Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
(Conclusão)
De todas as deficiências técnicas do capitalismo, penso, a mais imediatamente perigosa é a sua incapacidade absoluta para integrar o facto de que os recursos não são infinitos e da impossibilidade matemática de manter um rápido crescimento na produção em termos materiais. Poder-se-á ter um aumento constante na qualidade dos bens e serviços e, espero, na qualidade de vida, mas não se pode ter crescimento sustentável na produção em termos físicos. Poderemos ter “crescimento” – por enquanto – ou podemos pode ter “sustentabilidade” para sempre, mas não ambas as coisas ao mesmo tempo. Esta é uma mensagem que nos é dada pelas regras dos juros compostos e pelas leis da natureza.
No entanto, poder-se-á tentar ter ambos. Mas muitos, quando lhes é dada a escolha a fazer, seleccionam “Crescimento”, e que vão para o inferno as consequências.” Em alternativa, eles adoptam uma estratégia de não se interessarem pelas más notícias e de levarem uma vida a ouvir apenas as boas notícias. As boas notícias para essas pessoas é que há sempre alguns especialistas a quem falta terem uma visão de longo alcance, o simples senso comum, ou existem aqueles cuja cooperação foi comprada como testemunhas “peritos” num julgamento por homicídio, em que aconteça o que acontecer podem sempre dizer que tudo vai sempre dar certo. (Um famoso professor afirmou sem problemas que com o fumo do tabaco tudo ia muito bem para dizer depois que a continua produção de gases de efeito estufa também seria sem consequências).
Os optimistas oferecem como prova que nós estaremos sempre a viver no melhor dos mundos possíveis, mas nem toda a nossa espécie uma vez que ao longo de um milhão ou mais de anos se terá vivido a ensaiar e sofrer e terá sido somente nos nestes últimos 200 anos, que os hidrocarbonetos e outros recursos nos deram uma suspensão temporária dessas privações. Esta suspensão não transforma o que é finito em magicamente infinito, mas os 250 anos de intervalo de hidrocarbonetos podem levar a sentir que isso é para sempre. O capitalismo age certamente assim, como se acreditasse que o rápido crescimento em riqueza física possa durar para sempre. Parece estar viciado em ter sempre um crescimento elevado e evita qualquer sugestão de que ele pode ser reduzido pelos limites dos recursos naturais. Assim, o capitalismo mostra-se horrorizado com o pensamento (e com a realidade ocasional) do declínio da população, quando na verdade tal declínio pode ser visto como uma necessidade absoluta para podermos acabar em graça, ao invés de sofrimento, numa economia mundial totalmente sustentável. O mesmo ocorre com os recursos naturais, em que o capitalismo quer devorar esses preciosos recursos limitados e quer fazê-lo a um ritmo acelerado com o pretexto de que todos no planeta tem o direito de viver como perdulários poluidores como o fazem hoje os países desenvolvidos.
Ninguém tem que ser um matemático de nível do doutoramento para entender que se os chineses e indianos em média convergissem para os níveis médios americanos ( teoricamente é para onde se movimentam) então os gansos do nosso planeta seriam cozidos, juntamente com a maioria das outras coisas. Na verdade, os cientistas calculam que, se esta convergência económica se verificar, precisaríamos de pelo menos três planetas para sermos totalmente sustentáveis. Mas poucos ouvem o que nos dizem os cientistas nos dias de hoje. Então, quais são as teorias económicas que tratam os recursos como se estes sejam finitos? Bem, os pesquisadores da OCDE dizem que “nenhuma” – que nenhuma tal teoria existe. A teoria económica ignora esse pequeno problema ou assume que se comprarmos e utilizarmos os recursos necessários, dado o normal comportamento da oferta e procura, isto pode ser feito indefinidamente. Isto é uma falta de bom senso a par com as “expectativas racionais” da elegante teoria que incentivou a fé ridícula na desregulamentação e na sabedoria dos mercados livres de que resultou os nossos recentes fiascos financeiros. Mas esta falha na teoria económica – a de ignorar os limites naturais – corre o risco de ter resultados muito mais perigosos do que as falhas temporárias dos mercados financeiros.
