Augusta Clara Um majestoso animal foi morto por outro, sua majestade o rei de Espanha
(autor desconhecido)
O rei de Espanha foi ao Botswana caçar elefantes. Juan Carlos é católico. Não sei se o Deus dos católicos gosta dos animais irracionais. Dos humanos já percebemos que não gosta mesmo nada, como muito bem explicou Mark Twain nas cartas que o Diabo enviou aos seus amigos anjos quando veio à Terra ver o que por cá se passava. Daí, esta fotografia poder muito bem retratar o desejo secreto que o assaltou ao ver aquele reizinho seu súbdito matar um animal quase sagrado no reino da Criação: inverter os acontecimentos e fazer esbarrar com a árvore o apêndice frontal de Juan Carlos e não o do elefante.
Mas não podia porque ele é rei e Deus não gosta especialmente é dos vulgares seres humanos, sobretudo dos pobres e dos muitos que vão a caminho desse estado. Aos poderosos abriu uma excepção e dedica-lhes uma afeição muito especial. Por isso, apenas para não dizerem que a sua condição de divindade não tem em conta a justiça, castigou-o: quebrou-lhe uma anca.
Esta poderia ser a fábula, já que aqui os animais falam, não fora tratar-se dum episódio verídico. Juan Carlos foi à caça em África e pecou de duas maneiras:
– gastou uma fortuna quando os súbditos do seu reino e os dos outros países circundantes, para já só nos referirmos ao continente europeu, estão maioritariamente a caminho de viver à míngua. Bem podem os meios de informação fiéis à coroa noticiarem que a caçada foi paga por um magnate saudita que vive há anos em Espanha, tem propriedades em Madrid e Marbella e, no país vizinho, costuma actuar como representante dos negócios da casa real da Arábia Saudita. Que diferença faz em que mãos anda o dinheiro por este mundo e como é empregue por caras ou coroas nestas obscenas actividades dos ricos enquanto o desemprego aumenta aceleradamente e os súbditos se vão tornando escravos mercê do medo instalado de, ao menor descuido, ficarem sem os meios necessários para terem direito de continuar a ser gente?
– demonstrou ser completamente indiferente ao que, com tanta tecnologia de informação, toda a gente sabe: que um elevadíssimo número de elefantes e de outros animais do continente africano tem sido dizimado, correndo o perigo de extinção, devido a múltiplas e consecutivas guerras civis, muitas delas incentivadas por países ocidentais na senda da apropriação das riquezas locais.
Temos como exemplo o Parque Nacional da Gorongosa. Filmes passados recentemente nas televisões atestam a devastação de um dos mais ricos redutos da fauna africana ao longo dos anos que durou a guerra civil em Moçambique. Curiosamente, aqui, outro magnate ocupou-se numa acção contrária à daquele que pagou a brincadeira de matar elefantes ao rei de Espanha: a recuperação do parque, repovoando-o com animais trazidos de outros países da região.
É uma questão de ética. Uns conhecem-na e respeitam-na, outros nem sabem do que se trata e usam o que é de todos a seu belo prazer.
Na verdade não nos devia espantar a insensibilidade de Juan Carlos quer numa quer noutra área. Não é mais nem menos do que a demonstrada quando conviveu pacificamente com Franco, ainda os opositores políticos ao ditador eram garroteados.
O equívoco por que vem pedir desculpa não tem pés nem cabeça. Equivocou-se como e em quê? Apanhou o avião errado e aterrou no meio dos elefantes? Só um débil mental se equivocaria desta maneira. De facto, os casamentos consanguíneos nas casas reais europeias tiveram consequências conhecidas ao nível da saúde de várias cabeças coroadas e sua descendência por gerações. Será este tipo de equívocos uma delas?
Em cheio, Augusta. Os bois pelos nomes. Belo texto, cheio de verdade e raiva pelo comportamento destas tristes e rocambolescas figuras “reais”, que de reais só têm o real facto de, infelizmente, ainda existirem. Um beijinho
Espero que sejas o Adão que eu conheço e não um “Cru ou cruel” que também mata elefantes :)))
Os bois pelos nomes, não. Os burros e os elefantes, sim.Adelino
Muito bem, Augusta Clara.Juan Carlos foi sempre habituado a que alguém pagasse por ele, sobretudo para viver luxuosamente. Em Cascais, na companhia do seu amigo Pinto Balsemão (a este, ao que parece, o tio pagava), viveu no meio do melhor, enquanto o povo dos vários países que constituem o que é conhecido como Espanha definhavam e morriam, muitos, à fome. Quem é que pagava?Lembremos também que regressou a Espanha pela mão de Franco, não pela instauração da democracia.