entre si como com o público. Isto permitir-me-á concentrar-me em algumas das questões mais candentes do debate.

Pois há qualquer coisa que mexe connosco (e que as convulsões desencadeadas pela crise da covid-19 estão a aquecer), que arde na economia, no seu duplo significado de atividade humana aparentemente central da modernidade e desta ciência muito moderna que supostamente a deve explicar – e que no entanto nem sempre parece estar à altura da sua tarefa.

Esta inadequação já era preocupação de Keynes em Dezembro de 1931, quando, a convite da Society for Socialist Inquiry, declarou com convicção: “Durante os próximos vinte e cinco anos, na minha opinião, os economistas, embora atualmente os mais incompetentes, serão no entanto o grupo de cientistas mais importante do mundo. É de esperar – se tiverem êxito na sua tarefa – que depois disso nunca mais voltem a ser importantes” (Keynes 1931, 37).

Se Keynes estava certo no que disse, devemos concluir que os economistas falharam em grande parte, porque a sua importância só aumentou, com o consequente sentimento de impotência perante os desastres que a economia como ciência não pode prever nem prevenir, e por vezes até provoca – na medida em que, para citar novamente Keynes, “os loucos no poder que ouvem vozes estão meramente a destilar no seu delírio as palavras formuladas anos antes por algum aprendiz de escrivão universitário ” (Keynes 1936, 383).

A sensação de uma catástrofe que seria bom evitar mas que corre o risco de não o ser, está presente de forma viva nos discursos dos dois protagonistas e impulsiona o seu confronto. Contudo, não é o desconforto que evocam que os divide, nem mesmo as terapias que preveem para lidar com ela, mas sim o diagnóstico que fazem.

O mal-estar, poder-se-ia dizer, chama-se simplesmente capitalismo (esta é a versão de Brancaccio), ou (e esta é a versão de Blanchard) esta tendência aparentemente irreprimível do sistema económico baseado nas interacções dos atores descentralizados do mercado para produzir, por vezes mas sempre inesperadamente, o oposto do que se supõe, nomeadamente: um equilíbrio único, capaz de articular sem contradição a eficiência da produção e a justiça da distribuição.

Aqui encontramos neste debate, nem mesmo de forma muito implícita, os dois autores que deram uma interpretação do capitalismo baseada na sua capacidade de gerar a sua própria crise: Marx e Keynes.

Mas em vez de passar por eles, deixemos Blanchard e Brancaccio falar diretamente, porque no seu debate eles filtram e reinterpretam, por vezes em combinações inéditas [3], as posições críticas dos dois.

Blanchard: “Antes da crise, especialmente nos países avançados, muitos economistas acreditavam que a economia flutuava em torno de uma ‘tendência’, e que os instrumentos políticos podiam ser utilizados para manter a economia perto da tendência […]. A crise deixou claro que a ideia de que as economias são estáveis e que, se atingidas por um choque, tendem a voltar à normalidade por si próprias, simplesmente não é verdadeira”.

Brancaccio: “A instabilidade das forças do mercado livre tem sido sentida muito para além das fronteiras da própria economia, na medida em que tem profundas implicações sobre as próprias estruturas sociais e políticas. Este é um ponto muito importante, pois mostra que o sistema atual é mais instável e potencialmente mais destrutivo do que se esperava há algum tempo atrás”.

Se passarmos das afirmações sobre a teoria à análise da situação atual, esta impressão de convergência entre os dois autores apenas aumenta: muitas passagens dedicadas à crise europeia testemunham um juízo fundamentalmente negativo e preocupado sobre a obstinação dogmática com que a Europa se ateve, pelo menos até à crise da covid-19, às receitas deflacionárias. Aqui Blanchard não é menos incisivo do que Brancaccio: após os primeiros meses da crise de 2008, “logo que o maior perigo terminou, a maioria dos países voltou à sua política orçamental anterior, que era a austeridade destinada a reduzir o défice e a limitar o aumento da dívida. Esta é a política que tem sido implementada desde então. Penso que se tratou de uma oportunidade perdida”.

Um debate com muitas convergências. No entanto, uma das razões para o debate, cujo título era “Pensar uma alternativa”, foi o livro de Brancaccio, Anti-Blanchard. Que Blanchard tenha concordado em dialogar com o autor de um livro com tal título, por si só testemunha a sua abertura de espírito. Isto deve ser enfatizado, porque este é talvez o verdadeiro recurso raro, em todos os momentos e em todos os campos, mas particularmente hoje e no campo da ciência robinsoniana da escassez. Mas ainda precisamos de compreender o significado polémico não superficial deste “anti”, porque é, creio eu, o que está na base deste “anti” que torna este debate tão interessante.