Deixem-me fazer uma pergunta simples. Se houvesse um milhar de anos extra em termos de fornecimento em petróleo – de petróleo onshore tradicional – disponível digamos, a um custo de produção de 200 dólares por barril para complementar o nível dos actuais 40 anos do custo misto nas reservas que temos hoje, qual seria a diferença que faria nos preços de hoje? Para nosso espanto, possivelmente, a diferença não seria nenhuma. O preço de hoje tem fundamentalmente a ver com o funcionamento a médio prazo dos custos actuais dos barris actuais e da procura actual. Ainda mais, cada leitor racional sabe que isso não deveria ser o caso: que a existência de enormes reservas (ou a falta delas), de facto, deve influenciar o preço de hoje num mundo preocupado com o seu bem-estar a muito longo prazo. Além de ignorar o esgotamento de recursos materiais de alta qualidade, nenhuma preocupação seja no que for é mostrada quanto às nossas práticas devastadoramente erosivas na agricultura global e no uso intensivo dos recursos actuais.
Como descrito acima, o actual sistema capitalista americano parece conter algumas falhas potencialmente fatais. Então, devemos perguntarmo-nos o que seria necessário fazer para que o nosso sistema evolua no tempo de modo a salvar a nossa alimentação. Claramente, um melhor equilíbrio com uma adequada regulação seria uma ajuda. Isso requer uma regulação razoavelmente esclarecida, que não é susceptível de ser aprovada a menos que a grande influência do muito dinheiro no Congresso e particularmente nas eleições, diminua. Isto exigiria mudanças em toda a estrutura jurídica até ao Supremo. É um longo caminho a percorrer, mas um punhado de outros países democráticos no norte da Europa foram já bem-sucedidos e com questões tão graves como as que temos, teremos poucas alternativas para mudar os nossos destinos.
Certamente ajudaria se o público em geral estivesse melhor informado, especialmente no que diz respeito à sua formação científica. Infelizmente, o mesmo é aplicável ao próprio Congresso. Este órgão está necessitado de homens de ciências e de ganhar uma familiaridade básica com as coisas científicas. Os nossos principais problemas têm de ser abordados por pessoas muito familiarizadas e à vontade em tratar as questões encaradas do ponto de vista científico. Diz-se que oito dos nove mais elevados altos quadros no governo da China são cientistas. Ao mais elevado nível, dos nossos 535 congressistas mais o Presidente e o Vice-Presidente, temos menos do que um punhado – indiscutivelmente apenas dois ou três – iria passar no teste.
Diz-se, por outro lado, que há cerca de 100 congressistas que não acreditam na evolução. Sem o respeito pela ciência que existe no Congresso e com o desinteresse em geral e cada vez maior do público pelas mesmas questões alguns dos novos e dolorosos problemas de que temos estado a falar vão ser difíceis de enfrentar. (A percentagem de alunos inscritos nos cursos de ciências relativamente ao total de estudantes universitários nos Estados Unidos é apenas a 60ª mais elevada à escala mundial actualmente).
Esta falta de conhecimento científicos é agravada pelo fato de que toda a gente gosta de ouvir boas notícias, os americanos ainda mais do que os outros.
As notícias desagradáveis que mais cedo ou mais tarde temos de compreender são trabalhadas por gente qualificada, através também de negações enérgicas, sendo gente bem financiada por indústrias poderosas que temem que os seus lucros venham a ser ameaçados. Os libertarianos parecem sentir que, mesmo que a má notícia seja verdade, a regulação necessária seria para estes tão desagradável que eles realmente preferem que a ciência seja diferente, e eles pensam assim, colocando a sua desejada teoria política bem acima da ciência.
