Hoje em Lisboa vai decorrer uma manifestação promovida pela ANAFRE – Associação Nacional de Freguesias, contra a reforma administrativa que o governo de Passos Coelho pretende implementar, a coberto do chamado programa da troika. Tem como objectivo principal defender as freguesias, cujo número será drasticamente reduzido, de modo bastante arbitrário, se aquela reforma for levada a cabo nos moldes inicialmente anunciados.
O governo invoca como pretexto para levar avante uma mudança tão profunda no quadro administrativo do país o acordo com a troika (que nunca terá exigido uma redução tão drástica do número de freguesias) e a situação financeira do país. Mas esta questão tem suscitado muitas reacções negativas, mesmo dentro dos partidos do governo. É evidente que a reforma administrativa, a ser feita deste modo, vai acarretar imensos problemas. Ao nível do cidadão comum vai criar ainda mais confusão sobre o funcionamento dos serviços a que precisa de recorrer. Em muitos casos vai aumentar a distância a percorrer para ir à Junta de Freguesia, e vão aumentar os custos para o cidadão as demoras. O funcionamento dos serviços será obviamente afectado, e agravado com a pressa que vão querer imprimir ao processo, com as eleições autárquicas a espreitar em Outubro de 2013.
Olhando de um modo mais geral, constata-se que vão ser abalados os laços tradicionais de solidariedade entre os habitantes da mesma freguesia, que ainda vão existindo em muitos sítios. Numa época em que se defende cada vez mais a participação das pessoas na vida política, vemos mais uma vez quererem impor reformas feitas à pressa, a partir do Terreiro do Paço (pouco importa se agora é a partir de S. Bento ou de outra rua qualquer), e com motivos que não são os abertamente invocados. Os mais atentos percebem que esta reforma, conjugada com uma eventual lei eleitoral que venha favorecer o sistema uninominal, que permitirá ao cabeça de lista do partido que vencer as eleições numa freguesia (ou num município) nomear a totalidade do executivo, reduzirá a participação dos cidadãos na política. É esse provavelmente o grande objectivo desta auto-intitulada reforma. Impor a nível local o sistema bi-partidário, versão avançada do bloco central (sempre encostado à direita, claro), a caminho do partido único (não declarado).
É evidente que o país precisa de uma reforma administrativa. Os concelhos e as freguesias têm de ser adaptados a realidades que estão em permanente evolução. Muitos já deviam ter sido remodelados há muito tempo. Mas o problema é mesmo esse: a reforma administrativa não é para ser feita de empurrão, sob a pressão ou a pretexto da tróica, com objectivos que não são os declarados abertamente. A reforma administrativa tem de ser feita todos os dias, de modo transparente, e com a participação dos interessados. Só assim se poderão preparar as alterações necessárias, e conseguir que estas alcancem os efeitos pretendidos, com a aprovação dos cidadãos.