Dado que o manual de macroeconomia de Olivier Blanchard é o livro mais utilizado para o ensino de macroeconomia “ortodoxa”, pode-se ser tentado a dizer que Emiliano Brancaccio produziu um livro de texto “heterodoxo”. Mas o confronto desencadeado pelo livro revela um plano muito mais crucial do que o de opções teóricas opostas ou, para usar a expressão lakatosiana citada por Brancaccio, de uma “concorrência lakatosiana frutuosa entre paradigmas alternativos”. O que está em jogo com o Anti-Blanchard é um sentido menos oposicionista e mais matizado do próprio “anti”.

 Este “anti” não é um “contra”, como em Suma contra gentios, o manual universitário de São Tomás contra os erros dos hereges: ou o eu e tu, sem possibilidade de reconciliação. Pelo contrário, aqui ‘anti’ significa ‘outra’: a outra possibilidade em relação a uma possibilidade que é certamente dominante, mas que é elaborada a partir de algo que, na interação de abordagens e paradigmas alternativos, se revela como o elemento propriamente invariante.

Sobre este ponto, é Brancaccio que nos coloca perante a essência da questão, e diz isso em termos inequívocos: a característica marcante dos modelos que Blanchard tem constantemente desenvolvido e aperfeiçoado, e também transposto para a sua “Suma” de macroeconomia, é precisamente que “aos modelos de Blanchard pode-se-lhes dar a volta e transformá-los. Podem tornar-se modelos alternativos, de modo a poderem mesmo resolver certas contradições internas”.

O Anti-Blanchard é, portanto, um “contra-Suma” gerado ao dar a volta à Suma original. Melhor ainda: é um exercício de inversão, cuja ambição é pôr em marcha o que corre o risco de permanecer cristalizado no discurso dominante, mas que já começou a mover-se com a interpretação deste mesmo discurso por um dos seus representantes mais decisivos, [N.T. isto é, Blanchard].

Brancaccio também se refere por vezes ao seu trabalho (fê-lo, por exemplo, na Universidade de Bocconi no Outono de 2019) como um exercício de estereometria [n.t. medição geométrica dos sólidos]: “A transição de uma teoria para outra envolve a mudança das formas funcionais, bem como a inversão da posição das variáveis exógenas e endógenas, o que implica uma inversão das relações lógicas entre elas. O sistema inicial de equações atua assim como uma espécie de estereograma. Isto levará a conclusões muito diferentes em termos de análise económica e de política económica, dependendo do ponto de vista a partir do qual o mesmo sistema é examinado [4]“.

Tal como o objetivo da estereometria é revelar, mesmo que seja através de um artifício técnico, uma terceira dimensão (profundidade) que toda a fotografia tende a desfocar, também a técnica de dar a volta requer um centro a partir do qual se contorna: pode-se dar a volta a tudo, tudo se pode inverter, virado de dentro para fora, mas sempre a partir de um elemento invariável, em relação ao qual tudo é contornado. Deem-me um ponto de apoio…

Qual é o ponto de apoio de Brancaccio, que o separa de Blanchard tão fortemente como o liga a ele? Atrevo-me a dizê-lo da seguinte forma, deixando ao leitor a tarefa de verificar se é uma interpretação ou uma interpretação excessiva: o ponto fulcral para a inversão é a impossibilidade fundamental, para qualquer teoria contemporânea que queira ser científica – e não ser uma simples roupagem matemática-formal de posições ideológicas – de ligar a produção e a distribuição (portanto: eficiência-e-justiça) por uma ligação unívoca e teoricamente bem fundamentada.

Esta impossibilidade, historicamente, não foi claramente reconhecida a nível teórico até ao trabalho teórico de Piero Sraffa. Depois de Sraffa, é a origem de todo o mal-estar. Mas também o ponto de entrada para qualquer exercício de reversão, bem como para qualquer “concorrência lakatosiana frutuosa” entre paradigmas alternativos.

A exogeneidade das variáveis de distribuição, ou nas palavras de Brancaccio sobre Blanchard, “o pressuposto de que a distribuição do rendimento não é apenas externa à análise, mas nem sequer apresenta uma ligação unívoca com a tendência da produção e do emprego”, eis o que se torna historicamente claro pela crítica da Sraffa à teoria da produtividade dos fatores de produção, e em particular do capital (que deu origem, entre outras coisas, ao debate sobre o capital entre as duas Cambridges) – uma crítica sobre a qual muitas das posições “heréticas” citadas por Brancaccio foram construídas.

