JOSÉ LUIS SAMPEDRO – por Carlos Loures

Em Agosto passado publicámos aqui uma longa entrevista com José Luis Sampedro. . É um escritor catalão de língua castelhana muito pouco conhecido em Portugal. Vêmo-lo na fotografia conversando com José Saramago e, para já, vou dar a palavra a Saramago:

Esta tarde ouvi falar de José Luis Sampedro, economista, escritor, e, sobretudo, sábio daquela sabedoria que não é dada pela idade, ainda que esta possa ajudar alguma coisa, mas pela reflexão como forma de vida. Perguntaram-lhe na televisão pela crise de 29, que ele viveu em criança, mas que depois estudou como catedrático. Deu respostas inteligentes que os interessados em compreender o que está ocorrendo encontrarão nos seus livros, tanto escreveu José Luis Sampedro, ou procurando a reportagem na rede, mas uma pergunta que ele próprio fez, não o jornalista, ficou-me gravada na memória. Perguntava-nos o mestre, e também a si mesmo, como se explica que tenha aparecido tão rapidamente o dinheiro para resgatar os bancos e, sem necessidade de qualificativos, se esse dinheiro teria aparecido com a mesma rapidez se tivesse sido solicitado para acudir a uma emergência em África, ou para combater a sida… Não era necessário esperar muito para intuir a resposta. À economia, sim, podemos salvá-la, mas não ao ser humano, esse que deveria ter a prioridade absoluta, fosse quem fosse, estivesse onde estivesse. José Luis Sampedro é um grande humanista, um exemplo de lucidez. O mundo, ao contrário do que às vezes se diz, não está deserto de gente merecedora, como ele, de que lhe dêmos o melhor da nossa atenção. E façamos o que ele nos diz: intervir, intervir, intervir.

(in Outros Cadernos de Saramago, 24 de Outubro de 2008)

Li o seu romance La sonrisa etrusca em 1993. Comprei-o uma noite após o jantar num dos quiosques das Ramblas, por onde gosto de deambular. Por essa altura, ia a Barcelona com grande frequência. Para os almoços havia sempre muitos colegas a convidar-me. Os jantares eram, em regra, solitários, pois todos iam para suas casas. Uma vez ou outra, o meu saudoso amigo Deiros, administrador-delegado da empresa para a qual eu trabalhava, me convidava para jantarmos no Círculo Ecuestre de que era sócio.

Mas o jantar dessa noite foi  num  qualquer restaurante do Bairro Gótico. Antes de vir até ao hotel, dei a volta ritual pelas Ramblas e, num quiosque em frente do Teatro del Liceo, deparei com o livro do José Luis Sampedro, uma edição da Alfaguara – a trigésima terceira, datada de 1992.. Já ouvira falar, mas nunca lera nenhum dos seus livros.  Quando, ainda cedo  me deitei e comecei a ler o livro, estava longe de pensar que me iria acontecer o que aconteceu – só interrompi a leitura quando vi que a manhã nascia e tinha um dia de trabalho pela frente, pois tinha de estar às oito horas na editora – como o Josep Vidal pode comprovar, os catalães são rigorosos. Cumprem religiosamente horários. Continuei a ler no aeroporto, depois no avião e já acabei a leitura em casa – 350 páginas. Fiquei fascinado com aquela história que um escritor catalão (e que escreve em castelhano) situa em Itália. Digamos que  é um bom exemplo do vigor cultural da pátria latina, mesmo nos nossos dias em que a onda avassaladora da anglofização quase não nos deixa respirar. Acabo de o reler.

A história é simples – um velho calabrês chega a casa de um filho em Milão para fazer uma revisão geral – análises, radiografias, electrocardiogramas… No Museu Romano de Villa Giulia a sua atenção fixa-se no sarcófago etrusco, sobre o qual as esculturas de um casal deitado num triclínio  sorri. Como se aqueles dois longevos amantes, Os esposos (como se chama a peça) se rissem da morte. A imagem fica-lhe gravada. Viverá em Milão duas grandes emoções que também o farão sorrir da morte – o neto, que desconhecia, e no qual derrama todo o seu amor e também o amor romântico por uma mulher. A sua última aventura amorosa. Recomendo a leitura e, por isso, não vos conto a história, só vos deixando sobre ela um tópico – o amor é uma vitória sobre a morte. É uma história maravilhosa, bem escrita e esplendidamente efabulada.

 E começou aí o meu interesse por José Luís Sampedro escritor que até então desconhecera. Li os seus romances e mais recentemente descobri a sua faceta de humanista e de reputado economista, defendendo uma economia mais humana, mais solidária e capaz de contribuir para o desenvolvimento e dignidade dos povos. Quase centenário, continua com a sua acutilância humanística a criticar a decadência moral e social do Ocidente, do neoliberalismo, bem como as brutalidades do capitalismo selvagem. Hei-de voltar a falar em José luis Sampedro.

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