A lição do Chile – por Carlos Loures

 

 

Passa amanhã mais um ano sobre os dramáticos acontecimentos do Chile.

 

No dia do golpe iam chegando notícias terríveis. Lembro-me de estar na estação do Cais do Sodré, pouco depois das seis da tarde (passava do meio-dia em Santiago e tudo estava perdido), com o Diário de Lisboa tremendo-me nas mãos e fazendo esforço para que as lágrimas não se soltassem. Porque com o brutal esmagamento da Revolução chilena, para nós, os que não acreditavam que da Rússia, da China, da Coreia ou da Albânia nos viesse algo de positivo, vendo Cuba cada vez mais enredada nas malhas do imperialismo soviético, o Chile era para nós um farol de esperança. Uma luz que, naquele 11 de Setembro de 1973, se extinguiu.

 

Quando, a partir de 25 de Abril de 1974, pudemos livremente comentar o golpe de Pinochet, cada tendência política fez dele a leitura que mais lhe convinha – os católicos conservadores viram nele a consequência lógica da tomada do poder por forças ao serviço do marxismo internacional, uma espécie de castigo de Deus. Os neo-liberais, não fugiram muito a esta explicação, pondo a tónica nas dificuldades que o governo de Allende colocou às leis do mercado. Isto é, puseram o mercado no lugar de Deus. Curiosamente, as diferentes linhas marxistas – os pró-soviéticos, os pró-chineses e os pró-albaneses – viram o golpe como uma resposta do imperialismo à política «aventureirista» do governo popular do Chile. Condenaram o golpe, mas a lição que tiraram foi a de que não se deve provocar o capitalismo.

 

No fundo, quando se falava do Chile, era de Portugal que se estava a falar. Nos dezoito meses que a Revolução de Abril durou, o povo, nas manifes. nas assembleias realizadas à revelia dos partidos, preocupava tanto os que defendiam uma solução «democrática» como os que pugnavam pela entrada do Poder Popular nos seus carris ideológicos. A cada um sua verdade, como diria Pirandello, neste caso, a cada um o seu Chile.

 

Pelas ruas, quando no «Verão quente» de 1975 se sentia já o bafo fétido da reacção, gritávamos «Portugal não

 

 

 

será o Chile da Europa!», procurando esconjurar o perigo de um banho de sangue e de um regresso ao fascismo. Franco, apesar de moribundo, não hesitaria em nos enviar a sua divisão Brunete. Para tal, os generais espanhóis, apenas esperavam autorização do Pentágono. Que não veio, pois Frank Carlucci, o embaixador norte-americano e homem da CIA, viu maneira de o assunto se resolver com a prata da casa – os Comandos e as suas «chaimites» foram suficientes para dominar uma esquerda militar dividida e hesitante. Otelo, que comandava o COPCON e dispunha de força suficiente para fazer os Comandos engolir as «Chaimites», deixou-se aprisionar em Belém.

 

Sem fuzilamentos, sem tanques nas ruas esmagando o povo, os «partidos democráticos», a partir de 25 de Novembro de 1975, foram construindo o «socialismo de face humana» e o «socialismo em liberdade», expressões que mascaram a expressão mais realista de «capitalismo selvagem» ou de «neo-liberalismo à solta». Os «partidos democráticos» assassinaram a democracia e reduziram-nos a esta triste realidade que vivemos. Portugal não foi o Chile da Europa, lá isso não. Porém, sem o feio aparato fascista que os militares chilenos montaram, o resultado final foi o mesmo.

 

Quem ganhou foram os de sempre e quem perdeu foram os do costume.

 

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Escutar Victor Jara cantar “Venceremos”, diz-nos que Nunca morremos tanto como quando nos foge a esperança, palavras sábias de  Hubert Juin.

  

 

 

 

 

5 Comments

  1. Lembremos aos mais novos, que não viveram este tempo, que o intérprete desta canção era um jovem cantor chileno a quem esmagaram os dedos das duas mãos para que não pudesse tocar mais, antes de o terem fuzilado no Estádio de Santiago do Chile. Esse fascismo não era mais do que a expressão extrema do capitalismo selvagem que nos domina hoje. E não sabemos nunca onde poderá chegar.

  2. È isso mesmo, Augusta Clara – os fascismos de saudação romana, polícias políticas, torturas, falharam. Como nas fábulas, o lobo vestiu a pele do cordeiro, e agora aí temos o mesmo conteúdo travestido de democracia. Há quem lhe chame o «novo fascismo» – exagero? Talvez. Logo às 20 horas, falarei um pouco de Victor Jara.

  3. O Chile pré-1973 era uma grande esperança dum caminho novo e independente para os que não seguiam o dogma estalinista. Doeu ver o golpe e a repressão que se lhe seguiu.Mais tarde, no Portugal de 1974-75, doeu também ouvir os que apontavam o “aventureirismo” chileno – do Poder Popular – como razão para o golpe reaccionário.Sempre houve quem não visse fora do sectarismo da sua igreja.

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