Em 2007 apareceu o livro da canadiana Naomi Klein, The Shock Doctrine, the Rise of Disaster Capitalism. Em quinhentas e tal páginas, ela percorre vários episódios traumáticos da história recente, ocorridos em diferentes partes do mundo, desde a guerra das Malvinas (ou das Falkland, se preferirem), até ao Iraque, passando pelos episódios ocorridos na Rússia de Ieltsin, e pelas mudanças na China e na Ásia, recordando o golpe sangrento de Pinochet (que ela recorda ter sido o primeiro a pôr em prática as doutrinas de Milton Friedman), para chegar a uma base comum subjacente a estes acontecimentos, the free market economics, a economia do mercado livre. Naomi Klein não hesitou em mostrar como o capitalismo do desastre, ou a doutrina do choque afectaram gravemente a liberdade e o bem-estar da grande maioria dos indivíduos, cavando horrivelmente as diferenças sociais já existentes, e abrindo novas (ou reabrindo antigas, que se julgavam saradas).
Logo no princípio do livro, Naomi Klein conta que tinha estado recentemente num campo de sinistrados do tufão Katrina, que arrasou Nova Orleães em 2005, e causou centenas de mortos, com destruições incalculáveis. Circulava no campo um dito de um congressista republicano, Richard Baker, nos termos seguintes (espero que a tradução seja correcta): “Finalmente limpámos a habitação social em Nova Orleães.Nós não conseguíamos, mas Deus sim”. E um empreiteiro, por sua vez, terá dito: “Acho que temos terreno livre (clean sheet) para começar de novo. E neste terreno livre aparecerão algumas grandes oportunidades”. Naomi Klein faz uma analogia entre o Katrina e o que se tem passado em várias partes do mundo. Assim conclui que está em aplicação a doutrina do choque. O choque favorece o aparecimento de grandes oportunidades. Será exagerado recordar o choque fiscal que queria o Durão Barroso em 2002?
Naomi Klein termina o seu livro num tom esperançoso, e pouco realista. Passados quatro anos, com certeza que já se apercebeu disso. Intitulou o último capítulo do seu livro Shock wears off, O choque vai perdendo força. Na realidade se isso chegou a acontecer, o choque perder força, rapidamente recuperou. A recente crise financeira teve como resposta uma ofensiva fulminante dos grandes centros financeiros, que conservaram ao longo deste tempo as suas influências sobre os governos e a chamada classe política. E assim temos a Grécia a pagar juros de cinquenta por cento, e Portugal está a ver todo o seu sector público a ser privatizado (liquidado) a baixo preço, os salários e pensões a serem cortados, e as classes médias e baixas duramente penalizadas. E por todo o lado aparecem acontecimentos da mesma ordem. Na realidade a doutrina do choque continua viva. E o capitalismo do desastre mantém-se. Funciona mesmo sem tufão. A sua expressão ideológica é o neo-liberalismo, que o ministro da Economia Álvaro Santos Pereira diz não saber o que é.