Selecção, tradução e introdução por Júlio Marques Mota
Introdução
Um texto que dispensa comentários, um texto de Satyajit Das, um texto que exige uma leitura atenta e que por confronto com a realidade de hoje, com o que os jornais e as televisões nos colocam em casa, nos deve levar a fazer a seguinte pergunta: que temos andado a fazer para termos os governantes que temos, para termos as Instituições que sabemos, para termos a perspectiva de futuro que agora nos corrói? Ou então uma outra pergunta urgente: Que fazer?… E uma coisa é certa: esta última pergunta tem pelo menos cerca de um século de peso na cultura política europeia. Não o esqueçamos.
Temos o prazer de vos apresentar um dos mais acutilantes documentos sobre a crise que passa, sobre os políticos que temos e, já agora, também sobre os que não temos e devíamos ter. Uma leitura atenta, portanto, são os meus votos.
Júlio Marques Mota
Financeiramente fútil, economicamente errada, politicamente confusa e socialmente irresponsável, assim foi a Cimeira de Dezembro de 2011, assim foi um verdadeiro fracasso. Apenas os líderes participantes e seus acólitos acreditam no contrário. Pós-cimeira, a chanceler alemã, Ângela Merkel bem fez homilias sobre o “longo prazo”, sobre o estar a “correr uma maratona” e sobre “mais Europa” mas soa tudo a oco.
A Europa está agora firmemente na estrada para ir para lado nenhum, com dúvidas sobre se há dinheiro suficiente ou sobre se há a vontade política necessária para recuperar a sua posição.
A servidão fiscal …
A peça central do novo plano é um compromisso para um novo “pacto fiscal”, legalmente exigível, exigindo orçamentos governamentais que sejam equilibrados ou excedentários, com o défice estrutural anual a não ser superior a 0,5% do Produto Interno Bruto (“PIB”) nominal.
A linguagem era tanto orwelliana como era incompreensível, em igual medida: “Os Estados-Membros devem convergir para o seu nível de referência específico, de acordo com um calendário proposto pela Comissão.” A Comissão Europeia deve aprovar os orçamentos nacionais com, curiosamente, o Tribunal Europeu de Justiça designado como sendo o árbitro final.
Qualquer que seja o mérito de longo prazo de uma maior disciplina orçamental, o compacto recicla os tratados anteriores, que foram honrados mais com a sua violação do que pela sua observância. Desde 1999, ou a partir do momento da sua entrada em vigor, os países membros da Zona Euro- registaram cerca de 70 violações do Pacto de Estabilidade e Crescimento em vigor, incluindo cerca de 30 ocasiões em que os défices orçamentais eram superiores aos 3% do PIB o que era permitido por causa da recessão. A Alemanha e França estiveram em situação de violação do Pacto pelo menos 6 vezes cada um deles.
Assim como Margaret Thatcher favoreceu “o sado-monetarismo ” (um termo inventado por Denis Healey), o plano alemão para a Europa é “S& D fiscal ” (servidão e disciplina fiscal).
O plano pode resultar numa maior diminuição do já fraco crescimento na Europa, agravando as finanças públicas e aumentando a pressão de modo crescente sobre os ratings de crédito. Esta é precisamente a experiência da Grécia, da Irlanda, de Portugal e da Grã-Bretanha quando eles têm tentado reduzir os défices orçamentais através de programas de austeridade. Isto pode fazer com que o peso da dívida existente ainda mais difícil de sustentar. A rigidez das regras também limitam a flexibilidade da política governamental, arriscando-se ainda a tornar a crise económica ainda mais violenta.
Os controlos fiscais não podem evitar problemas futuros. Até 2008, a Irlanda, a Espanha e a Itália ostentavam uma melhor posição fiscal e de dívida menor do que a da Alemanha e da França. Os fracos fundamentais económicas destes países foram expostos pela crise financeira global, levando a uma rápida deterioração das finanças públicas.
Independentemente das disposições do Tratado, a aplicação será muito difícil. O chamado Procedimento dos Défices Excessivos requer que haja “consequências automáticas a menos que uma maioria qualificada de Estados-Membros da zona euro se lhe oponha”. A disposição define como qualquer violação e sanção automática pode ser suspensa , mais do que descrever as consequências do seu incumprimento. É difícil ver a França e a Alemanha a votarem para se apliquem sanções ao outro. Em 2003, houve um episódio vergonhoso em que cada um deles, a França e Alemanha, violou o limite do défice, mas cada um deles votou contra a condenação do outro.
