Porque é que a diminuição da população em Espanha é um problema económico? – por Edward Hugh V

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Selecção e tradução de Júlio Marques Mota

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(conclusão)

Uma parte do problema que o sistema tem é simplesmente o resultado do envelhecimento da população: a situação financeira muda conforme o número de pensionistas aumenta e diminui o número de contribuintes por cada pensionista. Outra parte é o resultado da crise económica recente (desde que com tanto desemprego há menos pessoas a contribuírem), enquanto um terceiro factor que contribui para o problema são as recentes mudanças na estrutura do mercado de trabalho, ou seja, significa isto que os jovens que agora entram no sistema ganham muito menos do que aqueles que se vão aposentar, levando as contribuições médias a cair, enquanto por outro lado se verifica o aumento médio das pensões atribuídas.

Alguns dos resultados dessa mudança de composição podem ser vistas no gráfico abaixo (Desculpem-me os espanhóis , mas acho que os principais pontos são de fácil leitura). O número de contribuintes por cada pensionista atingiu o alto valor de 2,71 em 2007, e desde então tem vindo a diminuir e está já em 2,25 em 2014. O número de pensionistas aumentou de 7,6 milhões em 2007 para 8,4 milhões em 2014.

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A pensão média paga está também a aumentar. Em Fevereiro de 2015, o montante total pago pelo sistema de pensões tem aumentado cerca de 3,1% ano a ano. Mas o número de pensionistas tem aumentado apenas de 1,3%. A pensão média subiu de 2,1%, devido ao fato de que os aposentados mais recentes têm estado a ganhar mais que as coortes anteriores e, portanto, são-lhes atribuídas pensões superiores. Ainda não temos dados sobre o rendimento de sistema de pensão para este ano, mas no final do ano passado estava a crescer cerca de 1,5% por ano, levando a um défice crescente para o sistema de cobertura.

Como eu disse, sob o anterior PSOE o défice foi financiado pelo orçamento geral do governo, e possivelmente 1,5 pontos percentuais do défice orçamental de 2011 que foi de 9,6% foram o resultado deste financiamento. Esta política mudou com a chegada do PP ao governo, e financiamento do sistema de pensões mudou-se para o Fundo de Reserva.

O atrito tem sido uma constante e o fundo está agora começar a diminuir. Em 2012, 7 mil milhões de euros, foram retirados, em 2013 foram 11,6 mil milhões de euros e em 2014 15,3 mil milhões de euros (ou seja 1,5% do PIB). Se quisermos comparar maçãs com maçãs e peras com peras, é então necessário acrescentar este valor de 1,5% do PIB ao défice orçamental de 5,6%, obtendo-se então um défice de 7,1%, usando os mesmos critérios de contabilidade como em 2011.

Dito de outra forma, o défice realmente foi reduzido de 9,6% para 7,1% em 3 anos, através de uma dramática austeridade. Em vez de pagar a diferença nas pensões sobre o rendimento actual, o governo está a utilizar um cartão de crédito emitido pelas “futuras pensões” para manter os pagamentos embora a situação obviamente esteja a piorar , significando isto que será ainda mais difícil pagar os níveis atuais de pensões no futuro do que agora.

Como um resultado de todos estes levantamentos a capacidade do Fundo de Reserva caiu do seu valor de pico de 66,8 mil milhões de euros em 2011 para o nível actual de 41,6 mil milhões de euros. No momento o governo tem orçamentado um outro levantamento de 8,4 mil milhões de euros este ano, mas este número pode facilmente tornar-se ainda maior. Então 2015 deve fechar o ano com apenas cerca de 30 mil milhões de euros disponíveis – dinheiro para um pouco mais de 3 anos à taxa corrente. É claro que, logo após as eleições, as alterações terão de ser feitas. Mesmo que o número de contribuintes para o sistema esteja a crescer à medida que a situação do emprego melhore, a taxa de despesas está a subir ainda mais rapidamente.