É evidente, de facto, que “nestes modelos alternativos, a ligação íntima entre produção e distribuição, típica da teoria neoclássica, desaparece” de uma forma clara e franca. Mas se a ligação neoclássica, que justificava o lucro como a remuneração dos serviços do capital, se desvanece, não é “em benefício” de outra ligação teoricamente fundada entre produção e distribuição, ou seja, em benefício da teoria do valor-trabalho, para a qual o lucro é apenas uma apropriação violenta (ou pelo menos injustificável) do excedente criado pelo trabalho.

Se o capitalismo não é o reino da harmonia unívoca das contribuições marginais para a produção, também não é o inferno de uma exploração que pode ser cientificamente medida (embora por vezes muito duramente sentida ao nível das existências concretas de muitos trabalhadores): este é todo o legado de Sraffa (um legado que, na minha opinião, apenas outro italiano, Claudio Napoleoni, foi capaz de ver com lucidez em todo o seu alcance).

Mas como o leitor verá, esta é também a base de qualquer preocupação sobre o trabalho, e a justiça distributiva [n.t. isto é, do produto desse trabalho], e também sobre as desigualdades e os seus efeitos na sociedade e na política, que percorre todo o debate.

Permitam-me que toque em dois pontos que merecem uma reflexão mais aprofundada, com base no que é dito no debate.

O primeiro diz respeito à natureza técnica do fulcro da reviravolta: o exercício estereométrico é aplicado aos modelos, e gera outros. Mais ou menos eficientes em termos do seu comportamento interno e da sua capacidade de serem confirmados pelos factos, são contudo, e continuam a ser, modelos. Mas como o significado do debate gira também secretamente em torno daquilo que é imprevisível no jogo das forças económicas, e que está, portanto, de uma forma fundamental “fora do modelo”, então um outro tema keynesiano deveria entrar aqui em jogo, o da incerteza fundamental [5]. Pelo menos foi assim que li a franca aceitação de Blanchard de que “na economia o sistema financeiro é importante” e que “reconhecer que o sistema financeiro é importante é portanto uma conclusão óbvia, mas tem consequências mais insidiosas para a forma como entendemos a economia do que pensamos”. E a noção de histerese, com as suas implicações de não-linearidade, vai, na minha opinião, no mesmo sentido.

É Napoleoni novamente quem diz aqui uma palavra que talvez seja menos crítica do que ela é francamente aberta. Falando do modelo IS-LM, portanto do que os “heterodoxos” sempre criticaram como a tentativa de trazer o cordeiro, ou mesmo a ovelha negra Keynes de volta ao rebanho da teoria neoclássica (mas o mesmo raciocínio poderia ser aplicado à tentativa de Hahn citada por Brancaccio): “Se se diz que Keynes difere dos seus predecessores nas formas que atribui a estas funções, isto não significa de modo algum que se subestima a sua contribuição; a determinação destas formas, de facto, implica a análise económica de todas as funções incluídas no modelo e, consequentemente, das estruturas e comportamentos dos quais, por sua vez, estas funções dependem; implica, portanto, uma teoria. A teoria não é o modelo; a teoria é a indicação da forma das funções que aparecem no modelo. O modelo não é a síntese de nada; é keynesiano ou pré-keynesiano, dependendo da teoria que o especifica. […] Afirmar que estas conclusões só são alcançadas pressupondo a presença de certa rigidez no sistema económico (implicando que uma função rígida é um caso especial de uma função que pode ter qualquer valor de elasticidade, de zero a infinito), e que são portanto conclusões especiais, é puro disparate. Ou melhor: é uma afirmação puramente formal que não apreende de todo a substância das coisas”. (Napoleoni 2019, 160-161).

Ser capaz de desformalizar o raciocínio económico mantendo o máximo rigor parece-me ser um dos maiores desafios metodológicos do debate. De facto, a determinação teórica das formas das funções dentro de um modelo não é nem uma questão de gosto pessoal, que por sua vez seria determinada pelas oscilações do gosto da época, nem pelo simples “realismo das hipóteses”.