Entretanto, a China avança e com ela a ciência é aceite como costumava ser a nossa maneira normal até às últimas duas décadas ou mesmo até à última delas. E acho que eles têm algumas vantagens desleais, entre aqueles dirigentes com uma boa base científica e altos níveis de formação face ao público em geral mas eles também têm o luxo de uma liderança que não enfrentam as campanhas eleitorais. São uns sortudos! As consequências críticas são que eles não perdem tempo com os graves problemas climáticos (o mesmo é verdadeiro para a Índia) e, mais importante ainda, talvez, eles estão realmente a começar a preocupar-se, quase em pânico, mas é sobre o acesso aos recursos cruciais no quadro de uma visão de longo prazo. Em contraste com a nossa política de bloqueios e com as nossas incapacidades para enfrentar as questões de longo prazo, eles mudaram rapidamente de estratégias para passarem a explorar novas fontes de energia sustentáveis, garantindo contratos a prazo e promovendo a melhoria na eficiência da utilização dos recursos.
Os EUA e o Canadá foram abençoados com vantagens naturais que são inigualáveis (pelo menos se neles se incluir a segurança, que num desesperado mundo de recursos limitados, o aquecimento mundial pode prejudicar a Nova Zelândia, que de outra forma seria difícil de bater). No entanto, a variedade do capitalismo relativamente descontrolado que existe hoje nos EUA pode neutralizar muitas das nossas vantagens. As soluções para esses problemas – muito mais importantes do que quaisquer outros – precisam de um delicado mix de capitalismo e de sabedoria, de uma regulação governamental democraticamente controlada. Isso pode parecer uma contradição para muitas pessoas. Se não podemos fazê-lo parecer ser assim, plausível e aceitável, então, nas próximas décadas estaremos em apuros em todo o mundo porque o mundo realmente precisa da liderança dos EUA sobre estas questões críticas.
Karl Marx focou insistentemente a questão da tendência do capitalismo em se fixar no crescimento económico de tal forma que levaria o capitalismo a esquecer-se de transmitir uma imagem amigável à sociedade e a forçar claramente e brutalmente o seu domínio sobre o trabalho. Ironicamente, de certa maneira, Marx e Engels acalentavam esperanças na globalização e nas empresas multinacionais porque, segundo defendiam, tornaria o capitalismo ainda mais poderoso, a passar dos limites, e, eventualmente, imprudente. Seria, segundo proclamavam, uma maneira de dar aos capitalistas um pouco mais de corda para se enforcarem, ou melhor, para se enforcarem a si próprios na revolução dos trabalhadores. A corda para essa missão, sugeriam eles com algum humor negro, seria comprada a capitalistas de alta estirpe competitiva, sempre gulosos por um bom negócio. Bem, o tempo vai passando e vai ser difícil ter uma revolução de trabalhadores sem trabalhadores. Não será fácil organizar máquinas-ferramentas robotizadas. No entanto, Marx e Engels, têm certamente razão sobre o aspecto de a globalização e as empresas multinacionais reforçarem o poder do capital a expensas do trabalho. Para contrariar a visão apocalíptica de Marx, é preciso um papel moderador de poderes públicos esclarecidos (mesmo que fossem apenas um pouco esclarecidos seria já encorajador) para moderar esta nova e terrível força destruidora que representa o descontrolo da actual globalização (globalized Juggernaut) antes que o capitalismo se torne tão autista que venhamos a ter uma reacção social bem grave.
Mas, para mim, a questão da fixação absoluta do capitalismo no crescimento económico a todo o custo, em que Marx se concentrou, não é tão importante quanto as outras questões discutidas aqui. O capitalismo, por ignorar a natureza finita dos recursos e por negligenciar o bem-estar a longo prazo do planeta e a sua, potencialmente crucial, biodiversidade, ameaça a nossa existência. As perspectivas a cinquenta e a cem anos são importantes, apesar da “tirania da taxa de desconto”, já que os nossos netos têm efectivamente um valor. A minha conclusão é a de que o capitalismo, efectivamente, faz certamente mil e uma coisas melhor do que outros sistemas: apenas falha actualmente em duas a três coisas. Infelizmente para todos nós, basta uma só destas falhas para poder dar cabo do capitalismo e de nós também.
Jeremy Grantham, Your Grandchildren Have No Value (And Other Deficiencies of Capitalism), GMO, Quarterly letter, Fevereiro de 2012