Globalização e Desindustrialização – 4ª Série

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

 

Capitulo IV. 1. Bens e serviços negociáveis e não negociáveis no quadro da economia global: o caso da economia americana. Por Michael Spence e Sandile Hlatshwayo  – III

 

(Continuação)

 

 

 

Depois de trinta anos com uma muito forte taxa de crescimento, a estrutura da economia da China está em clara transformação e deslocação, como anteriormente o estiveram antes dela a Coreia do Sul e o Japão.  

 

FIGURA 1

 

Reafectação  das exportações  em produtos manufacturados da China entre os maiores sectores com a agregação feita a dois dígitos 

 

 

A China, com um rendimento per capita de cerca de 3.800 dólares está agora a entrar no que são chamados países de rendimento médio em transição. Esta fase de desenvolvimento é muitas vezes chamada de armadilha. É uma das transições mais complexas e arriscadas que já ocorreram na longa jornada, uma jornada de várias décadas,  de  países de baixos níveis de rendimento para os níveis  de países  avanaçados.  A experiência que nós temos da realidade e da história do pós-guerra sugere-nos  que a maioria dos países que entram para o grupo de rendimentos médios em transição  reduziu-se  depois significativamente ou ficaram  até em situações em que estabilizaram.

 

No conjunto dos casos de alto crescimento sustentado no período do pós-guerra (primeiro 13 países, depois 15, com a entrada para este grupo da Índia e Vietname), apenas cinco mantiveram as suas altas no quadro da transição dos  países  de  rendimentos médios  e continuaram no sentido dos países de elevados rendimentos  de 20.000 USD per capita ou  mesmo superior (ver figura 2). Essas transições extremamente rápidas ocorreram no Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Singapura.

 

Figura 2. PIB real per capita e a Transição na zona de rendimento médios

 

Para a China e para outros países de rendimento médio, então, a manutenção do crescimento rápido não é automática.

 

 

 

Dito isto, a dimensão agregada dos países em desenvolvimento (especialmente das principais economias emergentes), conjuntamente com os seus rendimentos a subir e com a sua estrutura industrial a ficar cada vez mais evoluída,  são os factores que leva a que estas economias estão a começar  a ter um impacto cada vez maior sobre a estrutura das economias avançadas, em especial sobre a parte das  suas economias que está exposta ao comércio internacional. Aqui referimo-nos ao agregado definido como o conjunto  dos bens e serviços negociáveis internacionalmente.

 

Os grandes agregados  ou conjuntos  de sectores dos bens e serviços negociáveis e não negociáveis internacionalmente

 

Na economia global, alguns bens e serviços são negociados internacionalmente, ou seja,  nesta categoria estão  os bens e serviços que estão sujeitos às trocas internacionais, à concorrência internacional , acontecendo o inverso com os outros bens e serviços a que também se chama a parte  abrigada  da concorrência ou ainda  a parte da economia constituída pelos  bens e  serviços não negociados internacionalmente.

 

A parte da economia constituída pela produção de bens e serviços negociáveis internacionalmente  consiste nos bens e serviços que podem ser produzidos num  país e consumidos num outro qualquer , ou, como no turismo ou na educação, consumido por pessoas de outro país. O sector de bens e serviços não negociáveis internacionalmente  representa o conjunto de bens e serviços que é produzido  e consumido no mesmo país. Como exemplos de bens e serviços transaccionáveis internacionalmente ​​incluem-se a maioria dos produtos manufacturados, os produtos agrícolas, um conjunto crescente de serviços de gestão   e ainda, por exemplo, serviços técnicos, minerais, energia e gás. O sector de bens  e serviços não transaccionáveis internacionalmente ​​, inclui os serviços públicos, as vendas a retalho, os cuidados de saúde, construção, hotéis e restaurantes, muitos serviços jurídicos, e assim sucessivamente.

 

A divisão entre os bens e serviços transaccionáveis ​​e não transaccionáveis ​​ não é fixa, não é constante ao longo do tempo. Há vinte e cinco anos atrás, serviços de gestão, a manutenção e apoio nas tecnologias da informação, não eram negociadas internacionalmente; agora, a conectividade da Internet e a criação de software inovador permite a muitos destes serviços serem realizados a grandes distâncias e  a um custo bem menor, muitas vezes noutros  países. Ao longo do tempo, a especialização chamada especialização transfronteiriça e a aprendizagem-formação conduzem-nos a uma  maior qualidade e eficiência, bem como à obtenção de  um menor custo.

 

 

A divisão da economia em dois grandes agregados, entre o dos bens e serviços negociáveis e os não negociáveis não se alinha perfeitamente com as definições, as classificações ou  tabelas oficiais dos sectores. Estas últimas expressam agrupamentos de indústrias baseadas nos seus produtos finais. Alguns destes produtos dentro de um dado grupo particular podem  ser bens e serviços negociáveis  ​​internacionalmente enquanto outros bem fazer parte dos bens e serviços não transaccionáveis. Por exemplo,  muitos dos serviços jurídicos  não são comercializáveis ​​internacionalmente, mas um subconjunto destes serviços, muitos dos quais  se referem às  questões financeiras internacionais já o são.

 

Mas muito mais importante do que a mistura dos bens e serviços negociáveis  a nível internacional  com os que não estão sujeitos à mesma concorrência internacional dentro do mesmo sector, é um fenómeno completamente diferente que se passa em simultâneo, agora. Um bem ou serviço é produzido e entregue ao consumidor final mas até chegar aí passou por uma série de passos, a que se chama a cadeia de valor acrescentado.  O total do valor acrescentado é então definido como sendo as  vendas finais de uma empresa ou  indústria menos os seus gastos para essa mesma produção, com exclusão das suas despesas em salários e encargos de capital.  Tais gastos, os inputs, incluem compras como serviços jurídicos e serviços de contabilidade bem como peças e componentes produzidos por outros sectores industriais (ou empresas), matérias-primas, energia, e outros materiais ou similares. A ideia é que o trabalho (de todos os tipos, incluindo serviços de gestão) e o  capital se combinam para acrescentar valor  face aos inputs adquiridos   e esse valor é reflectido no valor de venda do produto final. Se o resultado final (da produção de um bem ou serviço) não é vendido, como acontece no caso dos serviços públicos prestados pela Administração, pelo Governo, pelo Estado,  não há nenhum mecanismo de mercado para determinar o  valor de venda, o valor do produto, afinal.. O resultado final é então considerado como sendo o custo total do trabalho, o do capital (anualizado) mais o valor dos bens e serviços comprados e  necessários à criação da prestação de serviços em análise. A ideia é a de que o mecanismo colectivo de escolha democrática que aqui substitui o mercado funciona razoavelmente bem e incorre  nestes  custos, pois a sociedade impõe, no mínimo, muito valor  sobre os serviços que são colocados à disposição dos cidadãos. É claro, pode-se, e muitas vezes as pessoas fazem-no, podemo-nos questionar sobre isto.  Mas, em qualquer caso, esta é a fórmula de calcular o valor acrescentado  para os serviços que são disponibilizados, mas não vendidos…

 

(Continua)

 

 

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