Relembrando a observação de John Maynard Keynes sobre o Tratado de Versalhes, se realmente implementado e rigorosamente seguido, o compacto poderá arrancar a pele da Europa, especialmente a pele das economias mais fracas, enquanto vivas, ano após ano.
O compacto fiscal não permite quaisquer reduções no valor facial da dívida existente. Ele também não envolve nenhum compromisso para um novo financiamento para apoiar a periferia sitiada da Europa. A Alemanha especificamente descartou a possibilidade de solidariamente se garantir a emissão de euro-bonds da zona euro. Em vez disso, houve chavões vagos sobre a forma como trabalhar no sentido de uma maior integração orçamental.
Nomes diferentes para a mesma coisa: resgate …
Em vez de lidar com os problemas financeiros do mecanismo central financeiro (o FEEF – Fundo Europeu de Estabilidade Financeira), os líderes europeus escolheram a opção de dar outro nome, outra imagem, à mesma coisa.
O FEEF permanecerá activo até meados de 2013 e depois será incluído no mecanismo de estabilidade europeu permanente (“MEE”). O MEE será posto em prática até Julho de 2012 uma vez que 90% dos países membros o ratificaram – “uma implementação rápida” em termos europeus.
Decisivamente, o limite global do FEEF / MEE ao nível dos 500 mil milhões, mas será revisto em Março de 2012.
Para aumentar os fundos disponíveis, as regras de alavancagem do FEEF serão postas mais rapidamente em prática, utilizando o Banco Central Europeu (“BCE”) como agente nas transacções. Dada a indiferença para com as diversas propostas de alavancagem, principalmente de países emergentes como a China, a capacidade de atingir a meta de pelo menos 1 milhar de milhões de euros permanece posta em dúvida.
Os problemas de longo prazo da estrutura do FEEF inicial permanecem sem solução. O crédito da Itália e da Espanha (que representam cerca de 30% de garantias de apoio ao FEEF ) permanece questionável. A pressão sobre as notações de crédito dos avalistas mais fortes (Alemanha, França, Holanda, Finlândia e Luxemburgo) complica ainda mais a capacidade do FEEF em levantar fundos. As agências de notação já alertaram para o risco de um abaixamento de rating do FEEF [hoje, Fevereiro, já aplicada a baixa de rating].
Actualmente, o FEEF apenas emite títulos de dívida a curto prazo para financiar os seus compromissos (com os pacotes de resgate aprovados para a Grécia, Irlanda e Portugal). Os seus custos de financiamento de longo prazo estão a aproximar-se da taxa que é permitido cobrar aos seus próprios devedores. O FEEF foi mesmo forçado a negar relatórios que aconselhavam a que seria necessário incluir um aviso, um sinal de alarme, sobre o risco de um abaixamento de rating e também sobre o desaparecimento da zona euro na documentação a publicar para a colecta de novos recursos.
Dado os problemas do FEEF especialmente quanto à ameaça de descida de notações, a aceleração da iniciativa MEE é uma tentativa de reduzir a dependência das garantias prestadas pelos estados nacionais membros. O MEE terá um capital no montante de 80 mil milhões de euros que os países membros podem contribuir.
Tal como o seu antecessor – o FEEF – também o MEE é alavancado- 80 mil milhões de euros são a base para um valor de 500 mil milhões, ou seja, o equivalente a 6 vezes na alavancagem. Continuando a circularidade, os países como a Itália e a Espanha terão que pedir emprestado para poderem contribuir com capital para o MEE para permitir que o MEE possa para comprar títulos italianos e espanhóis . A capacidade do MEE, tal como a do FEEF, para conseguirem nos mercados levantar o adicional de 420 mil milhões de euros é também ela incerta.
(Continua)
Satyajit Das, The Road to Nowhere” – Europe’s Debt Crisis. 9 Janeiro de 2012.
Das é o autor de Extreme Money: The Masters of the Universe and the Cult of Risk (2011)