UM CAFÉ NA INTERNET – Novas Viagens na Minha Terra – Série II – Capítulo 24 – De Barcelos a Ponte de Lima (continuação). Por Manuela Degerine.

Um café na Internet

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

De três em três passos, entre duas frases, Lena entala o leitmotiv. Ai, que calor. Ai, os meus pés. Ai, as minhas costas. Que tortura. Sinto os miolos a ferver. Ainda falta muito? A que horas chegamos? Quantos quilómetros faltam? Quantos quilómetros andámos?


Esta jeremiada, embora muito compreensível, não sofro menos do que eles, acaba por me saturar. Também sinto os olhos a arder, irritados pela gotas de suor, a camisola toda ensopada, a queimadura do sol, através da roupa, esta sede que nenhum líquido acalma. Trinta graus numa praia entre dois mergulhos e trinta graus à beira da estrada, com uma mochila que, durante dez horas, vai aquecendo, são temperaturas muito distintas! E a distância entre Barcelos e Ponte de Lima obriga a dar muitos passos.


Entre os que hoje palmilham este Caminho de Santiago, poucos deve haver que não sintam calor e não se sintam cansados mas, quando caminhamos com outra(s) pessoa(s), a primeira regra é não a(s) sobrecarregarmos com o nosso cansaço, as nossas dores, o nosso desconforto: cada um aguenta os seus pés, as suas costas, a sua mochila, a sua sede, o seu sol, a sua chuva… Quem não pode com eles, regressa a casa e, se ainda lhe apetecer, volta quando estiver física e psicologicamente preparado. (O meu camarada Sérgio, com quem percorri o mesmo caminho em condições não menos difíceis, manteve-se elegante e imperturbável até ao fim.)


Por conseguinte, hoje mais do que nunca, esperando que os suecos se adiantem, não desperdiço qualquer oportunidade de conversa; porém, azar meu, a esta hora, só os malucos de Santiago passeiam dentro do forno, encontro gente de siso apenas no fim da etapa e, enquanto tagarelo, os suecos aproveitam para descansar. Vejo um homem a atar a vinha. Trabalhou cinco anos em Portugal sem ser declarado, porém em França começou a 17 de Fevereiro de 1966 e, nesse mesmo dia, descontou para a reforma. Perto de Ponte de Lima, uma senhora chora a morte do filho e sublinha que, tanto ela como o marido, com quase oitenta anos, continuam a cultivar as terras, para não as verem ao abandono. Suspeito que aqui, como na maior parte do território português, são sobretudo idosos e reformados quem realiza esta tarefa de Hércules: impedir as silvas de invadir as terras. (Ou seja… Transmitir a outros o que herdaram dos pais e avós.) Talvez a crise económica e os venenos da produção extensiva revalorizem enfim estes terrenos agrícolas. 

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