Entre missas e mísseis teus irmãos
Entre medos e mitos teus amigos
Entretanto entre portas tu contigo
entretido a sonhar como eles vão
Entre que muros moram suas mãos
Entre que murtas montam seus abrigos
Entre quem possa ver deste postigo
entre que morros morrem de aflição
Entre murros enfrentam-se os mais tristes
Entre jogos ou danças proibidas
entre Deus e a droga os menos fortes
Entre todos e tu vê o que existe
Entreacto em comum somente a vida
Entre tímidas aspas já a morte
Escolhi este soneto entre a vasta obra de David Mourão-Ferreira, não exactamente ao acaso mas, precisamente porque gosto. Também não foi eleito com o sentido de fazer uma análise do poema e muito menos da sua obra.
Não o saberia fazer. Não será fácil falar de obra tão avultada e de tanto mérito.
Incluí neste texto um soneto de David Mourão-Ferreira para ilustrar as minhas palavras de mais um MESTRE. Meu e de tantos.
David Mourão-Ferreira licenciou-se em Filologia Românica em 1951.
Foi professor do ensino técnico e do ensino liceal e depois iniciou a sua carreira de professor universitário na Faculdade de Letras de Lisboa.
Afastado desta actividade entre 1963 e 1970, por motivos políticos. Foi professor catedrático convidado da mesma instituição a partir de 1990. Simultaneamente manteve nos anos 1960 programas culturais de rádio e televisão.
Foi secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Autores e, mais tarde, presidente da Associação Portuguesa de Escritores.
Após o 25 de Abril de 1974 foi Secretário de Estado da Cultura em vários governos entre 1976 e 1978. A partir de 1981 é Responsável pelo Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas da Fundação Calouste Gulbenkian, e dirigiu a revista Colóquio/Letras, da mesma instituição
A sua carreira literária teve início em 1945, com a publicação de alguns poemas na revista Seara Nova, e em 1950, publicou o seu primeiro volume de poesia Secreta Viagem.
Colaborou nas revistas Graal e Vértice e foi um dos co-fundadores da revista literária Távola Redonda. Igualmente colaborou com vários jornais, como o Diário Popular e O Primeiro de Janeiro, e foi também director-adjunto do jornal O Dia e director do jornal A Capital.
Na sua poesia é assinalada as presenças constantes da figura da mulher e do amor, sendo considerado como um dos poetas do erotismo na literatura portuguesa.
A vivência do tempo e da memória são também constantes na sua obra, assinalada por uma procura rigorosa de equilíbrio, de força lírica, de grande riqueza rítmica e melódica que fazem dele um clássico da modernidade
Para além de quase duas dezenas de títulos publicados em poesia, como ensaísta teve também diversas obras notáveis, e igualmente na ficção narrativa estreando-se em 1959 com Gaivotas em Terra.
Alguns textos seus foram adaptados à televisão e ao cinema, e foi ainda autor de poemas para fados, muitos deles celebrizados por Amália Rodrigues, tal como, Maria Lisboa, Nome de Rua, Fado Peniche, Barco Negro, Madrugada de Alfama entre outros.
Recebeu vários prémios pelas suas obras como o Prémio de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores e foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem de Santiago da Espada.
Poeta, ficcionista, ensaísta, professor, crítico, divulgador, tradutor e dramaturgo, são os aspectos que caracterizam o trajecto de um homem que deixou marca por onde passou e nas pessoas que conheceu.
Eu conheci o David Mourão-Ferreira em Caracas, já muito tempo depois de conhecer a sua obra.
Em 1990, foi a vez de ele ter sido convidado pelo Instituto Português de Cultura de Caracas para as manifestações do Dia de Portugal. Como era habitual para com os convidados, foi constante a minha companhia.
Ficámos amigos.
Até que, na cama do hospital me prometeu escrever um texto para um catálogo de uma exposição minha. Já não lhe foi possível escrever.