Esta 5ª feira, dia 23, houve uma noite gloriosa na Academia de Santo Amaro.
Assinalavam-se os 25 anos do desaparecimento do Zeca Afonso.
O concerto contou com a participação de cerca de 20 cantores, músicos, declamadores , grupos e coros no total de 185 intervenientes.
De elevadíssima qualidade musical e com a participação numerosos jovens e seniores – a simbiose perfeita de uma mobilização artística inserida no tecido social – , constituiu um agradável reforço ideológico e “vitamínico” para o público que super – lotou o teatro da Academia.
Como fui convidado para apresentar o espectáculo, decidi escalonar as minhas intervenções desta forma:
Início – fazer um Balanço rápido dos anos 60 para se perceber a inserção da acção cultural no movimento político anti – fascista.
Os dados de revolta estavam lançados : o aparecimento da guerra colonial, Beja, o assalto ao S. Maria, as fugas de Caxias e Peniche, as greves no campo Alentejano e nas escolas e Universidades.
E é aqui que surgem os sinais do caleidoscópio cultural : em síntese rápida ( e, por isso, inevitavelmente com injustas lacunas) : “ Barranco de cegos” de Alves Redol, “Render dos heróis” de J. Cardoso Pires pelo Teatro Moderno, os filmes“Belarmino” de F. Lopes, e “ Verdes anos” de Paulo Rocha, a pujança do Teatro Universitário, a música de Lopes Graça, Carlos Paredes e Zeca Afonso.
A 2ª intervenção dediquei -a a Coimbra para referir um comportamento exemplar e desconhecido do Zeca Afonso. A greve de 62 em Coimbra foi particularmente activa e determinada. Além das greves às aulas, o luto Académico espalhou-se também pelas actividades desportivas.
Nesse tempo, a Académica gozava de enorme prestígio desportivo a nível nacional.
Estava à frente dos campeonatos de hóquei e basket e em 3º lugar no futebol. Começaram as greves no hóquei, basket e futebol, faltando aos encontros! E dizíamos : perde-se o titulo, mas não se perde a Honra! ( BONS TEMPOS!)
Mas como o futebol é coisa séria e o próximo jogo era com o Sporting, a GNR decidiu intervir :prisão dos jogadores para estágio no Luso…;surgiu a ideia de cavar o campo no Sábado à noite, mas o estádio já estava cercado quando lá chegámos embrulhados nas capas que escondiam as picaretas…Com estádio cheio e a GNR cercando o terreno de jogo e de frente para a assistência, ojogo nunca mais começava porque a Académica não deu o pontapé de saída…bola para o Sporting, chegam à baliza da Académica e atiram a bola para trás…Aplausos, FRA, etc. ; 0/0 ao intervalo…; claro que a Pide foi falar ao intervalo e o Sporting acabou por ganhar por 3 /0, com os nossos aplausos, evidentemente. É neste ambiente que surge um plano para arrefecer o movimento.
O Orfeão é convidado para se deslocar aos Estados Unidos! E o Zeca é convidado para ir, com oferta de um maço de milhares de escudos em cima da secretária da direcção e mais a garantia de gravação de discos na pátria do Tio Sam. E o Zeca, de terrível penúria económica, recusou.
3ª –Falei da ida a Grândola à SMFOG, Música Velha no dia 17 Maio 1964,com a GNR na rua(para proteger o povo dos cantores, com certeza); foi um êxito total com estreia de novas canções, e 3 dias depois Zeca enviou o poema Grândola, vila morena (escrito com tinta verde) para o José da Conceição.
Para terminar referi o boicote ao Zeca depois do 25 de Novembro numa certa imprensa que falava da sua péssima qualidade musical, etc. O Zeca era sensível e não aguentou. Fui convidá- lo para fazer a música de “ Zé do Telhado”, e não quis fazer, que não prestava, não cantava mais, etc. Consegui fazer chantagem, e ele cedeu. Depois do êxito, ele dizia-me: “ Hélder, o que é chato é que quem escreveu essas coisas, era malta de esquerda;” “ Oh Zeca, olha a sorte que tiveste, se não fossem de esquerda eram uns filhos da puta “
Lisboa, 24 de Fevereiro 2012
HÉLDER COSTA