Capitulo I. Retratos da Desindustrialização
1.9 Como os Estados Unidos perderam o trabalho de fabricação dos iPhone – II
CHARLES DUHIGG and KEITH BRADSHER
(Continuação)
Na cidade Foxconn
A oito horas de carro desta fábrica de vidros está um complexo conhecido de modo informal como Foxconn City, onde o iPhone é montado. Para os executivos da Apple, Foxconn City é mais uma prova de que a China poderia disponibilizar trabalhadores – assim como outras vantagens – que ultrapassam as suas contrapartes americanas.
Digamos, não existe nada como a Foxconn City nos Estados Unidos.
A instalação fabril tem 230 mil empregados em que muitos deles trabalham seis dias por semana, muitas vezes estando até 12 horas por dia na fábrica. Mais de um quarto dos trabalhadores da Foxconn vive em instalações – dormitórios da empresa e muitos trabalhadores ganham menos de US $ 17 por dia. Quando um alto-quadro da Apple veio a Foxconn City durante uma mudança de turno, o seu carro ficou bloqueado num rio de gente em filas continuas e compactas de funcionários a saírem. “A escala aqui é para nós inimaginável”, disse ele.
A Foxconn emprega cerca de 300 guardas que irão orientar o trânsito dos peões para que os trabalhadores não sejam esmagados em engarrafamentos junto às portas de entrada e de saída. As instalações da cozinha central permitem que se confeccione uma média de três toneladas de carne de porco e de 13 toneladas de arroz por dia. Enquanto as fábricas são impecáveis, o ar dentro das casas de chá próximas é nebuloso com o fumo e o cheiro de cigarros.
Foxconn Technology tem dezenas de instalações na Ásia e na Europa Oriental, assim como no México e no Brasil, e estima-se que faz a montagem de mais de 40 por cento dos produtos electrónicos de consumo final no mundo para clientes como a Amazon, Dell, Hewlett-Packard, Motorola, Nintendo, Nokia, Samsung e Sony.
“Eles poderiam empregar 3.000 pessoas durante a noite”, disse Jennifer Rigoni, que era o gestor do aprovisionamento mundial da Apple até 2010, mas que se recusou a discutir detalhes específicos de seu trabalho. ” Qual é a fábrica nos EUA que pode encontrar 3.000 pessoas para trabalhar durante a noite e convencê-los a viver em dormitórios?”
Em meados de 2007, depois de um mês de experiências, os engenheiros da Apple finalmente aperfeiçoaram um método para o corte de vidro reforçado e de alta resistência para que este pudesse ser usado nos ecrãs do iPhone. Os primeiros camiões com este vidro de alta resistência destinados ao corte chegaram à Foxconn City na calada da noite, de acordo com o ex-executivo da Apple. Foi então aí que os capatazes acordaram milhares de trabalhadores, que se arrastaram nos seus uniformes – camisas brancas e pretas para os homens, vermelho para as mulheres – e rapidamente se alinharam para montar, manualmente os telefones. No prazo de três meses, a Apple tinha já vendido um milhão de iPhones. Desde então, a Foxconn já montou mais 200 milhões de iPhone’s.
Foxconn, em declarações, recusa-se a falar sobre clientes específicos.
“Qualquer trabalhador recrutado pela nossa empresa é coberto por um contrato claro definindo os termos e as condições estabelecidas pelas leis do governo chinês, que protege os seus direitos”, escreveu a empresa. A empresa Foxconn ” leva muito a sério a responsabilidade assumida face aos nossos empregados e nós trabalhamos muito duro para poder dar aos nossos mais de um milhão de empregados um ambiente seguro e positivo.”
A empresa contestou alguns detalhes que nos foram comunicados pelos antigos altos‑quadros da Apple e escreveu que um turno da meia-noite como o descrito, era impossível “, porque temos normas rígidas em relação à jornada de trabalho dos nossos empregados com base na especificação dos seus turnos e cada funcionário tem cartões de ponto informatizados que os impediriam de trabalhar em qualquer instalação num horário fora do turno que lhe foi atribuído. “A empresa disse que todos os turnos começam às 7 horas ou às 7h e 30 min e que os empregados recebem com uma antecedência mínima de 12 horas a informação sobre qualquer mudanças de horários.
Funcionários da Foxconn, em entrevistas, têm contestado estas afirmações.
Outra vantagem importante para a Apple era de que a China dispunha de engenheiros e numa escala que os Estados Unidos não poderiam igualar. Os directores de Apple tinham estimado que cerca de 8.700 engenheiros industriais seriam necessários para supervisionar e orientar a linha de montagem de 200 mil trabalhadores que possivelmente estariam envolvidos na fabricação dos iPhones. Os analistas da empresa havia estimado que seria necessário gastar até cerca de nove meses para encontrar esta quantidade de engenheiros qualificados nos Estados Unidos.
Na China, foram necessários 15 dias.