Não basta, portanto, interpretar, de forma quase tautológica, as ineficiências da economia de mercado por rigidezes ou imperfeições dentro de um processo de mercado de outro modo perfeito, e sobretudo não é correto atribuir esta interpretação ao próprio Keynes. Se “Keynes concebe estas “rigidezes” […] como situações gerais (como o efeito de situações gerais), enquanto concebe as não rigidezes […] como exceções” (Napoleoni 2019, 161), isto deriva para ele de uma relação com a realidade económica tal que a própria realidade é afetada por elas.

Este é o sentido profundo da crítica de Keynes à abordagem teórica dos “economistas clássicos”: comportar-se como “geómetras euclidianos” num mundo não euclidiano não é apenas um fracasso do realismo, mas também uma falha em ver que a realidade observada não é euclidiana, e que por isso também depende do facto de ser observada, e da forma como nos relacionamos com ela, observando-a e agindo sobre ela, por exemplo, fazendo escolhas de política económica. As rigidezes de Keynes não são meras imperfeições, mas a norma de uma realidade aberta ao futuro e, portanto, à incerteza fundamental.

Pois é desta forma (e este é o meu segundo ponto) que poderíamos abordar com rigor a questão da alternativa, não apenas entre paradigmas explicativos, mas entre sistemas. Quando Blanchard, numa resposta muito direta ao título do debate de Milão, diz que não vê alternativas ao capitalismo, não está a falar em termos ideológicos, mas em termos metodológicos. O seu ponto é ‘normativo’, diz ele, não descritivo. Mas de que realidade é a norma a norma? Encontramos a resposta no final, dada pelo próprio Blanchard: “Quando as pessoas me perguntam o que faço, gosto de dizer que sou um engenheiro. Sou um engenheiro social, é assim que vejo as coisas. A máquina que estou a tentar compreender é complexa, e estou aberto a sugestões. Mas no fim de contas, a máquina é isto e esta é a máquina que temos de compreender”.

E no entanto, a questão permanece se a sociedade é uma máquina, ou melhor: se é apenas uma máquina, ou algo que excede em muito, e portanto precede, qualquer mecanismo e qualquer mecanicidade, mesmo que seja (isto é dito para Brancaccio) uma mecanicidade histórica dialética e não idealista.

É aqui que tudo está em jogo. E, creio, esta é também a fonte de toda a preocupação. O facto de o debate não ir diretamente à fonte do problema, de não encontrar uma forma de lá chegar, não o torna menos interessante, porque becos sem saída, dificuldades lógicas, são por vezes mais reveladores do que soluções baratas. Mas é óbvio que este mesmo “capitalismo” que aparece, estereometricamente se me é permitido dizê-lo, a Blanchard como insubstituível embora por vezes socialmente insustentável, e a Brancaccio como insustentável embora politicamente difícil de substituir, é muito mais ambíguo do que as simplificações a favor e contra nos fariam acreditar.

Do mesmo modo, permanece igualmente ambíguo o estatuto conferido ao trabalho no nosso tempo, preso entre as restrições da eficiência e as exigências distributivas, assim como o estatuto que, de preferência, deveriam ter as políticas que lhe dizem respeito: políticas salariais ou as políticas de apoio a um rendimento francamente de base.

Mas aqui estamos num dilema e ambiguidade: na conclusão de um artigo muito importante de 1930, intitulado “A Questão dos Altos Salários”, onde aponta o dedo à contradição entre a sua desejabilidade do ponto de vista da sociedade e da economia, mas não do ponto de vista do capital, pelo menos na sua versão internacionalmente móvel, Keynes escreve: “Estas conclusões francas de um economista estão tanto abertas a uma interpretação conservadora como a uma interpretação revolucionária. O conservador concluirá que o seu sentimento instintivo, ou seja, que é extremamente perigoso e difícil  afastar-se dos velhos caminhos e que a velha permissão de graves desigualdades na distribuição da riqueza está enraizada na natureza das coisas, encontra ampla justificação no que acabo de dizer. Por outro lado, os liberais e socialistas moderados ficarão satisfeitos por descobrirem que têm razão na sua desconfiança do sindicalismo extremo, que a melhor maneira é continuar e ampliar o programa de serviços sociais lançado em 1906, e que continuam a ser possíveis progressos substanciais nesta direção. Finalmente, o revolucionário aprenderá com este artigo que a posição a ocupar é exatamente a que assumiu, nomeadamente que não há praticamente nada a fazer no quadro existente da sociedade, que é uma pura perda de tempo mexer com ela, e que a única coisa a fazer é organizar e preparar-se para uma mudança revolucionária. Por isso, espero que, por uma vez, possa ter agradado a todos” (Keynes 1930).

