O MEDO E A LIBERDADE, por LUÍSA LOBÃO MONIZ

 

Uma régua e uma palma da mão vermelha e uma raiva a crescer no corpo pequenino que mal sabe ler.

Um grito sem som numa cela inabitável.

Paredes húmidas pelas lágrimas já secas, cheias de revolta e de satisfação porque não cedeu.

Conversas quase inaudíveis nos cafés porque aquele, que está na outra mesa ao lado, pode ser um informador da PIDE

Os olhos vermelhos e picados pelos gentis homens fardados de cinzento que do encontro ou da manifestação só sabem que os gases lacrimogêneos desorientam os manifestantes.

Duches tomados à força pelas potentes mangueiras dos carros d’ água.

Silêncios gritados com a força da revolta e da luta por um ideal, pela paz, pelo pão, pela habitação, pela saúde, pela educação e pelo muito mais que era vedado aos portugueses e portuguesas.

Mulheres em casa à espera do marido exigente, ciumento, superior, gritando sempre que queria “eu trabalho para te sustentar…”, “os filhos estão sujos, brincaram na rua? Agora os sapatos estão todos estragados…. Quem pensas que és? As minhas meias estão cosidas?

Porque ela não pode ver o telejornal?

Porque não pode ver o canal de televisão que quer?

Futebol uma obsessão.

Fátima uma obrigação.

Fado um destino de sofrimento.

Com a auto estima abaixo do chão iam nascendo as raízes da resistência e da organização, por vezes, feita na clandestinidade.

São contra a ditadura, apesar de mulheres clandestinas, muitas vezes estivessem numa casa desconhecida para servir os homens que lutavam nas ruas, no trabalho e na pobreza.

Na escola, as crianças eram o alvo preferido para serem maltratadas e humilhadas pelos adultos, fosse por quem fosse.

Ter pena delas era um sentimento cobarde porque, por causa do medo, nada se fazia…continuava-se a ter medo e pena.

O medo era maior do que o corpo podia suportar.

Mas a verdade verdadeira é que em tempos que já lá vão há sempre alguém que diz não.

E foram tantos e tantas que disseram não, que foram torturados, mas calados, que foram mortos para que hoje se pudesse escrever este texto sem censura.

É tudo tão absurdo, para quem não viveu 48 anos de ditadura, que as crianças não entendem porque não se podia dizer o que se pensava não quero ir para a guerra nas colónias, vivemos numa ditadura.

 O presidente da República, Américo Tomaz, era constantemente alvo de chacota popular “o corta fitas”, o “cabeça de abóbora”.

 Navios saíam, do Cais de Alcântara, para as colónias carregados de militares, que seriam carne para canhão.

 Era, e é, emocionante ver mães, irmãs, filhos chorarem pela partida daqueles que poderiam voltar numa caixa de pinho.

Mas only diamants are forever, a cantiga é uma arma, ergue a tua voz, ó cantor, canta camarada canta, diz não à guerra, canta o que faço aqui, não esqueças Grândola vila morena, terra da fraternidade, anda de cravo vermelho ao peito e grita fascismo nunca mais, 25 de Abril sempre

O mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança, mas atenção, a bola pode furar e de lá saírem drones, bombas, corpos sem vida ou feridos, crianças que já não respiram nem o coração bate.

A Democracia vive-se para a Liberdade de se ser feliz e não escravos de poderes belicistas alimentados pelo lema dar mais a quem tem mais

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