Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Capitulo IV. 1. Bens e serviços negociáveis e não negociáveis no quadro da economia global: o caso da economia americana. Por Michael Spence e Sandile Hlatshwayo – I
Apresentação
Este trabalho examina a evolução da estrutura da economia americana, especificamente, as tendências em termos de valores de emprego, de valor acrescentado por sector e de valor acrescentado per capita de 1990 a 2008. Estas tendências estão estreitamente ligadas com as tendências complementares em dimensão e em estrutura da economia global, particularmente das principais economias emergentes.
Empregando séries temporais de dados da base de dados do Bureau of Labor Statistics e Bureau of Economic Analysis, a economia americana e os seus sectores é dividida em duas partes, uma parte, em que se colocam os sectores ou ramos ou indústrias norte-americanas que produzem os bens e serviços negociáveis internacionalmente e uma outra parte em que se colocam os sectores, ramos ou indústrias que estão a produzir bens e serviços não negociáveis internacionalmente. Procura-se que sejam analisadas as tendências, em termos de emprego e em termos de valor acrescentado, quer ao nível dos ramos quer a nível mais agregado ainda. O valor acrescentado em toda a economia cresceu, mas quase todo o acréscimo de emprego, que no total foi de 27,3 milhões de empregos, deu-se no sector de bens e serviços não negociáveis internacionalmente. Neste caso, nesta parte da economia, o sector governamental e o sector de cuidados de saúde são os maiores empregadores e foram neles que se verificaram os maiores acréscimos, (um adicional de 10,4 milhões de postos de trabalho) ao longo das duas últimas décadas. Há perguntas óbvias sobre se estas tendências se podem manter desta forma ou não, pois sem uma rápida criação de empregos no sector de bens não comercializáveis, os Estados Unidos teriam já enfrentado um enormíssimo desafio em termos de emprego.
As tendências em termos de valor acrescentado por trabalhador são consistentes com os movimentos adversos na distribuição de rendimentos dos EUA nos últimos vinte anos, em particular o fraco crescimento do rendimento na faixa média de rendimentos. A parte da economia caracterizada pelos sectores dos bens transaccionáveis está a deslocar a sua cadeia de valor acrescentado com os seus elos de valor acrescentado na média ou inferior a serem deslocalizados para o exterior, especialmente para os mercados emergentes em rápido crescimento. Estes últimos países estão eles mesmos, e rapidamente, a subirem nas cadeias de valor acrescentado pelo que os empregos de remunerações mais elevadas podem deixar também os Estados Unidos, seguindo o padrão de migração dos empregos de salários mais baixos. A evolução da economia americana permite considerar que se trata da existência de um grande desafio quanto às suas estruturas de emprego de longo prazo relativamente à quantidade e à qualidade das oportunidades de emprego nos Estados Unidos. Um conjunto inter-relacionado de problemas está ligado às questões da repartição do rendimento; quase todos os acréscimos de emprego ocorreram no sector de bens não transaccionáveis, em que o crescimento do valor acrescentado por trabalhador tem sido muito mais baixo. Uma vez que este valor está fortemente correlacionado com o rendimento, haverá um longo caminho para explicar a estagnação dos salários entre largos segmentos da força de trabalho americana.
Síntese
1. O crescimento do emprego na economia dos EUA entre 1990 e 2008 foi substancial, na ordem dos 27.3 milhões de empregos quando em 1990 havia 121.9 milhões de trabalhadores.
2. Virtualmente todos os acréscimos de emprego (97,7 por cento) resultam da criação de postos de trabalho na parte da economia dos bens e serviços não comercializáveis. Isso ocorreu apesar da dramática utilização das tecnologia economizadores em trabalho, labour-saving, no processamento da informação transversal a todos os sectores da economia.
3. Nesta parte da economia os principais sectores na criação de empregos foram a Administração Pública e o sector dos cuidados de saúde e nesta ordem com ambos a estarem situados no sector dos bens e serviços não transaccionáveis. Em conjunto, esses dois sectores geraram mais de 10 milhões de empregos adicionais ao longo do período, representando cerca de 40 por cento do total dos novos postos de trabalho criados. Os cuidados de saúde criaram 6,3 milhões de empregos para uma base de 10 milhões. O Governo gerou 4,1 milhões de postos de trabalho numa base de 18,4 milhões.