Receio que também nesta ocasião, como em muitas outras, ele tenha desagradado muito a todos.

Mas se é uma questão de ciência, é melhor fazer as pessoas pensar do que estar a agradar-lhes.

Especialmente numa altura em que a realidade, ou, se me atrevo a dizer, o próprio ser,  apela à  coragem não só para levar a cabo reversões, mas para regressar ao que é essencial ao pensamento rigoroso.

E é precisamente dentro deste espírito que o diálogo inaugurado por Blanchard e Brancaccio pode revelar-se uma oportunidade a não perder: a de quebrar o impasse em que se encontrou o debate entre neoclássicos e heterodoxos durante os anos 80 do século passado – um debate do qual o Keynes de A Questão dos Altos Salários é o precursor e o Napoleoni de O Discurso sobre a Economia Política é o seu  testemunha lúcido -, a fim de reabrir, de forma não ideológica, uma meditação sobre as causas, mas também sobre a natureza, da riqueza de (todas) as nações.

 

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Notas

[1] Que me seja permitido agradecer aqui pelas suas atentas leituras e pelos seus conselhos a Everardo Belloni, Stefano Lucarelli, Andrea Papetti e Dominique Saatdjian. Com a habitual afirmação de que a responsabilidade do texto é minha.

[2] N.T. Não consta do texto.

[3] Quando Brancaccio fala do seu trabalho sobre o manual de Blanchard como uma “experiência limitada ao campo restrito da crítica da macroeconomia”, é evidente que está a renovar a noção marxista de uma crítica imanente da economia política. No entanto, ao contrário de muitos marxistas de hoje, mas em fidelidade histórica ao espírito de Marx, ele aplica a sua crítica não a Ricardo, mas… a Blanchard!

[4] «Do we need to rethink economic education?», Universidade Bocconi, 14 novembro 2019 – Intervenientes: Emiliano Brancaccio (Université du Sannio) e Marco Maffezzoli (Université Bocconi). Moderador: Massimo Amato (Université Bocconi). Seminário organizado por Rethinking Economics Bocconi Students, <https://www.emilianobrancaccio.it/2019/11/14/rethink-economics-education-in-bocconi/>.

[5] Para levar a sério, nesta justa tarefa de introduzir as finanças na macroeconomia, o que Keynes diz sobre o sistema financeiro implicaria nada menos do que isto: que o dinheiro não é neutro, porque não é apenas o equivalente geral de um sistema de troca, mesmo que intertemporal, mas antes de mais “a ligação entre o presente e o futuro” (Keynes 1936, 116). E que, portanto, entre os fatores determinantes do investimento, as expectativas mais “sólidas” baseadas na incerteza fundamental contam e muito. Bloch (1954) falou do dinheiro como um sismógrafo que não só mede os fenómenos, mas por vezes também os provoca: mas com esta imagem levantou também a questão dos limites a priori de qualquer modelização.

 

 

Bibliografia

Bloch M. (1954), Esquisse d’une histoire monétaire de l’Europe, Colin, Paris

Keynes J.M. (1930), The Question of High Wages, dans The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. XX, London Macmillan, 1981

Keynes J.M. (1931), The Dilemma of Modern Socialism, Speech addressed to the Society for Socialist Inquiry on 13 December, 1931, dans The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. XXI, London Macmillan, 1978

Keynes J.M., (1936), The General Theory of Employment, Interest and Money, dans The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. XX, London Macmillan, 1972

Napoleoni C. (2019), Discours sur l’économie politique, Classiques Garnier, Paris, traduction française (par M. Amato et D. Saatdjian) du Discorso sull’economia politica, Bollati Boringhieri, Torino 1985 (nouvelle édition par Orthotes, Naples 2019)

 


O autor: Massimo Amato é um economista italiano, licenciado e doutorado pela Universidade de Bocconi. É professor associado na Universidade de Bocconi. É investigador em História Económica. Desde 1991, realizou ciclos de aulas aprofundadas e seminários no âmbito dos cursos de História Económica de DES, CLIP e CLEAN. Colabora como tradutor da série filosofia da editora EGEA. Faz parte do comité director do recém-formado Journal of philosophical studies, Laboratorio di Logica. Participa na investigação básica “Logica, Hermenêutica, Fenomenologia. Ciências humanas na era da tecnologia”. É professor do curso de especialização em disciplinas filosóficas e históricas.

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