Esse bocadinho de tarde cinzenta – Adão Cruz

 

 

 

Adão Cruz  Esse bocadinho de tarde cinzenta

 

 

 

 

(Adão Cruz)

 

 

   Ela não sabia mas a vida havia-lhe ensinado naturalmente que os mais belos poemas se fazem com gestos e palavras simples

 

Que os nossos corpos ainda que distantes no tempo se uniam como a clara e a gema

 

Fora da jaula com a ponte ao longe sentia-se voar e dizia que o ar fresco da liberdade acendia nela um poderoso desejo

 

Nos corredores da casa o céu abria-se ao vê-la frente ao espelho provando a blusa que lhe trouxera de fora

 

Ao sentir a sua pele macia coberta apenas pela leve blusa que vestia frente ao espelho ficava enraivecido por alguém lhe pôr as mãos em cima uma vida inteira

 

Sentir nos dedos a maciez do seu sexo era um poema com versos de fogo

 

Para lá da beleza a transparente ternura da infelicidade prendia cada vez mais aos olhos aquele corpo de sonho e magia

 

Os seus beijos não tanto pela sensualidade como pela necessidade de fuga através deles para um qualquer lugar de paz e segurança tornavam mais dolorosa a hora que viria a seguir sem ela

 

A alegria que tinha ao vê-la entrar era tão grande quanto a tristeza que sentia ao vê-la sair

 

Era como se levasse consigo a sina de não voltar embora tivesse voltado sempre como uma aparição

 

Era como se o mundo caísse ao chão e se partisse e não houvesse forma de unir os pedaços

 

Uma imensa amargura pelo desencontro de idades e de vidas cerrava os olhos mas a beleza interior daquela mulher sabia abri-los e agarrar o sol de forma sublime

 

Nesse bocadinho de tarde cinzenta só uma alma grande podia fazer da tristeza e da amargura um acto de amor

 

 

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