Globalização e Desindustrialização – 4ª Série

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

 

Capitulo III.  Alguns retratos mais sobre a globalização, sobre a desindustrialização

 

10. O sector foltovoltaico: a oferta é o dobro da procura

 

Entrevista a Paolo Frankl,” da Agência Internacional da Energia

 

 

 

 

É de novo os ventos do desespero que se abatem  de novo sobre a indústria solar europeia: o fabricante alemão de células fotovoltaicas Q-Cells, líder no seu sector de na Alemanha, anunciou que apresentaria na terça-feira, 3 de Abril o seu pedido de declaração de falência. Esta falência é parte de uma série negra no mercado de energia fotovoltaica na Alemanha, mas também na Europa em geral. Na semana passada, foi o francês Evasol que estava à beira da falência na sequência de desgraças da emblemática jóia da coroa do sector a empresa antiga Photowatt.


Este marasmo no entanto não corresponde à imagem da indústria, tanto o crescimento se mostra forte na China. Um  último acto a prová-lo: a empresa chinesa Fire Energy, distribuidor de equipamentos fotovoltaicos, deve  adquirir  até ao final do mês uma base militar abandonada de Châteaudun (Eure-et-Loir) para  aí desenvolver um parque industrial, incluindo uma unidade  de montagem de painéis fotovoltaicos e uma fábrica  para a fabricação de LED, de acordo com Les Echos. Paolo Frankl, chefe da divisão de energias renováveis na Agência Internacional de Energia, analisa a  evolução recente do mercado solar.


Por que razão Europeia o solar europeu atravessa uma situação tão má?


R de Paolo Frankl: Esta derrocada europeia – com a situação de falência ou de dificuldade da empresa alemã Q-Cells, Solarhybrid, Solar Millennium, Sólon e dos franceses Evasol e Photowatt é explicada por duas razões que são: a forte concorrência de fabricantes chineses a preços muito mais baixos e a redução dos subsídios nos principais mercados-chave europeus.

 

A situação mudou totalmente em 2007 quando os chineses fizeram a aposta de investir fortemente nessa tecnologia. Ao produzirem em grandes quantidades, estes dramaticamente fizeram aumentar um mercado até então limitado, na medida em que a oferta é agora duas vezes superior à procura: a capacidade de produção atingiu 50 gigawatts (GW) em 2011 para uma capacidade de instalação estimada em 27 GW.. Consequência: este excesso de produção, a baixo custo pelo lado chinês, provocou uma queda dos preços, até 75% em três anos nalguns países. Actualmente, o módulo fotovoltaico [painel solar] vende-se à volta de 1 dólar por watt gerado e o sistema fotovoltaico [módulos, suporte, bateria, cabos, etc.] 2 dólares por watt, contra quase o dobro de há três anos atrás.


No entanto, enquanto que os preços dos equipamentos desciam  drasticamente, os preços de venda  de electricidade não diminuíram na mesma proporção. Houve um desfasamento, portanto: alguns produtores fizeram lucros demasiado onerosos para os consumidores. Com isto criou-se então  uma bolha, com um risco de colapso do mercado, especialmente em 2012 e 2013. Eis porque é que alguns países, como a França, a Alemanha, a Itália, a Espanha ou a República Checa, reduziram as tarifas  garantidas de compra  aos  produtores de electricidade de origem fotovoltaica. Por exemplo, a Alemanha compra, desde o 1 de Abril a electricidade das  grandes instalações a 16.5 cêntimos  por quilowatt-hora e a 19,5 cêntimos a das  pequenas instalações contra respectivamente 18 e 24 cêntimos  no ano passado.


Como conseguiu a China levar os preços dos painéis fotovoltaicos a uma tão grande descida?


