MODELO DE PATERNIDADE OU PATERNIDADE ROUBADA?- por Raúl Iturra

 

Para o Tiago Raposo, meu neto intelectual…

 

Os nossos filhos começam a sua existência no nosso amor e no nosso desejo pela mulher que nos aceta da maneira que somos e continuam a sua vida na paz do lar, ou com os dois progenitores juntos ou com o acordo de como gerir a separação deles. De uma ou outra maneira, continuam a sua vida dentro da intimidade do casal juntos ou a distância. Antes dos convénios matrimoniais ou de separação, viviam dentro do grupo social, esse que nos ensinam como é que amamos aos nossos descendentes. A verdade é que orientamos a nossa paternidade por um mito cristão. Na nossa cultura cristã, há um mito, o da paternidade silenciosa que José soube ter com Maria, quando a aceitou como esposa, sendo ela já uma mulher grávida. Entre os Islamitas, o Pater Família é duro com as filhas e um doce varão com os filhos, para inspirar paternidade. Os Budistas pensam no mais novo reencarnado de um ser que veneraram no passado.

 

Max Weber em 1905, conseguiu analisar todas as relações ascendentes/descendentes do que denominou as religiões universais. Essa teoria que orienta a nossa cultura, ou a amizade dos adultos com as suas crianças falada com alegria por Malinowski em 1922, 1924 e 1926. As ideias analíticas de Sigmund Freud em 1905, em 1913 e as maternais de Mélanie Klein em 1930, ideiam doces de François Dolto nos anos 50 do Século XX, ou diretas e sem modelos, mas cheias de ternura de Alice Miller até o dia em que faleceu, nova ainda, em 2004. Todos concordam como os pais varões ficam encantados pela beleza em termos de descendência, ainda antes de sermos materialmente pais.

 

Quando nascem, é uma alegria e um orgulho. Queremos dizer, contar, compartilhar, referir os mais pequenos gestos, acariciar esses dedos frágeis e apertar a pequena mão agarrada à nossa.

 

Com beijos, tantos e tão profundos, capazes de transmitir todas as doenças que entram connosco ao correr desde a rua até ao berço. Que alegria ver que ensaiam caminhar e caem, esses delicados e doces primeiros passos! E quando dizem as primeiras palavras! E esse tão natural pranto de dor por causa dos ouvidos ao suportar o primeiro dente que a gengiva anda a atrasar, essa água que escorre pelo nariz no primeiro parto da primeira filha que um dia aparece! A profunda preocupação do catarro, o escândalo que criamos ao típico mau médico por causa do mau diagnóstico, que nem consegue saber se é resfriado ou meningite! Os milhões de perguntas aos pais de como era que faziam quando nós tínhamos essa doença e essa idade. A nossa mãe, avó dos nossos mais novos, a melhor médica pediátrica que vamos encontrar, porque com calma diagnostica e dá uma carícia ao aflito pai.

 

Esse homem que imaginou seis descendentes para brincar, amar, cuidar, trabalhar, ensinar, vestir, jogar a bola, aprender a engomar e tecer as tranças na cabeça das mais pequenas! E o hábito, necessário, de guardar silêncio à chegada da primeira menstruação ou da primeira poluição do puto, os famosos sonhos molhados que também tivemos, até descobrir o prazer de masturbar-nos. Sem contar aos mais velhos, essa experiência que tiveram no seu tempo e permitia adivinhar a nossa e nós…a pensar que enganávamos…como se fosse um pecado…que até o Catecismo Romano retirou da lista dos atos condenados em 1993…apenas. E essa passagem do auto erotismo ao namoro, as apalpadelas? Inovação nos nossos sentimentos…! Se é filho, ficamos babados; se é filha… pensamos…e pelos menos recomendamos preservativos para evitar uma gravidez não desejadas e sem pai ou hoje em dia,  a existência de mãe adotiva dentro do casal. Estas três vias do crescimento dos nossos filhos, as acompanhamos com prazer, com mimo, mal criamos pelo ouvir, responder e não aconselhar, excepto se somos perguntados…

 

Há a quarta, antes da quinta e derradeira experiência da paternidade, esse dia que os nossos pequenos crescem e, olhos nos olhos com alguém novo dentro da família, sonham com o seu herdeiro e o vão fazendo… e um dia depositam no nosso colo um pequeno bebé que nos faz temer, desconfiar, ter medo que venha a cair e devolvemos a correr ao nosso descendente que sabe muito bem como o tratar. Bebé que cresce faz do pai avô e começam as agendas e as regulamentações para como sim e como não, mimar uma entidade nova que nós vamos ver apenas duas vezes num ano, não todos os dias como aos nossos filhos. O código é criado, a ilusão de ser avô fica no imaginário e apenas, às escondidas, podemos brincar aos jogos proibidos, como andar de carro, de bicicleta, ler histórias de autores que não o Tolkien dos nossos pequenos. Ou dançar ao som das suites de Bach, dança para raparigas, bola para o puto, especialmente se o descendente é rapaz…

 

O desentendimento atinge essa quarta etapa da nossa vida e a afetividade cultivada com prazer e honra, fica fechada enquanto esse filho, hoje pai, não confia em si próprio para emprestar o seu rebento ao seu próprio pai, que passa a ser o lobo mau da família, o traidor, o proibido, o banido da relação que salta uma geração. Organiza-se o dia do avô, como sagrado e respeitado, como Daniel Sampaio tem explicitado em livros e factos. Passamos a não ser avós nem pais durante um tempo cumprido. O mito católico romano fica fechado: o filho que morre por todos, apenas tem mãe. O pai fica nos textos da infância do bem-amado, na altura da necessidade de trabalhar para sustentar a casa enquanto os descendentes estudam.

 

Os círculos se fecham e passa a ser necessário inventar uma nova família e novos rituais. Com Natais com netos permitidos…ou com netos retirados de nós com más palavras dos nossos antigos amados pequenos. É o Natal. Abrem-se imensas alternativas de solidão, entre elas, retirar as fotos dos netos para não lembrar. Desejo a todos que esse castigo nunca aconteça e o mais novo seja o ponto de união de um pai respeitoso do novo casal ao seu descendente. Como espero ser capaz de ser. Mas se sou mal entendido…o tempo o dirá…Quinta e derradeira experiência da paternidade.

 

Uma paternidade que deixa de ser modelo e passa a ser roubada…

 

 

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