Houve uma reforma em 2013 destinada a resolver o problema, colocando o sistema a auto-financiar-se. Uma fórmula complicada foi introduzida, cuja intenção era a de assegurar que não sairia mais dinheiro – numa base estrutural – do que aquele que entrava. Mas isso foi na época em que os espanhóis ainda esperavam a inflação como uma solução de minimizar o problema. Como resultado – e como uma maneira de fazer aceitar a reforma – foi definido um aumento mínimo de 0,25%. Os preços no consumidor em Dezembro último estiveram 1,5% abaixo dos valores do ano anterior, e como resultado o aumento mínimo transformou-se num generoso “voto vencedor” de 1,75% num momento em que o próprio sistema estava a sofrer de uma enorme perda. Algo parecido vai acontecer este ano, dando pelo menos uma parte da explicação porque é que as vendas a retalho estão a portar-se melhor – em parte este aumento de vendas está a ser pago com as futuras pensões.

Está Madrid a vigarizar as contas enquanto sente que o futuro lhes está a fugir debaixo dos pés.

Em princípio, o facto de que as pessoas se estão a movimentar e a procurar ver melhor e a maior distância no futuro em termos de trabalho, não é isto uma coisa boa ? A simples teoria económica sugere que assim deveria ser. Na verdade uma das habituais críticas feitas por observadores externos sobre a forma pela qual a União Monetária trabalhou durante a primeira década da sua existência tem a ver com a ausência de mobilidade do trabalho na zona euro. A mobilidade laboral como um mecanismo de ajustamento face a choques económicos tem sido um tópico principal na literatura económica sobre uniões monetárias, tanto nos Estados Unidos como na Europa. Mais de 50 anos antes, no seu livro de referência sobre zonas monetárias óptimas , Robert Mundell salientou a necessidade de mobilidade elevada tanto do trabalho como do capital por ser um meio de absorção dos choques dentro de uma União Monetária: ele foi ao ponto de argumentar que um elevado grau de mobilidade dos factores, especialmente da mobilidade laboral, é a característica definidora de uma zona monetária óptima – ou seja, uma zona que funciona bem. Assim, sempre foi uma questão fundamental avaliar se a zona euro é uma área monetária óptima : qual é a importância da mobilidade do trabalho como um mecanismo de ajustamento na Europa em comparação com, digamos, os Estados Unidos?

Então, agora que as pessoas finalmente se estão a mover no espaço da zona euro, de um país para outro, à procura de trabalho, significa isto que a zona do Euro, uma vez que mais perto do que se entende por zona óptima, está a funcionar melhor, é isso, não é?

Se a vida fosse tão simples. Dois problemas surgem aqui e relativamente ao caso das migrações de trabalhadores no seio da UE que tornam a situação diferente do movimento de trabalhadores de um estado federado para outro nos Estados Unidos. Em primeiro lugar os estados dos EUA estão dentro de um mesmo país. Isto é importante quando chegamos a pensar em coisas como prestações de desemprego, sistemas de saúde e os direitos de pensões. Em segundo lugar, a fertilidade dos EUA ainda está na vizinhança da taxa de reposição da população (taxa de fertilidade total 2.1). Na maioria dos países da periferia da UE os níveis de fertilidade estão significativamente abaixo de 1,5 filhos por mulher em idade fértil (Tfr), e tem sido assim desde há décadas.

Dados mais recentes, no entanto, sugerem que as coisas estão agora a mudar com 2011/2012 a marcar um ponto de viragem nos padrões das migrações e na dinâmica demográfica por toda a borda sul da Europa . O número de migrantes recém registados na Alemanha, na Itália e na Espanha, por exemplo, aumentou em cerca de 40% entre o primeiro semestre de 2012 e o primeiro semestre de 2013. Os números de Portugal mostram um aumento em mais de 25% durante o mesmo período e desde então tem-se acelerado o processo. Os números relativamente a Londres e Paris revelam um padrão semelhante.

