O GARDEN- PARTY, de KATHERINE MANSFIELD – IV. Tradução de João Machado.

Um Café na Internet

 (continuação)

Laura poisou o auscultador, levantou os braços acima da cabeça, respirou fundo, esticou-os e deixou-os cair. ― Uuuh!― suspirou, e levantou-se rapidamente. Parou, a ouvir. Todas as portas da casa pareciam abertas. A casa estava viva com o som de passos rápidos e suaves e vozes activas. A porta forrada a baeta verde que dava para os lados da cozinha abria e fechava com um som abafado. Ouvia-se um som longo, absurdo, como um cacarejo. Era o piano tão pesado a ser arrastado sobre as rodinhas rijas. Mas o ar! Parando a observar, seria que o ar era sempre assim? Ligeiras correntes de ar brincavam a apanhar por todo o lado, no cimo das escadas, ou às portas. E apareciam dois pequenos reflexos de sol, um no tinteiro, outro numa moldura de prata de fotografia, também a brincar. Que lindos reflexos. Sobretudo o na tampa do tinteiro. Estava mesmo quente. Uma pequena estrela quente de prata. Gostava de a ter beijado.

 

A campainha da porta da frente tocou, e ouviu-se o roçagar da saia estampada de Sadie a descer a escada. Uma voz de homem disse qualquer coisa; Sadie respondeu despreocupadamente, ― Não sei nada. Um momento. Vou perguntar à Senhora Sheridan.

 

― O que é, Sadie? Laura entrou no átrio.

 

― É o florista, menina Laura.

Era mesmo. Mesmo ao entrar da porta, estava uma bandeja larga e rasa carregada com vasos de lírios rosados. Nenhuma outra flor. Apenas lírios – de cana, grandes flores rosadas, bem abertas, radiantes, quase assustadoramente vivas sobre hastes carmesins brilhantes.

― O-oh, Sadie! ― disse Laura, e a voz parecia um gemido. Curvou-se como se quisesse aquecer-se ao brilho dos lírios; sentiu-os nos dedos, nos lábios, a crescer no seio.

― Há algum engano, disse com voz fraca. ― Ninguém ia mandar vir tantos. Sadie, vá ver se encontra a mãe.

Mesmo nesse instante a Senhora Sheridan chegou ao pé delas.

― Está tudo bem, disse calmamente. ― Eu encomendei-as. Não são lindas? ― Pegou no braço de Laura. ― Ontem ia a passar pela loja, e vi-as na montra. E veio-me à cabeça a ideia de, ao menos uma vez na vida, ter todos os lírios de cana que eu quisesse. O garden-party é uma boa desculpa para isso.

― Mas pareceu-me ouvi-la dizer que não queria interferir em nada, ― disse Laura. A Sadie já não estava ao pé delas. O homem do florista ainda estava na rua, ao pé da carroça. Laura passou o braço à volta do pescoço da mãe e, suavemente, muito suavemente, mordeu a orelha da mãe.

― Minha filha querida, não me diga que preferia ter uma mãe toda racional, se calhar? Não queira uma coisa dessas. Aqui está o homem.

Ele trouxe mais lírios, mais uma bandeja deles.

― Ponha-os aí do lado de dentro, ao pé da porta, nos dois lados do alpendre, ― disse a Senhora Sheridan. ― Laura, achas bem assim?

― Claro, mãe.

 

(continua)

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