Globalização e Desindustrialização – 4ª Série. Capitulo 2. Comércio e Concorrência Internacional: algumas questões.

2.7 Como a economia se perdeu, condenada pelos mitos da  livre-troca. Por Paul Craig Roberts.

 

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota.

 

(Conclusão)

 

Assim, a “livre-troca” também destruiu as perspectivas de emprego para os trabalhadores mais velhos. Forçados a abandonar as suas carreiras, estes  procuram emprego como empregados de reposição das prateleiras de Wal-Mart.


Tenho lido inúmeras homenagens ao Wal-Mart escritas por  “economistas libertários”, que cantam louvores à Wal-Mart por  trazer até ao consumidor as mercadorias a preços baixos, dos quais  70 por cento são feitos na China  para o consumidor americano. O que esses “economistas” não escrevem nas suas análises é que a diminuição dos  rendimentos das famílias americana e a redução da  base dos  impostos do  governo são a consequência da  perda da produção dos  bens que geram os empregos para a China. Os elevadores da mobilidade ascendente estão a ser desmantelados pela externalização da produção de bens e de serviços enquanto na Califórnia se emite YOU para pagar as suas contas. A externalização da produção reduz o PIB dos EUA. Quando os bens e serviços são depois importados pelos Estados Unidos para aqui serem vendidos, está-se com eles a aumentar o défice comercial. À medida que o défice comercial é financiado por estrangeiros que adquirem activos americanos, isto significa que os lucros, dividendos, os ganhos de capital, juros, rendas, alugueres, portagens,  deixam os  bolsos dos americanos para entrar para os bolsos dos estrangeiros.


O desaparecimento da economia produtiva da América deixou a economia dos EUA a depender das finanças em que os EUA se mantiveram dominantes porque o dólar é a moeda de reserva. Com a saída das fábricas, as finanças avançaram em novas direcções. As hipotecas individuais  que faziam parte do portfólio do seu emitente  passaram a ser  titularizadas. As dívidas hipotecárias individuais foram combinados num “security” [dando origem aos SIV, aos CDOs, aos CDS ]… O passo seguinte foi então a titularização dos pagamentos de juros das hipotecas vendendo-os  como produtos derivados, criando assim um terceiro instrumento de dívida com base nas hipotecas originais.


Em busca de lucros cada vez maiores, as instituições financeiras começaram a apostar no sucesso e no fracasso de vários instrumentos de dívida e, por aí, a fazerem a mesma coisa sobre as empresas. Eles compraram e venderam swaps sobre instrumentos entregues como colaterais de dívida. O comprador paga um prémio a um vendedor por um contrato de garantia do valor de um activo. Se um activo é “segurado” por um contrato destes, o swap,  e se este activo perde valor, é suposto que o vendedor do swap compensará  em cash o seu comprador, desta diminuição do valor.  O comprador de um swap não é obrigado a possuir o activo segurado para poder comprar uma garantia sobre o seu valor. Portanto, muita gente poderia e pode comprar tantos swaps quantos quisessem sobre o mesmo activo que podiam não ter comprado. Assim, o valor total dos swaps excede, e em muito, o valor dos activos. *


O próximo passo foi para os detentores dos swaps a venda a descoberto dos respectivos activos a fim de fazer descer o seu valor no mercado e receberem  o valor da garantia estipulado no swap.  Como os emitentes  de swaps não eram obrigados a criar reservas obrigatórias contra estes riscos por eles assumidos  e como não há nenhum limite para o número de contrato de swaps,  as garantias a serem depois pagas  poderiam facilmente exceder o património líquido do vendedor dos swaps, o vendedor da garantia…


 

Esta foi a forma mais vergonhosa e mais insensata de especulação já alguma vez vista. Os jogadores estavam a apostar com jogadas que não podiam cobrir. Os reguladores norte-americanos abandonaram os seus postos, as suas funções. As instituições financeiras americanas abandonaram toda a integridade. Como consequência, as instituições financeiras americanas e as agências de rating não são de confiança em nenhum lugar na terra.

 

O governo dos EUA nunca deveria ter usado milhares de milhões de dólares dos contribuintes para pagar os contratos de swaps como o fez quando foi  em socorro da companhia de seguros AIG. Este foi  um desperdício impressionante de uma grande soma de dinheiro. O governo federal deveria declarar todos os contratos de swap como contratos fraudulentos, com excepção daqueles que se referiam a títulos igualmente detidos pelos detentores dos títulos, pelos detentores dos activos correspondentes. Pura e simplesmente acabar com esses contratos fraudulentos eliminaria a maior parte do grande volume destes activos “tóxicos” que ameaçam os mercados financeiros.


Os milhares de milhões de dólares dos contribuintes gastos na compra de derivados de subprime também foram desperdiçados. O governo não precisava de gastar um centavo. O que todo e qualquer governo devia fazer era suspender o princípio contabilístico da  valorização dos activos,  mark-to-market rule. Esta simples atitude teria eliminado a ameaça de insolvência para as instituições financeiras, permitindo-lhes manter os derivados pelo seu valor contabilístico até as instituições financeiras poderem  verificar os seus verdadeiros valores e depreciá-los depois ao longo  do tempo.


Os contribuintes, os detentores de bens de capital e de posições credoras sobre o governo dos EUA estão a ser arruinados pelos escroques dos mercados  financeiros que estão a manipular para sua própria vantagem a atitude do governo em fazer respeitar o princípio de registo contabilístico, mark-to-market rule, e a “santidade dos contratos.” Multi-milhões de milhões de dólares em “resgates ” e em nacionalização dos bancos são o resultado da incapacidade do governo de reagir com inteligência.


O outro problema grave é o estatuto do dólar dos EUA como moeda de reserva. Esse estatuto permitiu que os EUA, agora um país fortemente dependente das suas  importações como um qualquer país do Terceiro Mundo ou como um país relativamente menos desenvolvido, pudesse  liquidar  os seus compromissos  internacionais na sua própria moeda. Somos capazes de importar 800 mil milhões de dólares anualmente a mais do que produzimos, porque os países estrangeiros de quem importamos estão dispostos a aceitar o pagamento em papel pelos  bens e serviços que nos fornecem.


Se o dólar perde o seu papel de moeda de reserva, os estrangeiros não aceitarão dólares em troca de coisas reais. Este evento seria imensamente nefasto para uma economia dependente das importações no que diz respeito à energia, ao seu vestuário, ao seu calçado, aos seus produtos da indústria transformadora e, adicionalmente, aos seus produtos de tecnologia avançada.


Se a incompetência em Washington, o tipo de incompetência que gerou a actual crise económica, destrói o dólar como moeda de reserva, o “país centro do poder do mundo” transformar-se-á rapidamente num país do terceiro mundo, incapaz de pagar as suas importações, incapaz de sustentar o seu nível de vida.


Quanto tempo pode o governo dos EUA proteger o valor do dólar através do leasing do  seu ouro a negociantes de ouro que o vendem depois, fazendo assim, descer o preço do ouro? Dada a incompetência que reina em Washington e em Wall Street, a nossa maior esperança é a de que o resto do mundo seja ainda menos competente e esteja até em dificuldades muito mais profundas que as nossas. Neste caso, o dólar dos EUA pode sobreviver como a moeda menos má de entre as más moedas pertencente ao conjunto mundial de moedas sem valor intrínseco que circulam apenas por garantia dos governos, não sendo também garantidas por reservas…


Dr. Roberts was Assistant Secretary of the Treasury in the Reagan administration. His latest book, “How The Economy Was Lost,” has just been published by CounterPunch/AK Press

 

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