A China investiu maciçamente no sector fotovoltaico, à custa de dezenas de milhares de milhões de euros. Isso permitiu-lhe criar enormes economias de escala e, por conseguinte, reduzir os custos de fabricação. O custo do trabalho, muito baixo também, permitiu-lhe baixar o preço. Finalmente, as empresas chinesas desfrutam de um contexto muito favorável, os bancos do Estado permitem-lhes contrair empréstimos a taxas de juro interessantes, enquanto as autoridades locais vendem-lhes as suas terras a preços muito baixos. Alguns fabricantes europeus e americanos asseguram também que o mercado chinês beneficiou de subvenções estatais irregulares. Isso não está provado.


No final, a China tornou-se o primeiro produtor do mundo de painéis ao fabricar mais de metade dos módulos comercializados no planeta. E nos dez maiores fabricantes de painéis solares, cinco deles são chineses. A estratégia de Pequim foi, portanto, em grande medida benéfica para as empresas chinesas mas também para os americanos, em menor medida, também. Só os europeus viram a sua pressão aumentar.


À escala planetária  o sector de energia fotovoltaica vai, portanto, bastante bem?

 

Em todos os sectores industriais, houve sempre uma fase de consolidação da indústria, o que significa que ela se torna mais madura. Esta é a situação actualmente da fileira fotovoltaica. Assim, se algumas empresas encontram dificuldades, não acontece oi mesmo para todo o sector. O mercado de facto aumentou exponencialmente nos últimos anos: a capacidade de instalar assim foi estimada em 17 GW em 2010 e 7 GW em 2009, contra 27 GW em 2011.


Além disso, se alguns governos reduziram as suas tarifas de compra de electricidade, nenhum deles diminuiu os seus objectivos em termos de quota das energias renováveis na produção de electricidade. A União Europeia deseja manter o seu objectivo de alcançar os 20% de energia renovável até 2020.


Como pode a Europa relançar o seu mercado?

 

O desafio para a indústria europeia é primeiramente encontrar novos mercados na América do Sul, no norte da África, no Oriente Médio, na Índia ou mesmo nos Estados Unidos e Japão, que têm principalmente uma ponta, um pico, de consumo de electricidade no decorrer do Verão devido os utilização de sistemas de ar condicionado. O recurso solar está agora por toda a parte no mundo: hoje, cinco mercados são maiores do que 1 GW e quinze mercados são superiores a 100 MW no planeta; em 2015, haverá pelo menos quarenta mercados superiores a 100 MW. Os produtores europeus terão de se renovar  e produzir num ambiente menos confortável, com menos subsídios dos respectivos governos.


O mercado europeu, em seguida, pode diferenciar-se através ao seu valor acrescentado, em termos de aplicação dos sistemas fotovoltaicos e de integração nos edifícios. Finalmente, hoje, Europa e os Estados Unidos mantêm uma vantagem sobre a produção de silício multi-cristalino de  que são compostos as  células.

 

Como poderia ser a evolução do sector fotovoltaico nos próximos anos?


É difícil estabelecer previsões na medida em que o mercado está a evoluir muito rapidamente, em função simultaneamente de decisões políticas e de progresso tecnológico. Mas é certo que em três anos, a situação será muito diferente da que vivemos actualmente. A China não deverá aumentar a sua oferta, já muito forte, mas a sua procura, com o desenvolvimento do mercado interno, tem um  enorme potencial.


Passando de  1,5 GW este ano para 10 ou 15 GW até 2015, ela reforçará  a sua  posição dominante de modo considerável  no mercado de energia solar – na condição de que a capacidade instalada seja  compatível com a capacidade eléctrica do país. Ao mesmo tempo, isso poderia permitir deixar de estar a pressionar os Estados Unidos e a Europa, especialmente nos  outros mercados.


Entrevista a Paolo Frankl, Photovoltaïque: “L’offre est aujourd’hui deux fois supérieure à la demande”, conduzida por Audrey Garric, Le Monde, | 03.04.2012  


Paolo Frankl, responsável da Divisão Energias Renováveis na Agência Internacional da Energia 

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