Uma vez que o desemprego na zona Euro actualmente varia entre cerca de 5% na Áustria e na Alemanha a mais de 25% na Grécia e em Espanha, há muito potencial para ajustamentos do desequilíbrio. Meio século depois do artigo original do Mundell ter sido publicado, a considerada mais ambiciosa tentativa até hoje para criar uma moeda única, abrangendo uma ampla variedade de fronteiras nacionais, está prestes a ver realizada a “optimal” mobilidade do factor trabalho. Mas é realmente assim tão optimal ? É esta condição desejável como muitos assumem para corrigir os desequilíbrios entre países através dos movimentos populacionais em idade de trabalhar que podem assim fluir ao invés destes desequilíbrios serem corrigidos via desvalorização? Existe alguma maneira de avaliar os seus resultados? Existem custos escondidos em fazê-lo pela primeira via em vez de o fazer por esta última ?

Como o economista Robert Solow afirma na citação indicada com a qual eu começo este texto, é impossível acreditar que a trajectória de mais longo prazo de uma economia não seja afectado pelas trajectórias assumidas durante períodos de desvio da tendência –trajectórias ascendentes ou descendentes. A emigração e com ela a sua dinâmica negativa de população em idade activa, estão a ser promovidas pela presente crise do mercado de trabalho em curso nos países mais afectados. A questão é apenas a de se saber em que medida, no mais longo prazo, o futuro desses países, está a ser posto em risco pela forma como o ajustamento se está a processar. Ao permitir que isso aconteça em vez de abordar as questões relativas ao endividamento excessivo, não significa então isso que estamos simplesmente a substituir a dívida de curto prazo, por incumprimento, pelas reformas de longo prazo e pelo sistema de saúde, sistemas estes que nos são tão queridos~

Os jovens estão a deslocar-se das economias fracas da periferia para os países comparativamente mais fortes do núcleo forte da zona euro , ou até mesmo para fora da velha EU, ou conjuntamente para ambos os lados. Isto tem a consequência simples de que os problemas de défice orçamental dos países do núcleo central da zona se reduzem enquanto as pressões sobre os da periferia só os poderão piorar ainda mais, assim como passarem a tornar os sistemas de segurança social cada vez mais inacessíveis. Enquanto isso, mais e mais jovens poderiam seguir a orientação assumida por Gerard Depardieu e procurar um lugar onde não haja uma tão elevada carga fiscal, de preferência onde o rácio de dependência de idosos não esteja a disparar tão rapidamente.

Que impacto é que as tendências de migração dentro da área do Euro terão na tendência de crescimento do PIB e dos défices estruturais nos respectivos países-membros a longo prazo? Estas questões não estão a ser levantadas.

Como muitas vezes acontece nas matérias económicas importantes, as soluções para um problema estão inadvertidamente a promover a criação de outros . Evitar uma reestruturação radical da dívida na periferia e indo para uma correcção “lenta, lentamente” não significa necessariamente que tudo o resto permanece constante. O Euro está a manter-se permitindo que as taxas de desemprego se ajustem para uma gama mais estreita através de fluxos da população.

A pergunta agora é então se isso é boa notícia? Obviamente, em certo sentido é assim mesmo, se isto é necessário para que o Euro funcione, tem que acontecer. Mas há um outro lado da moeda: as mudanças no processo político estão bastante atrasadas muito aquém de desenvolvimentos noutras áreas e especialmente nas migrações. Ficou claro desde a crise de dívida do Euro que um Tesouro comum era uma necessidade para o bom funcionamento da União Monetária, que todos os participantes precisam de se sacrificar a este respeito, e no entanto, os progressos no sentido deste objectivo tem sido dolorosamente lentos e cheios de amargas recriminações. Por fim, o problema de migração pode ser a via através da qual o problema de optimização da zona tem estado a fermentar para aparecer agora como uma questão central.

Edward Hugh, Why Is Spain’s Population Loss An Economic Problem? Publicado por A Fistful Of Euros-European Opinion, texto disponível em:

http://fistfulofeuros.net/afoe/why-is-spains-population-loss-an-economic-problem/

 

 Postscript

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