Empresas como a Apple dizem que o grande problema em instalar fábricas nos Estados Unidos está no facto que aqui não se encontra uma força de trabalho técnica capaz”, disse Martin Schmidt, reitor associado do Massachusetts Institute of Technology. Em particular, as empresas dizem que precisam de engenheiros com mais do que ensino secundário como formação de base, mas não necessariamente com um grau de licenciatura- mas sim com boa formação técnica superior mas curta. Os americanos a este nível de formação são difíceis de encontrar, dizem os executivos destas empresas. “Há bons empregos, mas o país não tem em número suficiente os quadros técnicos capazes de alimentar a procura”, disse Schmidt.
Alguns aspectos do iPhone são exclusivamente americanos. O software do iPhone, por exemplo, e as suas inovadoras campanhas de marketing foram em grande parte criadas nos Estados Unidos. A Apple recentemente construiu um centro de dados que lhe custou cerca de 500 milhões na Carolina do Norte. Os semicondutores fundamentais que estão dentro do iPhone 4 e 4S são fabricados numa fábrica de Austin, no Texas, pela Samsung, da Coreia do Sul.
Mas mesmo estas instalações não são enormes fontes de empregos. O centro da Apple na Carolina do Norte, por exemplo, tem apenas 100 funcionários em tempo integral. A fábrica Samsung tem cerca de 2.400 trabalhadores.
“Se se passa da produção e venda de um milhão de telefones para 30 milhões de telefones, não se precisa verdadeiramente de mais programadores”, disse Jean-Louis Gassée, que supervisionou o desenvolvimento de produtos e marketing da Apple até que ele abandonou a Apple em 1990. “Todas essas novas empresas – Facebook, Google, Twitter- beneficiam disto. Eles crescem, mas na verdade não precisam de contratar mais gente. “
É difícil estimar quanto custaria a mais a produção dos iPhones se a sua fabricação fosse feita nos Estados Unidos. No entanto, vários académicos e analistas estimam que, uma vez que o trabalho é apenas uma pequena parte dos custos de fabricação dos produtos de alta tecnologia, o pagamento em salários americanos teria um custo adicional na ordem dos 65 dólares por cada iPhone. Dado que os lucros da Apple por iPhone são frequentemente de centenas de dólares a fabricação feita nos Estados Unidos, em teoria, poderia ainda continuar a dar um bom lucro à Apple.
Mas esses cálculos são, em muitos aspectos, sem sentido, porque a fabricação do iPhone nos Estados Unidos exigiria muito mais do que a contratação de norte-americanos – seria necessário transformar tanto a economia nacional como a economia global. Os directores de Apple acreditam que pura e simplesmente não há trabalhadores americanos qualificados em número suficiente para satisfazer as necessidades da empresa em termos de formação técnica que a empresa precisa nem fábricas com suficiente capacidade de resposta, em rapidez e em flexibilidade. Outras empresas que trabalham com a Apple, como a Corning, também dizem que deve ir produzir no estrangeiro.
A fabricação de vidro reforçado para o iPhone fez renascer uma fábrica da Corning em Kentucky, e hoje, grande parte do vidro utilizado em iPhones ainda aí é feita. Depois do iPhone se ter tornado um sucesso, Corning recebeu uma enxurrada de ordens de encomenda de outras empresas na esperança de conseguirem imitar o design da Apple. As suas vendas de vidro reforçado têm crescido para mais de US $ 700 milhões por ano, e tem empregado e continuam a empregar mais de 1.000 norte-americanos para apoiar o mercado emergente.
Mas como esse mercado se tem expandido muito, a produção adicional de vidro reforçado de alta resistência de fabrico Corning tem-se feito em fábricas no Japão e Taiwan.
“Os nossos clientes estão em Taiwan, na Coreia, Japão e China”, disse James B. Flaws, vice-presidente da Corning e seu director financeiro. “Poderíamos fazer o vidro aqui, e enviá-lo por barco, mas isso leva cerca de 35 dias. Ou, poderíamos enviá-lo por via aérea, mas isso é 10 vezes mais caro. Assim, construímos as nossas próprias fábricas de vidro reforçado perto das fábricas de montagem e estas estão no exterior. “
A empresa Corning foi fundada na América há 161 anos e a sua sede está ainda em Nova York. Teoricamente, a empresa poderia fabricar todo o seu vidro reforçado no espaço americano. Mas isso “exigiria uma reformulação total na forma como está estruturado o sector,” disse Flaws. “O sector de produtos electrónicos de consumo final tornou-se uma actividade da Ásia. Como americano, eu lamento que assim seja, mas não há nada que eu possa fazer para travar este movimento. A Ásia passou a ser o que os Estados Unidos foram nos últimos 40 anos.”
A classe media desfeita
A primeira vez que Eric Saragoza entrou na fábrica da Apple em Elk Grove, Califórnia, ele sentiu-se como se estivesse a entrar num mundo maravilhoso dos produtos da engenharia.
