
Pedindo a argonautas e a leitores que nos enviem poemas para o Primeiro de Maio, continuamos hoje a publicar obras de autores consagrados. Hoje apresentamos um poema de Egito Gonçalves (1920-2001)
Um dia de Maio
Recordo esse momento, esse
terrível entusiasmo. Eram
milhares, dezenas de milhar
e todos se esticavam, todos
tentavam ver os carros, sentiam
o solene momento, gritavam
da alegria mais pura. Era
um som de pólvora liberta,
uma explosão de esperança,
de loucura, de vida – sim,
por uma vez, a vida -. Lembro
esse gosto de pão, o corte
brusco na inércia, o fogo
da presença em oferenda,
a compressão da ira vinculada
agora a um caminho. Hoje
contemplo esta praça, estas ruas
que a tristeza semeou
de novo e espero a multidão
que uma vez aqui floresceu.
Confio em que virá. O vento
fala já nos seus passos, faz
da espera alimento; o ar
vai encher-se de vozes, vai
ver-nos todos juntos, livres,
respirando através das mãos
unidas, através do ardente
fluido de alegria que liberta
as raízes do canto estagnado.