António Lobo Antunes «A cultura é perigosa e assusta o poder»
O escritor António Lobo Antunes considera que os portugueses têm tido uma
paciência «inexcedível» para suportar a actual situação
(estas declarações foram publicadas em 21 de Novembro de 2011 na tvi24 online mas, por serem tão actuais, vale a pena relê-las)
António Lobo Antunes fez este sábado um «acto de protesto» ao estado da cultura em Portugal, traduzido numa conversa com leitores, a propósito do seu último livro «Comissão de Lágrimas», refere a Lusa.
«Numa altura tão difícil e injusta, que os portugueses têm aguentado com uma paciência que eu considero inexcedível, em que vivemos num neofascismo capitalista, que afasta ainda mais as pessoas da cultura e dos livros, estar aqui hoje é, também, um acto de protesto», disse António Lobo Antunes, na livraria Pátio das Letras, em Faro.
Num registo informal, perante uma sala lotada, com perto de uma centena de pessoas, o escritor respondeu às várias questões colocadas pela assistência, falou do seu último livro e teceu críticas ao estado da cultura em Portugal, alertando para o excesso de lixo televisivo, a falta de programas culturais e a inexistência de bons livros.
«Tudo isto é altamente conveniente para o poder político, que, na realidade, é o poder económico, porque um povo culto não consente este tipo de existência que vivemos agora, e começa a exigir. Por isso, a cultura é perigosa e assusta o poder», concluiu o escritor.
A última obra de Lobo Antunes é um romance «denso e sombrio» sobre os acontecimentos ocorridos em Angola depois da independência, e parte «do delírio de uma pessoa», para falar sobre a culpa, a vingança e a inocência perdida, explicou o autor.
Apesar de ter combatido na guerra colonial, Lobo Antunes nunca esteve na «Comissão das Lágrimas», nome dado ao tribunal por onde passaram suspeitos de estar envolvidos no golpe de Estado de 1977, em Angola, por isso, o que fez foi «uma mentira para poder contar uma verdade», admitiu.
O livro é também uma homenagem «não a um país mas a um estado de alma», e a uma parte da vida do autor, em que perdeu camaradas, «e de onde ninguém regressa igual, porque ninguém desce vivo de uma cruz», afirmou Lobo Antunes.
Nota: O último livro de António Lobo Antunes é actualmente “Sôbolos Rios Que Vão” tendo saído, também, o seu “Quarto Livro de Crónicas”, ambos editados pela Dom Quixote.
Durante as Correntes d’Escrita que se realizaram na Póvoa do Varzim, entre 23 e 25 de Fevereiro, a revista LER, no ano do seu 25º. aniversário, convidou alguns dos autores presentes a responderem à pergunta “O que é ler?”. Apresentamos hoje o primeiro lote de respostas. Nos próximos dias aqui teremos os outros dois grupos que responderam à questão. A diversidade e a riqueza dessas declarações traduzem bem a importância da leitura nas nossas vidas.