Estávamos em 1995, e as instalações fabris de Sacramento empregavam mais de 1.500 trabalhadores. Era um caleidoscópio de braços de robôs, das correias transportadoras a movimentarem placas de circuito e, eventualmente, computadores multicores com o símbolo iMac em várias fases de montagem. Eric Saragoza, um engenheiro, rapidamente subiu na escala do pessoal de engenharia e juntou-se a uma equipe de elite em análise de qualidade. O seu salário subiu para cerca de US $ 50.000. Ele e sua esposa tiveram três filhos. Eles compraram uma casa com piscina.
“Parecia que, finalmente, a escola estava a ser compensadora “, disse ele. “Eu sabia que o mundo quer pessoas que saibam construir coisas”.
Ao mesmo tempo, no entanto, a indústria electrónica estava a mudar e Apple – com produtos que estavam em declínio de popularidade – estava a lutar para se refazer, para se recompor. Uma das preocupações maiores era a necessidade de modificar as linhas de produção e montagem. Poucos anos depois de Eric Saragoza ter começado o seu trabalho, os seus superiores explicaram-lhe porque é que a fábrica da Califórnia empilhava produtos contra o que acontecia com as fábricas no exterior: o custo, excluindo os materiais, em construir um computador de 1.500 dólares em Elk Grove foi de 22 dólares por máquina enquanto que em Singapura, era de 6 dólares e em Taiwan, eram apenas de 4,85 dólares. Os salários não foram a principal razão para as disparidades. Pelo contrário, eram bem maiores os custos na armazenagem e a diferença de tempo gasto a cumprir cada tarefa, os ritmos de trabalho, digamos.
“Disseram-nos que teríamos que fazer 12 horas por dia, e que tínhamos que trabalhar também aos sábados” disse Eric Mr. Saragoza. “Eu tinha uma família. Eu queria ver os meus filhos jogar futebol.
A modernização sempre provocou que alguns tipos de empregos mudem ou desapareçam mesmo. Como a economia americana tinha transitado da agricultura para a indústria transformadora e, em seguida, para outras indústrias, os agricultores deram em metalúrgicos, em seguida, em vendedores e gerentes de nível médio. Estas mudanças trouxeram muitos benefícios económicos e, em geral, com cada progressão, mesmo os trabalhadores não qualificados recebiam salários melhores e tinham maiores possibilidades de mobilidade ascendente.
Mas nas últimas duas décadas, algo de mais fundamental mudou, dizem os economistas. Os empregos de salários médios começaram a desaparecer. Especialmente entre os americanos sem formação universitária, os novos postos de trabalho de hoje são de forma desproporcional em ocupações de serviços – em restaurantes ou call centers, ou ainda como funcionários do hospital ou de trabalhadores temporários – que oferecem menos oportunidades de mobilidade ascendente, menores possibilidades para se atingir a classe média.
Mesmo Eric Saragoza, com o seu diploma universitário, estava a ficar vulnerável a essas tendências. Em primeiro lugar, algumas das tarefas de rotina da fábrica de Elk Grove eram enviadas para o exterior. Mr. Saragoza não as questionava. Então a robótica que fez de Apple uma base futurista permitiu aos executivos substituírem trabalhadores com máquinas. Alguns engenheiros de diagnóstico foram para Singapura. Gestores de formação média que supervisionavam as existências da fábrica foram demitidos porque, de repente, algumas pessoas apenas e com ligações à Internet faziam tudo o que fosse necessário.
Eric Saragoza era muito caro para uma posição de não-qualificado, agora. Ele também foi insuficientemente credenciado pelos seus superiores. Ele foi chamado a um pequeno escritório em 2002 depois de um turno da noite, foi demitido e, em seguida, acompanhado até à saída da fábrica. Foi dar aulas no ensino secundário durante algum tempo, e depois tentou um regresso para as tecnologias. Mas a Apple, que tinha ajudado a “chupar” a região conhecida como ” Silicon Valley North “, já tinha então convertido grande parte da fábrica de Elk Grove num call center AppleCare, onde muitos dos novos empregados ganhavam cerca de US $ 12 por hora.
.Havia perspectivas de emprego no Silicon Valley, mas nenhum destes empregos foi para ele visível. “O que eles realmente querem são pessoas com 30 anos de idade sem filhos”, disse Saragoza, que hoje tem 48 anos e cuja família agora inclui cinco dos seus filhos.
Depois de alguns meses de andar à procura de trabalho, ele começou a sentir-se desesperado. Os empregos até no ensino tinham desaparecido. Então ele assinou um contrato com uma agência de empregos temporários para a electrónica em que ele tinha sido contratado pela Apple para verificar iPhones e iPads que vieram devolvidos e antes que fossem reenviados de volta aos seus clientes. Todos os dias, Eric Saragoza levaria para o edifício onde tinha trabalhado como engenheiro, e por US $ 10 por hora, sem benefícios sociais, milhares de ecrãs de vidro limpos e testado ligações de áudio ligando os auscultadores.
(Continua)