4. Dada a pressão sobre a redução ou não aumento das despesas governamentais, será muito pouco provável manter estes dois sectores com ganhos continuados ao nível dos acréscimos de postos de trabalho criados. De igual modo, o sector dos cuidados de saúde absorve uma fracção já suficientemente grande de PIB (na ordem de 16 por cento) o que leva a considerar que a expansão neste sector possa ser, pelo menos, questionável. Com a população em fase de envelhecimento pode-se exigir mais criação de serviços, mas a capacidade do Governo para financiar a expansão essa é que pode, pela pressão acima citada, estar mesmo em dúvida.
5. O crescimento noutros sectores de bens e serviços não transaccionáveis internacionalmente que geraram aumento de postos de trabalho, como a venda a retalho, por exemplo, tem sido dinamizado pelo financiamento do consumo através do endividamento. Depois da crise financeira, as perspectivas de crescimento do emprego nestes sectores são muito menos prováveis.
6. O sector de bens e serviços negociados internacionalmente tem tido um crescimento de empregos nos serviços de topo de gama, de alto valor acrescentado, incluindo a gestão de serviços e serviços de consultoria, sistemas computacionais, finanças e seguros. Estes quase que igualaram com a sua criação de empregos as reduções de postos de trabalho verificados em muitas áreas na indústria transformadora.
7. A perda do emprego na indústria transformadora foi causada pela emigração de actividades ou funções nas cadeias globais de produção que estão associadas com menor valor acrescentado por posto de trabalho. Mas como os mercados emergentes crescem, estes também entram em concorrência com ou nas actividades ou funções cada vez mais sofisticadas. Isso não significa que os Estados Unidos vão perder em todos os sectores em que tem estes têm desenvolvido uma vantagem comparativa- a indicar exactamente que mais concorrência potencial está já no horizonte.
8. Os sectores da indústria transformadora que sofreram perdas de postos de trabalho tiveram em paralelo uma subida do valor acrescentado por trabalhador. Então, o valor acrescentado por posto de trabalho aumentou e nalguns casos aumentou mesmo muito. Os empregos de altos níveis salariais no sector de bens e serviços negociados internacionalmente não foram deslocalizados.
9. Para a indústria como um todo, o valor acrescentado por posto de trabalho aumentou substancialmente, um aumento de 44 por cento de 1990 a 2008, muito acima do aumento de 21 por cento verificado na economia como um todo. A parte da economia dos bens e serviços negociáveis internacionalmente está a mudar-se na cadeia global da produção para componentes de maior valor acrescentado. Isto consiste, em termos gerais, aos serviços tecnologicamente de vanguarda, alguns dos quais no sector da indústria transformadora e outros, como as finanças e os seguros, nos ramos especificamente de serviços.
10. Dada a perspectiva de desaceleração do crescimento do emprego em bens e serviços não negociáveis internacionalmente e a crescente pressão concorrencial sobre os bens e serviços negociáveis internacionalmente, a existência de graves problemas de emprego no futuro próximo são já hoje uma certeza. Mesmo se o sector de bens e serviços não transaccionáveis, é capaz de continuar a absorver o crescimento na força de trabalho, a pressão sobre os salários e restantes remunerações fará com que estes tendam a decrescer e as suas consequências sobre a distribuição do rendimento serão inevitáveis.
11. O défice pós-crise da procura interna está a provocar um alto volume de desemprego a nível persistentemente elevado, pese embora o facto de que a economia está já a começar a recuperar nalguns casos a sua dinâmica de crescimento. Em princípio, a procura externa, especialmente com origem nas economias emergentes com altas taxas de crescimento pode compensar em parte alguma da diferença. Mas mesmo isto provavelmente não vai acontecer. Embora o défice comercial dos EUA tenha caído para 375 mil milhões em 2009, a partir de 702 mil milhões de dólares em 2007, o ajustamento resulta completamente de uma queda acentuada nas importações, de 2,35 milhões de milhões de dólares para 1,95 milhão de milhões de dólares, enquanto as exportações na verdade caíram, de 1,65 milhão de milhões de dólares para 1,57 milhão de milhões de dólares. Por outras palavras, o ajustamento resulta de uma queda nas importações não de uma subida nas exportações. .
12. Para criar empregos, para conter a desigualdade e para reduzir o défice nas contas correntes então o âmbito da base nas indústrias de exportação americanas terá de se expandir. Isso significa repor e criar situações que permitam a melhoria na competitividade dos EUA através de um amplo conjunto de actividades e pela via de fortes investimentos em capital humano, nas tecnologias e nas grandes e pequenas infra-estruturas. O desafio é como fazê-lo então de forma a ser o mais eficaz possível.
(Continua)